Além de um dos maiores expoentes da matemática, o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Robert Aumann, é um homem profundamente apegado ao judaísmo. Em sua opinião, não há contradições entre religião e ciência. São duas visões diferentes que podem perfeitamente coexistir.

O anúncio dos agraciados com o Prêmio Nobel de Economia de 2005 levou Israel novamente às manchetes de jornais do mundo inteiro. A láurea foi compartilhada pelo israelense Robert Aumann, da Universidade Hebraica de Jerusalém (UHJ), e o norte-americano Thomas Schelling, professor da Universidade de Maryland. Os acadêmicos dividiram a premiação por seu trabalho sobre a Teoria dos Jogos, desenvolvendo novos conceitos e ferramentas analíticas que permitiram ampliar seu alcance e contribuíram para diminuir a distância entre a economia e as demais ciências sociais. Surgida na década de 1940, a Teoria dos Jogos utiliza modelos matemáticos para estudar a maneira como os indivíduos interagem e tomam decisões.

A premiação foi anunciada pela Real Academia Sueca de Ciências, segundo a qual ambos contribuíram "no campo econômico, para explicar as guerras comerciais de preços; e, no da cooperação, permitindo que se entendessem as razões pelas quais algumas comunidades têm mais sucesso que outras na gestão de seus recursos humanos". Os dois laureados dividirão um prêmio no valor de US$ 1,3 milhão.

"Um homem do Renascimento", "uma grande cabeça e uma personalidade brilhante", "judeu devotado e muito culto, modesto e um ser humano raro", "verdadeiro sionista" - estas são apenas algumas das definições que familiares e amigos dão sobre o matemático da Universidade Hebraica de Jerusalém. Somem-se, ainda, outras, como chef gourmet, atleta, ávido alpinista e, principalmente, um homem muito ligado à família e ao trabalho.

Viúvo, pai de cinco filhos, avô de 18 netos e dois bisnetos, é professor da UHJ desde 1957, quando chegou a Israel, e um dos nomes mais respeitados internacionalmente no campo da matemática e da aplicação da Teoria dos Jogos.

Perfil do Laureado

O caçula de dois irmãos, Robert Aumann,nasceu em 1930, em Frankfurt, no seio de uma família de judeus ortodoxos. O pai, comerciante de tecidos, era um chefe de família afetuoso. A mãe obteve um diploma de bacharel, na Inglaterra, em 1914, em uma época na qual era raro a mulher estudar. Foi ela quem despertou nos filhos o amor pela natureza, música e leitura.

Nascido na Alemanha, em 1930, emigrou para os Estados Unidos, em 1938, com seus pais e seu irmão, sendo criado no bairro do Brooklyn, Nova York. Aumann costuma lembrar que desde aquela época aproveitava o momento em que sua mãe lhe pedia para levar o lixo para fora para pensar nas equações matemáticas. Mas, quando lhe perguntam quem foi o maior responsável por seu amor pelos números, lembra que seu interesse pela matemática começou, de fato, no colegial, quando freqüentava a "Ieshivá Rabbi Jacob Joseph", em Nova York."Havia um professor de matemática, de nome Joseph Gansler, que costumava reunir os alunos para discussões. O mérito pelo meu despertar para esta ciência tão exata é todo dele". Ao terminar o colegial, o rapaz passava horas a fio a rebuscar em seu íntimo a resposta à dúvida: ser um talmudista ou seguir os estudos acadêmicos, em uma universidade secular?

Inscreveu-se no New York City College e, por algum tempo, conseguiu conciliar os estudos acadêmicos com os talmúdicos. Um semestre mais tarde, completamente esgotado, tomou a difícil decisão de deixar a ieshivá e se concentrar em "sua" matemática. Esta opção seria determinante em sua vida profissional. Passou a se dedicar àquela que define como "sendo a mais pura das ciências exatas".

Foi durante os anos no City College que aprofundou seu envolvimento com essa ciência. Após obter seu bacharelado no NYC College, entrou no Massachusets Institute of Technology (MIT), onde fez a pos-gradução e, em seguida, o doutorado em Álgebra. Foi nesta época que viu despertar seu interesse pela Teoria dos Jogos. Em 1953, enquanto estudava no MIT, conheceu John Nash, doutor pela Universidade de Princeton. Poucos anos antes, Nash apresentara sua tese de doutorado, na qual estabelecia os princípios matemáticos da Teoria dos Jogos - que lhe renderia, 45 anos mais tarde, o Prêmio Nobel de Economia. A história de sua vida foi retratada no premiado filme: "Uma mente brilhante".

Aumann fez o pós-doutorado na Universidade de Princeton. Foi lá, também, que, anos mais tarde, ao voltar de Israel, teve a oportunidade de estudar com grandes nomes da Teoria dos Jogos, entre os quais, John von Neumann e Oskar Morgenstern.

Desde 1957 é professor da UHJ, onde fundou o Centro da Racionalidade, um instituto multidisciplinar que conta com a participação de acadêmicos de Israel e de outros países. Já publicou aproximadamente cem artigos científicos e seis livros. Em 1999 fundou a Sociedade da Teoria dos Jogos, da qual foi o primeiro presidente.

Decisões cruciais: como analisá-las

A família Aumann tomou a decisão de sair da Alemanha em 1933, quando Hitler chegou ao poder, mas só conseguiu partir em 1938.

"Sempre surgia alguma razão para adiar a viagem. Por exemplo, amigos diziam a meus pais que o povo alemão não permitiria que tal loucura tomasse conta do país. Os argumentos foram, por algum tempo, convincentes. Isto mostra que, quando se está no meio dos acontecimentos, é muito difícil tomar decisões sobre o futuro. Se posteriormente as coisas parecem óbvias, no meio da crise tudo é muito confuso".

Para reforçar sua tese, o matemático relembra sua própria experiência às vésperas da Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando já vivia em Israel.

"Ao se analisar o contexto ao final do conflito, fica muito claro que Israel seria o vencedor. Mas, em meio àquele período, nada o era. Lembro-me das semanas que antecederam a guerra, a crise que eclodiu quando o então presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, fechou o Estreito de Tiran, concentrando tropas ao longo da fronteira com Israel. A sobrevivência do país não era uma certeza; e não apenas para mim, mas para toda a população", relembra. "Ninguém sabia o que iria acontecer; as pessoas estavam temerosas e eu era uma delas. Tinha esposa, três filhos e a minha cidadania americana e dizia a mim mesmo: Robert, não cometa o mesmo erro que o seu pai, na Alemanha. Pegue sua família, embarque em um avião e parta. Salve-os, pois nas próximas semanas há uma chance de Israel ser destruído e seus habitantes, exterminados. No entanto, tomei conscientemente a decisão de ficar", explica.

Aumann cita outro exemplo de sua própria vida quando quer demonstrar a dificuldade de se tomar decisões cruciais. Quando terminou o pós-doutorado em Princeton, em 1956, vivia um dilema: continuar a carreira nos EUA ou emigrar para Israel, onde poderia lecionar na UHJ. Várias empresas americanas o haviam convidado para trabalhar, mas acabou aceitando um cargo na Bell Telephone Laboratories, em Murray Hills. Aumann conta: "Uma noite, percebi que tomara a decisão errada. Conscientizei-me de que o que realmente queria era ir para Israel, o mais breve possível. Esta situação mostra como a tomada de decisão é difícil e muito mais complexa do que mostram modelos matemáticos. Assim é na nossa vida pessoal e profissional".

Decidido a fazer aliá, conta que, logo após a sua criação, pensou em emigrar, mas foi só em 1957 que se mudou para o Estado Judeu. Dois anos antes, conhecera nos EUA uma jovem israelense, Esther Schlesinger, que passava férias no país. Apaixonados, casaram-se logo e tiveram cinco filhos. Shlomo, o primogênito, morreu durante a Operação Paz para a Galiléia, no Líbano, em 1982. Esther faleceu de câncer, em 1998.

Teoria dos jogos

A autoria da Teoria dos Jogos é atribuída ao matemático húngaro judeu, John von Neumann (1903-1957), e ao economista austríaco, Oskar Morgenstern (1902-1976) - ambos naturalizados norte-americanos. Em 1944, eles publicaram o livro "Teoria dos Jogos e comportamento econômico", considerado o marco inicial do tema. As possibilidades que a Teoria oferece vêm sendo consideradas, há décadas, fértil área para pesquisa. Em 1994, o americano John Nash já tinha sido agraciado com o Nobel de Economia, dividindo-o com os economistas John Harsanyi e Reinhard Selten.

Apesar de Aumann e Schelling dividirem o prêmio deste ano, não trabalharam juntos. Enquanto Schelling, 84 anos, centrou-se mais na aplicação da Teoria dos Jogos e se dedicou à análise da estratégia de conflitos internacionais, Aumman canalizou os estudos para os chamados "jogos repetidos", ou seja, situações nas quais os indivíduos interagem inúmeras vezes durante um período relativamente longo. Mas, apesar das diferenças na abordagem dos dois laureados, há um ponto que as une: a conclusão de que se um jogador quer assegurar um acordo com outro com interesses contrários aos seus, deve fazer crer ao adversário que tem poder de retaliar, caso haja traição ou agressão. Através de seus trabalhos, Aumann demonstrou que a cooperação pacífica é freqüentemente uma solução de equilíbrio, ainda que entre participantes com interesses divergentes. Ao lado de Michael Maschler, estabeleceu a Teoria dos Jogos Repetidos com informações assimétricas, em que um dos participantes tem mais informações do que os outros sobre alguns aspectos do jogo - como a força militar de um país, por exemplo. Comprovou também, pela matemática, que, em situações de conflito e cooperação, a prolongada repetição do "jogo" faz com que as partes tendam a se ajudar, mutuamente. Em suas publicações, Aumann reitera que a cooperação resulta do fato de que um comportamento agressivo de um autor, mesmo que favorável no curto prazo, pode acabar sendo desfavorável, no longo prazo. Isto devido à cadeia de reações que seu comportamento pode induzir.

O cientista já esteve no Brasil, a convite da matemática Marilda Sotomayor, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, quando ministrou um curso sobre Jogos Cooperativos. Para ela, o ilustre colega é um dos maiores pensadores sobre todos os aspectos da racionalidade na tomada de decisões. Ele tem promovido uma visão unificada do domínio do comportamento racional, que abrange áreas como economia, ciências políticas, biologia, psicologia, matemática, filosofia, ciências da computação, direito e estatística.

Ciência e religião

Expoente em uma das áreas mais puras das ciências exatas - a matemática - Aumann é incontestavelmente um homem religioso. Quando entrevistado por jornalistas ou por aqueles que não o conhecem, é confrontado sempre com a mesma pergunta: como conciliar religião e ciência? Para ele, não há contradição entre ambas, pois são maneiras diferentes de se ver o mundo que podem perfeitamente coexistir, lado a lado.

A religião é, em sua opinião, uma maneira de ver o mundo com um componente emocional muito forte, em que a fé é um fator essencial; enquanto a ciência é uma visão de mundo marcada principalmente pela razão. A religião enfatiza a coexistência com nossos semelhantes, sendo que um dos seus princípios é ser bom e justo com os demais. Este fundamento pode ser compreendido tanto dentro de um contexto religioso quanto científico. Para Aumann, o conceito de bondade e justiça pode ser aplicado na Teoria dos Jogos Repetidos, em que o avanço entre grupos com interesses opostos só acontece quando os oponentes chegam à conclusão de que devem fazer algo pelo outro, atendendo suas reivindicações ainda que parcialmente.

"Jogadores inteiramente racionais" poderiam ser profundamente religiosos. Em sua concepção, a fé em D'us pode ser considerada uma maneira de pensar a vida, que se traduz, na prática, em regras de bem viver. Explicando melhor: por exemplo, guardar o Shabat é algo de extrema beleza. Nem se trata de melhorar a sociedade; mas, sim, de melhorar a qualidade de vida de cada um de nós. Pois que o Shabat é concreto, existe. Faz o mundo parar. É um dia na semana em que nada pode interpor-se em nosso caminho, pois nos desligamos do mundo exterior. É, na verdade, um dispositivo de auto-comprometimento, se o quisermos colocar em termos racionais... E este dispositivo está a nosso alcance".

"A Torá e o Talmud são obras fascinantes que abrangem uma ampla variedade de temas. Mas, ainda assim, há muito espaço para a ciência como um todo e para a Teoria dos Jogos. Eu diria que a religião nos diz o que é certo e errado em termos éticos e morais, mas não indica claramente qual a melhor forma de agir. Menciona, por exemplo, que devemos sempre negociar em boa fé - em qualquer circunstância - mas não especifica o quão duros ou flexíveis devemos ser, nem o quanto devemos ceder em qualquer das circunstâncias.

Bibliografia:

"An interview with Robert Aumann", publicada por Sergiu Jart no site da Universidade Hebraica de Jerusalém - http://www.huji.co.il

"A beautiful mind, just one of the people", artigo publicado por Charlotte Hall, no Haaretz, 14 de outubro de 2005

Os laureados:

Além de Robert Aumann, já foram agraciados com o Prêmio Nobel os israelenses: Avram Hershko e Aaron Ciechanover, do Technion (Química); Daniel Kahneman (Economia); Shmuel Agnon (Literatura); e, com o Nobel da Paz, os primeiros-ministros Menachem Begin, Yitzhak Rabin e Shimon Peres.