Se no século XX, guerras e conflitos foram causados por diferenças ideológicas, religiosas e políticas, dentro de 50 anos, a água será um bem tão valioso quanto foi o petróleo em meados deste nosso século.


Em seu livro "O novo Orien-te Médio", Shimon Peres, ex-chanceler e atual ministro da Cooperação Regional de Israel, já afirmava que, no Oriente Médio, as próximas gerações lutarão não mais pela posse da terra, mas principalmente pelo controle dos recursos hídricos da região, fortemente marcada pela aridez do deserto.

A água é um elemento tão estratégico, que o acordo de paz assinado entre israelenses e palestinos, em 1993, incluiu de maneira clara o uso racional das escassas reservas de água doce da região. O tratado de 1994 entre Israel e Jordânia também abordou a questão da água, incluindo o compromisso do governo israelense de fornecer anualmente uma determinada quantidade de água ao seu vizinho. Atualmente, as negociações de paz com a Síria giram em torno do problema da escassez da água.

A questão da água não é um tema que preocupa apenas árabes e israelenses, Segundo dados divulgados durante o Habitat 2, evento internacional realizado em junho de 1996 em Istambul, Turquia, a água pot ável é aproveitada da seguinte maneira na Terra: 85% na agricultura; 10% na indústria; e 5% para uso direto. Na ocasião, os especialistas previram uma forte crise de água em alguns grandes centros urbanos.

Segundo alguns pesquisadores, no ano 2025, a cota disponível per capita de água por habitante no Oriente Médio será de aproximadamente 700 metros cúbicos. Para avaliar a extensão deste dado, basta mencionar que, atualmente, o consumo per capita na região é de 1500 mil metros cúbicos. Para os especialistas, o quadro em 2025 exigirá dos habitantes da região drásticas mudanças sociais, econômicas, políticas e até mesmo militares.

Por trás desse quadro apresentado pelos especialistas estão o crescimento demográfico, fatores climáticos como a redução no índice anual de chuvas, efeito estufa e evaporação, aliados à urbanização, poluição e salinização. O jornal afirma, ainda, que daqui a 50 anos, a água será um bem tão valioso quanto foi o petróleo em meados do século XX.

Os números comprovam que, já na atualidade, a situação no Oriente Médio não é tão fácil. Em termos gerais, 74% da região é coberta por desertos, sendo uma das zonas mais áridas do planeta. Em contrapartida, a população da região cresce cerca de 3% ao ano, dado que complica ainda mais o balanço hídrico. Em 17 anos, a população total desses países terá aumentado 55%, passando de 217, 4 milhões em 1983 a 337 milhões no ano 2000, sem nenhum aumento nas fontes de água.

O rio Nilo, no Egito, é importante não apenas para este país, mas também para a Etiópia e para o Sudão; o Tigre e o Eufrates, na Turquia - país aliado de Israel - é essencial também para a Síria e para o Iraque; e os lagos Kineret e Jordão são alimentados por bacias situadas nas Colinas do Golan, um dos pontos centrais da disputa entre Israel e a Síria.

Israel e os palestinos

Dizem os especialistas em Oriente Médio que por trás dos debates entre o "inevitável compromisso territorial e a necessária partilha da terra entre israelenses e palestinos", pontos mencionados nos Acordos de Oslo, está o controle sobre os recursos hídricos da região. O ponto é tão delicado que sua definição foi adiada para quando for determinado o status final dos territórios ainda ocupados por Israel.

Os palestinos defendem a idéia de que o fim da jurisdição israelense sobre territórios significa também a transferência do poder sobre os recursos hídricos a eles ligados, sem os quais afirmam não poder criar um país de fato autônomo. O controle crescente de grande parte da Cisjordânia pela Autoridade Palestina privaria Israel de cerca de um terço do total de seus recursos hídricos. Esta abordagem foi rejeitada pelo governo israelense.

Como resultado, o acordo de paz prevê a formação de uma comissão nacional encarregada de gerir os recursos hídricos das zonas montanhosas da Cisjordânia, protegendo o meio ambiente e os lençóis freáticos da região.

Especialistas do Serviço Hidrológico de Israel afirmam que 13% do lençol freático da Cisjordânia (cerca de 600 milhões de metros cúbicos) é responsável pelo abastecimento de água de três milhões de habitantes de Jerusalém, Beersheva e, principalmente, da costa de Tel Aviv e dos centros urbanos próximos à cidade. Os especialistas afirmam ainda que este volume já está bastante contaminado por sais e nitratos para ser utilizado como água potável. A situação é drástica também nas áreas da Cisjordânia atualmente já sobre controle palestino, nas quais o lençol freático está contaminado por resíduos agrícolas, industriais e esgotos clandestinos, além da exploração indevida da água através de poços. O quadro de problemas se repete em Gaza.

Israel e a Jordânia

Como foi mencionado anteriormente, cerca de 90% do território jordaniano é composto por desertos. Está é uma das principais razões pelas quais a questão da água foi tão bem definida no acordo de paz assinado entre Israel e Jordânia, em 1994. Segundo o tratado, Israel ajudaria o reino hachemita a superar seu problema crônico de falta de água fornecendo-lhe cerca de 50 milhões de metros cúbicos por ano, totalmente grátis; o governo também comprometeu-se a não se opor mais à construção da barragem de Al-Wadha, no rio Yarmuk, que seria financiada pelo Banco Mundial. Esta obra permitirá aos jordanianos armazenar parte dos 500 milhões de metros cúbicos de água de chuva que atingem a região anualmente.

Desde 1995 até o início de 1999, os israelenses vinham cumprindo o acordo. A redução no índice pluviométrico, neste último ano, e o abaixamento do nível do lago Kineret, no entanto, levaram o governo israelense a anunciar uma redução de 60% na cota de água fornecida aos jordanianos. A medida gerou protestos em Amã.

Israel e a Síria

As Colinas de Golan são tão estratégicas para a segurança de Israel quanto para o seu abastecimento de água, dizem os espe-cialistas em hidrologia de Israel e do mundo. Isso porque é nessa região que passam todos os afluentes que alimentam o Kineret; apenas 25% da bacia que o abastece encontra-se em território libanês. No total, o rio Jordão, o Kineret e seus afluentes são responsáveis por mais de um terço do consumo anual de água em Israel, somando cerca de 900 milhões de metros cúbicos.

Desde 1967, as Colinas do Golan estão sob controle israelense, garantindo o abastecimento de água de Tiberíades até a região do Neguev através de um duto que corta o país. Até então, os israelenses estavam à mercê dos sírios, sendo vítimas não apenas de ataques às populações do norte do país, mas também de eventuais planos para desviar os afluentes que suprem os mananciais de Israel.

O ano de 1999 marcou um triste recorde para Israel: o dia 9 de outubro último marcou o índice mais baixo já registrado nas águas do Kineret. Este dado preocupou os especialistas que esperam que um inverno rigoroso, com fortes chuvas, possa ajudar a equilibrar a situação.

Contra a escassez

A escassez de recursos hídricos é uma realidade inegável no contexto do Oriente Médio. Como inegável, também, é a busca de soluções para o problema, tanto por parte de Israel quanto de seus vizinhos árabes. É consenso entre especialistas e governantes que a alternativa ideal para o problema passa pela realização de projetos conjuntos envolvendo o suprimento de água para todos os países da região. No entanto, muitos ainda encontram-se em "estado de guerra", o que, no presente, ainda inviabiliza essas soluções.

Porém, a paz virá e, quando isso acontecer, quem sabe poderá ser construído o que já está sendo chamado pelos otimistas de "o Aqueduto da Paz", que deverá transportar os recursos excedentes da Turquia para o Líbano, Israel, Síria, Iraque e para os países do Golfo Pérsico. Este projeto, com cerca de 15 anos de duração, foi estimado em mais de U$ 20 bilhões. Para ser realizado deve contar, principalmente, com a paz re-gional e o apoio da Turquia.

Outro projeto que está sendo analisado é o Canal Nilo-Gaza-Neguev-Jordânia, que levaria o excedente de água do Nilo para as zonas áridas palestinas, israelenses e jordanianas. O Projeto Litani/Vale do Jordão atenderia o Líbano, a Síria, Israel e a Jordânia, envolvendo estes países em uma gestão harmoniosa desta grande bacia.

A dessalinização da água do mar é, no momento, o projeto que, segundo especialistas, é o mais viável. Isto, em virtude de seu contexto político, apesar dos altos custos. A idéia da dessalinização, no entanto, está presente em Israel desde os primeiros anos do Estado e foi arduamente defendida por David Ben-Gurion e Golda Meir. A reciclagem de águas de esgoto é uma prática cada vez mais comum em Israel, produzindo cerca de 200 milhões de metros cúbicos anuais.