Um Pontífice, líder supremo da Igreja Católica, vir a público – em Israel – para expressar sua contrição pelas ações cometidas durante séculos contra o povo judeu, pela própria Igreja que representa, era algo inimaginável até pouco tempo atrás.

João Paulo II, no último dia de sua peregrinação a Israel foi ao Kotel, colocando, entre suas pedras milenares, a seguinte mensagem: "D'us de nossos pais, escolheste Abraão e seus descendentes para levar Teu nome às nações. Estamos profundamente tristes com o comportamento daqueles que, ao longo da História, fizeram sofrer esses Teus filhos..."

A visita de João Paulo II a Israel foi totalmente diferente da última visita do então Pontífice Papa Paulo VI à região, em 1964. Na época o Vaticano não reconhecia o Estado de Israel, não mantendo, portanto, com este relações diplomáticas. Paulo VI, em seus discursos, nunca usou o termo Israel, recusou-se a ir a Yad Vashem, não visitou rabino algum nem qualquer outra autoridade israelense. Quando o então presidente do Estado de Israel, Zalman Shazar, foi até Meggido para encontrá-lo, o Papa usou termos vagos para a ele se referir, como "Sua Excelência", em vez de "Senhor Presidente", numa clara violação do protocolo diplomático.

As atitudes de João Paulo II em relação aos judeus e ao Estado de Israel são completamente diferentes. Foi o primeiro Pontífice a expressar o direito dos judeus de voltar à sua terra natal e, em 1993, promoveu o reatamento das relações diplomáticas entre Israel e a Santa Sé, apesar dos protestos de outros líderes católicos que alegavam temer represálias muçulmanas.

A ida de João Paulo II a Israel em peregrinação foi marcada por momentos extremamente importantes. Reuniu-se com o Grão Rabino Chefe ashquenazita de Israel, o Rabino Meir Lau, e visitou o presidente Ezer Weizman.

Mas, os pontos altos de sua viagem foram a visita a Yad Vashem, o Museu do Holocausto, e ao Kotel, Muro das Lamentações, em Jerusalém. Acompanhado de Ehud Barak, em cerimônia marcada pela sobriedade e emoção, o Papa alimentou uma chama que nunca se apaga em recordação das vítimas do Holocausto. Em cerimônia na Sala da Memória, onde estão inscritos os nomes de 22 campos nazistas, lamentou a "terrível tragédia do Holocausto", afirmando: "Não há palavras fortes o suficiente para deplorar a terrível tragédia que foi a Shoá."

O Pontífice disse: "Vim a Yad Vashem render homenagem aos milhões de judeus que, privados de tudo e especialmente de sua dignidade humana, foram assassinados durante o Holocausto".

O Holocausto foi uma experiência que o Papa viveu de perto. Amigo de muitos judeus, presenciou o nazismo na Polônia, vendo desaparecerem muitos deles. Até hoje se questiona sobre sua atuação, na época.

No museu, 200 sobreviventes estavam presentes à cerimônia, entre os quais 20 de sua cidade natal. Vários eram seus amigos de infância, pois, diferentemente da tradição polonesa, em sua casa não havia anti-semitismo e ele mantinha estreita amizade com os judeus da cidade.

O Papa declarou em seu discurso: "Asseguro ao povo judeu que a Igreja Católica está profundamente entristecida com o ódio, atos de perseguição e demonstrações de anti-semitismo dirigidos contra os judeus por cristãos, em qualquer tempo e em qualquer lugar".

Em 12 de março último, no Vaticano, o Papa João Paulo II já havia feito uma mea culpa, fato sem precedente histórico. Pediu perdão em nome da Igreja Católica pela perseguição aos judeus durante os séculos anteriores e por dois mil anos de pecados cometidos em nome da instituição. O discurso foi baseado no documento "Memória e Reconciliação: A Igreja e os Erros do Passado", elaborado por autoridades eclesiásticas. O pedido de perdão do papa incluía as Cruzadas, a Inquisição, o Holocausto e outras atitudes da Igreja em relação a fiéis de outros credos. Antes dessa mea culpa, João Paulo II havia reconhecido os terríveis males provocados pela Inquisição aos judeus.

A atitude de João Paulo II em relação ao povo judeu não é um consenso dentro da Igreja Católica. Enquanto alguns segmentos a defendem, outros acreditam que foi superficial acerca de determinados temas, como o próprio Holocausto. Nos últimos tempos, líderes religiosos católicos de vários países, como a França, vêm, a exemplo do Papa, pedindo desculpas por seus atos durante essa época negra da história recente.

Há também aqueles que discordam totalmente do fato de a Igreja pedir perdão por atos do passado. No meio judaico, líderes seculares e religiosos esperavam que, em seu discurso em Yad Vashem, o pontífice fosse mais direto sobre os atos da Igreja Católica durante o Holocausto, ou seja, apresentasse um pedido formal de perdão pelo silêncio do Vaticano diante do Holocausto, no papado de Pio XII, durante a Segunda Guerra Mundial. Se não um pedido de desculpas, ao menos uma menção explícita ao papel da Igreja Católica na época. A omissão acerca das atitudes de Pio XII atraíram críticas sobre o Pontífice.

Sobre Pio XII pesa a grave acusação de se ter mantido em silêncio durante a perseguição nazista. Mesmo assim, o discurso foi bem recebido pelos israelenses e muitos líderes judaicos o consideraram "muito forte", apesar de não ter preenchido as suas expectativas. Segundo eles, o fato de maior importância é o pontífice ter ido até Yad Vashem e ter dito o que disse. Acredita-se que uma desculpa específica dos atos cometidos pelo seu predecessor está além dos limites do que lhe é permitido fazer.

Mesmo sem pronunciar o tão esperado mea culpa em nome de Pio XII, João Paulo conseguiu promover uma aproximação histórica e sua visita foi bem recebida pela grande maioria dos israelenses.

Os judeus sabem que este Pontífice fez mais, em 22 anos de papado, do que qualquer outro. É o primeiro Papa que afirma que o anti-semitismo é um pecado cometido contra D’us, ao trazer a comemoração do Holocausto para o Vaticano, e a repetidamente citar a Shoá como o grande exemplo do mal. O primeiro a afirmar de forma explicita que os judeus são um povo abençoado por D’us e a reconhecer que o povo judeu é "o povo da Aliança" (negado durante séculos pela Igreja). O primeiro a usar o termo "irmãos mais velhos" quando se refere ao povo judeu, além de também ser o primeiro a visitar uma sinagoga (em 1986, em Roma) e a incluir reuniões com líderes judaicos em suas peregrinações pelo mundo.

O Grão-Rabino Meir Lau, sobrevivente do Holocausto, que havia-se encontrado com o papa antes de sua visita a Yad Vashem, afirmou, quando lhe perguntaram se estava satisfeito com o pedido de perdão: "Foi um bom pronunciamento – muito emocional – mas prefiro aguardar o segundo capítulo".

Apesar da atitude do Papa João Paulo II, o caminho da reconciliação é longo e difícil, pois como expressou Ehud Barak, "É impossível superar todas as dores do passado num só dia".

Um dos momentos mais emocionantes da visita a Yad Vashem foi o reencontro do Papa João Paulo II com Edith Tzirer, judia polonesa de 69 anos a quem o então padre Karol Wojtila alimentou e carregou nas costas por três 3 km, até chegar a uma estação de trem. Nessa ocasião, ela, com 14 anos, doente e sem forças, havia sido recém liberada do campo de concentração Skarzy-Kamienna. Provavelmente, esta atitude salvou-a da morte. Ao reencontrá-lo, Edith chorou e conversou com ele em polonês, apertando seu braço em sinal de afeto.