Israel e Índia anunciaram no mês de julho, em meio às comemorações de 25 anos do estabelecimento de plenas relações diplomáticas entre os dois países, a criação de uma parceria estratégica, apoiada na cooperação em tecnologia, agricultura e defesa, entre outras áreas. A aproximação histórica se consolidou com a recente visita do primeiro-ministro Narendra Modi, primeiro chefe de governo indiano a aterrissar em solo israelense.

Logo de início, o anfitrião Binyamin Netanyahu demonstrou a importância da chegada do visitante estrangeiro. O primeiro-ministro israelense foi pessoalmente recebê-lo no aeroporto Ben Gurion, acompanhado de outros integrantes do primeiro escalão do governo, em cerimonial reservado geralmente a presidentes dos Estados Unidos, principal parceiro político, econômico e militar de Israel.

Netanyahu, seguindo os ventos a moldar o cenário internacional no século 21, passou a investir na aproximação com potências asiáticas, como China e Índia, sem abrir mão do relacionamento estratégico com os EUA. O dinamismo econômico de Pequim e Nova Délhi atrai o olhar israelense, afastado daquelas paragens nos tempos da Guerra Fria devido aos alinhamentos ideológicos do período encerrado com a queda do Muro de Berlim, em 1989.

Foi somente após o desaparecimento do mundo bipolar, dividido em campos norte-americano e soviético, que Israel estabeleceu laços oficiais com China e Índia. Nos tempos da Guerra Fria, dirigentes como o socialista indiano Jawaharlal Nehru e o comunista chinês Mao Tsetung posavam de líderes do chamado Terceiro Mundo e declaravam, no conflito do Oriente Médio, apoio ao movimento palestino.

No mundo pós-Guerra Fria, China e Índia se livraram de amarras ideológicas do passado, optaram pelo caminho do crescimento econômico e encontraram em Israel um parceiro a oferecer cooperação, por exemplo, no campo da tecnologia. Laços israelenses com os gigantes asiáticos se expandiram dramaticamente nas últimas décadas.

O comércio entre Israel e Índia, em 1992, ano do estabelecimento de relações diplomáticas, registrava a marca de US$ 200 milhões, para alcançar, em 2016, US$ 4,5 bilhões. Pilares dos laços bilaterais se apoiam nas áreas de defesa, agricultura e tecnologia para uso de água.

A chegada de Narendra Modi a Israel, em julho, representou o capítulo principal de um intenso calendário de visitas diplomáticas, nos últimos meses. Em 2016, o presidente da Índia, Pranab Mukherjee, transformou-se no primeiro chefe de Estado de seu país a visitar Israel, enquanto em janeiro passado foi a vez de Reuven Rivlin, presidente de Israel, aterrissar em solo indiano.

Democracias dinâmicas, Índia e Israel carregam regimes parlamentaristas, nos quais a condução do governo cabe a um primeiro-ministro, enquanto os presidentes acumulam sobretudo funções cerimoniais e de representação do Estado.

Primeiro-ministro da Índia desde 2014, Narendra Modi procura implementar um ambicioso processo de reformas, o que levou o país a acumular, nos últimos anos, taxas de crescimento econômico superiores às da China. O governo indiano busca acelerar a industrialização e a urbanização, pois cerca de 70% dos 1,3 bilhão de habitantes, a segunda maior população do planeta, ainda vivem na zona rural.

A agenda econômica de Modi levou-o, por exemplo, a visitar uma unidade de dessalinização de água próxima à cidade de Hadera. O tour incluiu passeio, com Netanyahu, em recente invenção israelense: um veículo desenvolvido para tornar potável a água do mar.

Os premiês também protagonizaram um momento de descontração ao caminharem pela praia e, sob sol tórrido do verão de Israel, tirarem os sapatos e darem alguns passos nas águas do mar Mediterrâneo. Modi e Netanyahu procuraram mostrar, ao longo da intensa iniciativa diplomática, a construção de laços pessoais, como, ao iniciar um discurso, o primeiro-ministro indiano chamar o anfitrião de “yedid hayakar” (caro amigo, em hebraico).

Modi, que já havia visitado Israel em 2006, quando governava a província de Gujarat, também se reuniu com judeus oriundos da Índia. Houve apresentações de danças típicas num centro de convenções em Tel Aviv, decorado com bandeiras israelenses e indianas.

Ainda no campo econômico, Modi visitou um centro de produção de flores, acompanhado do ministro israelense da agricultura, Uri Ariel. E a parceria estratégica decolou com a assinatura de sete acordos nas áreas de água, agricultura e pesquisa espacial, além da criação de um fundo de US$ 40 milhões para financiar atividades conjuntas em tecnologia e inovação.

Em um dos momentos mais emocionantes da intensa agenda, Narendra Modi se encontrou com Moshe Holtzberg, 10, sobrevivente do ataque terrorista em Mumbai, em 2008, que matou seus pais, o rabino Gavriel e Rivka. Então com 2 anos, Moshe foi salvo pela babá, a indiana Sandra Samuel, que o escondeu em um quarto da Chabad House, no momento da tragédia.

Além de Gavriel e Rivka, mais quatro pessoas foram assassinadas pelos terroristas na Chabad House, um dos alvos dos atentados responsáveis por 166 mortes, em Mumbai.

Sandra Samuel esteve no encontro com Modi, em Jerusalém. Ela recebeu a cidadania honorária de Israel, passou a viver na capital do país, e mantém o hábito de, aos domingos, percorrer mais de 90 quilômetros para visitar Moshe, na casa de seus avós, na cidade de Afula.

Narendra Modi também homenageou as vítimas do Holocausto, ao visitar o Yad Vashem, acompanhado de Netanyahu e do presidente do memorial, Avner Shalev. O primeiro-ministro indiano deixou uma mensagem no livro de visitantes: “No momento em que enfrentamos conflitos, intolerância, ódio e terror em nosso tempo, Yad Vashem serve como um espelho para a sociedade ao redor do mundo. Que não esqueçamos as injustiças do passado e seus custos devastadores para a humanidade”.

Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim