O presidente norte-americano, George W. Bush, deverá manter em seu segundo mandato a mesma aliança estratégica dos últimos quatro anos com Israel e com o primeiro-ministro Ariel Sharon. Fortalecido por uma sólida vitória nas urnas em 2 de novembro, o republicano indica a manutenção de sua política externa, modelada principalmente pela guerra contra o terrorismo.

No entanto, algumas mudanças pontuais e de ênfase podem ocorrer na questão do Oriente Médio, apontando para a retomada de um processo de negociação, mas sem chegar a comprometer o estágio atual do relacionamento entre Washington e Jerusalém.

"Eu não vejo nenhuma mudança na política de Bush ou em sua atitude em relação à situação israelo-palestina", declarou à "Jewish Telegraphic Agency" Jack Rosen, presidente do Congresso Judaico Americano e considerado uma personalidade muito próxima ao presidente dos EUA. Análise semelhante partiu de James Zogby, presidente do Instituto Árabe-Americano: "Trata-se de uma administração ideológica, e a ideologia não mudou".

Às vésperas da eleição norte-americana, o jornal "La Presse", de Montreal, coordenou pesquisas em dez países sobre a preferência em relação aos candidatos. O democrata John Kerry venceu com folga no Reino Unido, França, Espanha, Japão, Coréia do Sul, México, Canadá e Austrália. George W. Bush colheu vitórias apenas na Rússia (52% a 48%) e em Israel (50% a 24%), países onde o terrorismo recrudesceu nos últimos anos. "Israel ama o presidente dos EUA porque ele segura um guarda-chuva que protege [Israel] de seus inimigos", escreveu Shmuel Rosner, analista do diário "Haaretz".

A preferência da opinião pública de Israel refletiu também a simpatia do governo do país. O comentarista israelense Akiva Eldar chegou a definir a vitória de George W. Bush como "um dos dias mais felizes de toda a vida de Sharon". O primeiro-ministro recebeu apoio sólido e consistente da Casa Branca nos últimos anos, revelado, por exemplo, na carta divulgada em abril passado, quando o presidente norte-americano declarou que porções da Cisjordânia podem ser anexadas definitivamente por Israel e rejeitou a idéia do direito de retorno de refugiados palestinos a solo israelense.

O candidato John Kerry se esforçou, ao longo da campanha, para demonstrar que o relacionamento com Israel não mudaria numa eventual administração democrata. Endossou a rejeição ao diálogo com Yasser Arafat e apoiou a construção da cerca de defesa na Cisjordânia. Mas seu discurso em favor de uma política externa mais multilateral despertou em Israel a preocupação de que Kerry poderia pressionar Jerusalém a fazer concessões em negociações como contrapartida de acertos diplomáticos de Washington, por exemplo, com países europeus. De qualquer forma, ainda pesou bastante o tradicional e histórico alinhamento judaico com os democratas, que garantiu a Kerry cerca de 70% dos votos da comunidade. Bush teve ao redor de 25%, aumento significativo frente aos 16% obtidos em 2000.

O analista norte-americano David Makovsky também traçou um paralelo entre Bush e Kerry. "Quem quer que vencesse, teria de focar três prioridades: Gaza, Gaza, Gaza", referindo-se ao plano israelense de retirada unilateral, previsto para o próximo ano. Assessores da Casa Branca já afirmaram que o projeto de Sharon deve ser interpretado como passo rumo a um Estado palestino, e não como um fim em si mesmo.

È nesse ponto, a retomada de um processo de paz, que reside um capital diplomático do qual Bush provavelmente precisará dispor. Primeiro, no cenário pós-Arafat, levando-se em conta que a Autoridade Nacional Palestina fique em mãos de dirigentes mais moderados, haverá pressão internacional para que Washington busque patrocinar a retomada de uma negociação no Oriente Médio. E há três elementos que podem levar a Casa Branca a tentar promover o reinício de um diálogo que admita a criação de um Estado palestino. Essa medida, no entanto, deverá ser levada adiante em coordenação com o governo israelense.

O primeiro fator a levar Bush a sinalizar a disposição em empurrar o Oriente Médio para negociações se chama Tony Blair. O fiel aliado do presidente norte-americano enfrenta eleições em 2005 e já deixou claro que precisa responder às pressões dos setores da opinião pública britânica que cobram novas iniciativas no campo israelo-palestino. Um editorial do "The New York Times" colocou a questão claramente: "…o objetivo crítico de estabilidade no mundo árabe nunca será atingido a menos que os Estados Unidos mergulhem de novo num processo de paz entre israelenses e palestinos. O Sr. Blair é um apoiador de Bush que merece todas as recompensas eleitorais que pode obter, e essa é uma [recompensa] pela qual ele está desesperado".

Em seu segundo mandato, Bush também terá de lidar com o desafio do Irã, ao qual acusa de ter um programa clandestino para produção de armas nucleares. O caso iraniano não contempla uma solução militar, pois Washington já está envolvido no Iraque e no Afeganistão, além de Teerã contar com força militar bastante razoável. Portanto, diplomacia desponta como uma necessidade, e três países europeus (Alemanha, França e Reino Unido) atuam como ponta-de-lança no diálogo com o regime dos aiatolás. E o pacote de negociação pode incluir, num eventual recuo do Irã, a exigência de avanços na questão israelo-palestina.

O terceiro fator a pesar na balança é o Iraque. Os Estados Unidos podem, com a perspectiva das eleições no país árabe em janeiro de 2005, precisar de mais apoio internacional no plano político e diplomático para consolidar o novo regime iraquiano. Novamente, uma moeda de troca para obter esse suporte pode ser um envolvimento maior de Washington no cenário israelo-palestino.

Em sua primeira entrevista depois da vitória em 2 de novembro, Bush sustentou que não mudaria a política para o Oriente Médio e repetiu seu apoio à idéia de criação de um Estado palestino, sem detalhar as características desse futuro país. Por enquanto, essa opção norte-americana se mantém sobretudo como uma tese. E o que se mantém de concreto é a aliança do presidente reeleito com Israel e com o primeiro-ministro Ariel Sharon.

 

O jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.