Ao iniciar mais um ciclo de violência no Oriente Médio, em julho passado, o grupo terrorista Hamas buscou perpetuar uma estratégia em curso há décadas. Trata-se de impor a Israel a necessidade de se envolver num conflito assimétrico, no qual o Estado judeu, em busca da segurança de seus habitantes, tenha de enfrentar inimigos que utilizam população civil como escudo humano e empregam escolas, hospitais, mesquitas e suas cercanias como bases para lançamento de foguetes e esconder armamentos.

Nesse cenário, ao atrair o combate para áreas densamente povoadas, grupos como o Hamas apostam na morte de civis palestinos e cenas de escombros para abalar a imagem do Estado judeu e tentar isolar Israel no cenário global.

O roteiro trágico é seguido desde meados dos anos 1970. Grupos como o Hamas e Hezbolá criam situações insustentáveis para Israel, colocando-o diante de um dilema: enfrentar um cenário de grave ameaça à sua segurança, por um lado e, por outro, entrar numa operação militar que trará dividendos na área de segurança, mas certamente significará alto custo político e diplomático. Essa costuma ser a natureza das chamadas guerras assimétricas, quando um país, com forças armadas regulares, enfrenta terroristas e milicianos que se escondem em meio à população civil. 

Para entender a dificuldade dos governos israelenses nas últimas décadas, basta analisar as origens da Operação Margem Protetora, iniciada a 8 de julho. A escalada de violência, na sua fase mais recente, começa com o sequestro e assassinato de três jovens israelenses, em junho, pelo Hamas. Apesar das negativas iniciais, o grupo acabou admitindo, por meio de seu líder principal, Khaled Meshal, a autoria do crime.

Em seguida ao sequestro, o Hamas apostou na intensificação da crise, imaginando que uma escalada militar lhe permitiria arrancar concessões de Israel na hora de negociar um cessar-fogo. De imediato, o governo israelense mostrou que preferia não embarcar num confronto bélico. Chegou a propor a fórmula “quiet for quiet” (tranquilidade por tranquilidade) na fronteira entre Israel e Gaza. O Hamas, no entanto, seguiu disparando foguetes. Foram mais de 400 em duas semanas.
Nenhum país do mundo ficaria inerte diante de uma chuva de foguetes atingindo sua população civil. Os disparos permanentes condenam os israelenses, sobretudo nas áreas mais próximas a Gaza, a viver em permanente situação de estresse psicológico, pois quando soa o alarme antimíssil, contam com escassos 15 segundos para chegar à segurança de um bunker. Com frequência, aulas em jardins de infância e escolas são interrompidas pelo som estridente que anuncia a aproximação de um foguete oriundo de Gaza.

Nos últimos dez anos, mais de 12 mil projéteis foram disparados contra Israel, que amealhou expressivas vitórias contra a estratégia terrorista ao investir pesadamente na construção de abrigos antimísseis e na construção do Iron Dome (Domo de Ferro), um sofisticado sistema de defesa que destrói foguetes inimigos em pleno voo. Israel, no entanto, não podia tolerar a intensificação dos bombardeios, que provocou mortes e obrigou parte expressiva de sua população nas proximidades de Gaza a abandonar suas casas. Teve, a contragosto, de embarcar em mais uma guerra assimétrica, enfrentando um grupo baseado no terrorismo, com objetivo de neutralizar suas plataformas de lançamento de foguetes e destruir a sofisticada rede de túneis subterrâneos, construída para infiltrar terroristas em solo israelense.

A Operação Margem Protetora representou mais um capítulo nefasto das explosões cíclicas de violência nas cercanias de Israel. Em 2012, foi a vez da Operação Pilar de Defesa e, na virada de 2008 para 2009, ocorreu a Operação Chumbo Fundido. Todas elas envolvendo o Hamas. Em 2006, um comando do Hezbolá atacou uma patrulha israelense na fronteira norte do país, matando três soldados e iniciando a Segunda Guerra do Líbano. Mais uma vez, Israel enfrentou um grupo terrorista, em outra guerra assimétrica e altamente destrutiva. Foram mais de 30 dias de encarniçados combates em território libanês, em meio à população civil.

Uma triste radiografia mostra que Israel foi arrastado a mais conflitos assimétricos, além dos quatro registrados nos últimos oito anos. Entre 2000 e 2004, a Segunda Intifada e seus homens-bomba atingiram o Estado judeu, assassinando cerca de 1 mil israelenses, mais de 120 deles menores de idade. E, entre 1987 e 1991, jovens palestinos protagonizaram a Primeira Intifada, quando o cenário clássico apresentava civis lançando pedras contra alvos israelenses.

A constatação: todos os conflitos que envolveram Israel nas últimas décadas colocaram-no contra um adversário de natureza diferente, numa guerra assimétrica. Sempre um Estado constituído, com forças armadas regulares, enfrentando grupos terroristas e milicianos infiltrados na população civil.

Nesses conflitos, os adversários de Israel naturalmente não esperam vitória militar. Sabem que não contam com a capacidade para destruir o Estado judeu por meios bélicos. O objetivo é impor derrotas políticas, obrigar um Exército bem equipado e bem treinado a combater num cenário desfavorável, em meio a zonas urbanas e população civil. Certamente cenas de destruição vão correr o mundo, ainda mais na era da internet e da revolução tecnológica. E a disseminação dessas fotos e vídeos tem alvo certo: corroer e imagem de Israel e fortalecer a estratégia de isolar o Estado judeu.

A Guerra do Yom Kipur, em 1973, foi um divisor de águas. Representou o fim da etapa em que Israel se viu em guerras simétricas, ou seja, quando um país, com forças armadas regulares, enfrenta outro país, igualmente com forças armadas regulares. No conflito iniciado no dia mais sagrado do calendário judaico, Egito e Síria invadiram Israel, que repeliu os agressores e venceu o embate.

Antes disso, o jovem Estado Judeu havia participado, por exemplo, em mais dois conflitos simétricos. Em 1956, enfrentou, com apoio de britânicos e franceses, o Egito, do presidente Gamal Abdel Nasser. Onze anos depois, na Guerra dos Seis Dias, Israel combateu tropas egípcias, sírias e jordanianas, e conseguiu um formidável triunfo militar.

Em 1973, Cairo e Damasco desejavam reverter os resultados da guerra anterior. Fracassaram. E constataram que Israel havia se transformado, um quarto de século após sua fundação, em realidade que não poderia ser riscada do mapa numa guerra simétrica. O presidente egípcio Anuar Sadat, diante do diagnóstico, desistiu do projeto nasserista de destruir Israel, visitou Jerusalém em 1977 e assinou o acordo de paz de Camp David em 1979, o primeiro entre um país árabe e Israel. Pagou pela ousadia com a própria vida, assassinado num atentado em 1981.

Lideranças árabes e seus aliados, convencidos de que Israel não poderia ser derrotado no âmbito militar, decidiram mudar a estratégia. E se espelharam no conflito mais emblemático da Guerra Fria, encerrado em 1975: a Guerra do Vietnã. Numa guerra assimétrica, os vietcongues comunistas impuseram uma derrota ao poderosíssimo Exército norte-americano, que se retirou do front vietnamita em 1973. A retirada se deu sobretudo devido à crescente pressão da opinião pública norte-americana, cada vez mais inclinada a rejeitar as imagens de mortes de civis. A estratégia vietcongue levava claramente em conta a importância de provocar, na população dos EUA, indignação com o sangrento conflito no sudeste asiático.

Os adversários de Israel decidiram embarcar num roteiro semelhante. Com força militar inferior, optaram por levar o conflito à arena política e diplomática, com ênfase na disputa pela opinião pública internacional. Ou seja, se aniquilar Israel militarmente se mostrou inalcançável, a ideia a partir de meados dos anos 1970 passou a visar o conflito assimétrico, gerando consequências políticas e diplomáticas que levem ao crescente isolamento de Israel no cenário global.

Portanto, nas últimas quatro décadas, Israel não se envolveu mais em guerras simétricas. Grupos terroristas e milícias, em meio à população civil, passaram a impor desafios a Jerusalém, com o intuito de deslanchar conflitos sangrentos e obter dividendos políticos, com a exploração de imagens de mortes e de destruição.

Com a busca por apoio na opinião pública internacional, organizações anti-Israel aproveitam para também lançar campanhas voltadas a boicotar e isolar o Estado judeu, como a infame BDS (Boycott, Disinvestment and Sanctions; boicote, desinvestimento e sanções). Nesse cenário, o discurso antissionista ganha força, impulsionado por ações de claro caráter antissemita. Importante lembrar que a estratégia de deslegitimação de Israel também se alimenta de um antiamericanismo de setores importantes da esquerda global que, em paradoxo histórico, se associam a grupos fundamentalistas muçulmanos.

Um jornalista norte-americano, veterano em coberturas no Oriente Médio, costuma relatar a seguinte história: entrevistava um líder da OLP durante a Segunda Intifada, num bar na Cisjordânia. De golpe, um palestino se aproxima da mesa, esbaforido, e conta, sem pausa para respirar, que num vilarejo próximo há um confronto entre civis palestinos, lançando pedras e coquetéis molotov, contra soldados israelenses. O dirigente que havia interrompido a entrevista ouve a história com atenção, e, impassível, pergunta: “A CNN está lá?” “Sim”, respondeu o afobado mensageiro. “Então está tudo ok, podemos continuar a entrevista”, disse o líder palestino ao jornalista norte-americano, antes de, calmamente, sorver mais um gole de chá.
 
A transmissão ao mundo, daquela cena de uma guerra assimétrica, era o objetivo. Para Israel, portanto, além da frente para garantir paz e tranquilidade à sua população, abriu-se, há vários anos, a frente de batalha por corações e mentes na opinião pública internacional.

JAIME SPTIZCOVSKY, foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.