Até poucos anos atrás, a Finlândia tinha a reputação de ser um país que, durante o Holocausto, protegera os judeus que viviam em seu território, à exceção de oito refugiados entregues à Gestapo em 1942. No entanto, nos últimos anos, novas pesquisas revelam que os finlandeses entregaram aos nazistas no mínimo 70 prisioneiros judeus soviéticos.

As informações sobre os oito refugiados judeus extraditados à Gestapo foram documentadas pela escritora finlandesa Elina Suominen (Sana), em seu livro de 1979, Death Ship S/S Hohenhörn (O navio da morte, S/S Hohenhörn). Esse navio alemão conduziu os refugiados à cidade de Tallinn, na Estônia, ocupada pelos alemães. Sana conseguiu entrevistar o único sobrevivente do grupo, Georg Kollman. Vivendo hoje em Israel, ele lhe relatou que os refugiados haviam acabado em Auschwitz.

Em 2000, quase 58 anos após sua deportação, o então Primeiro Ministro, Paavo Lipponen, ao inaugurar no porto de Helsinque um monumento em memória desses judeus, desculpou-se publicamente à comunidade judaica, em nome de seu país. A Igreja Evangélica Luterana também fez uma declaração oficial: "A Igreja admite ter permanecido em silêncio sobre a perseguição aos judeus e deseja desculpar-se perante a comunidade judaica pelo fato... A entrega, ainda que de um único judeu, foi um pecado".

Em 2003, Elina Sana revelou, em outro livro, que cerca de 3 mil prisioneiros de guerra foram entregues pela Finlândia aos alemães, entre os quais havia 500 supostos prisioneiros políticos. Nesse livro, The Extradited: Finland's Extraditions to the Gestapo (Os extraditados: As extradições da Finlândia à Gestapo), Sana diz acreditar que muitos dos supostos prisioneiros políticos fossem judeus. Segundo a autora, a entrega de prisioneiros era uma prática sistemática por parte da polícia e das forças armadas finlandesas. Após a guerra, a Valpo, polícia nacional da Finlândia, destruiu a maior parte de seus arquivos, mas Sana conseguiu encontrar documentos que envolviam diretamente o chefe da Valpo, Arno Anthoni, com o chefe da Gestapo, Heinrich Müller.

Ao tomar conhecimento dos fatos, Efraim Zuroff, diretor do Centro Simon Wiesenthal, escreveu para o presidente da Finlândia, Tarja Halonen: "Escrevo-lhe esta carta à luz das recentes revelações feitas pela pesquisadora finlandesa, Elina Sana, de que a Finlândia entregou cerca de 3 mil estrangeiros à Alemanha nazista durante a 2ª Guerra, entre os quais um número considerável de oficiais políticos do Exército Vermelho e prisioneiros de guerra judeus. Eles foram, por conseguinte, sentenciados praticamente à morte certa. Estou certo de que V. S. concordará que tais revelações exigem uma resposta franca por parte das autoridades finlandesas e medidas apropriadas para admitir o erro e, se possível, fazer com que os responsáveis assumam a responsabilidade por seus atos errôneos". O Presidente Halonen imediatamente respondeu que havia nomeado um professor da Universidade de Helsinque e que este faria uma extensa pesquisa sobre o assunto e lhe apresentaria um completo dossiê. Tratava-se do historiador e jurista Professor Emérito Heikki Ylikangas.

Numa entrevista publicada no site The Jerusalem Center for Public Affairs1, a historiadora Serah Beizer2, escreveu sobre as recentes revelações. Ela afirma que historiadores finlandeses dedicaram pouca atenção à questão dos prisioneiros de guerra. O elevado número de mortes de prisioneiros somente veio à tona mais de 40 anos após a guerra, quando o jornalista finlandês, Eino Pietola, publicou um livro sobre a questão, em 1987. Ele já não suportava mais o silêncio, depois de ler um artigo de jornal que alegava que a Finlândia em hipótese alguma maltratara seus prisioneiros de guerra e que nenhum deles fora morto. O Prof. Ylikangas, posteriormente, confirmou muitos dos fatos mencionados por Pietola.

A Finlândia capturou 64 mil prisioneiros russos na Guerra da Continuação. Destes, 29% morreram em seus campos de prisioneiros. Trata-se de um altíssimo percentual. Há certa discussão quanto ao número dos que foram transferidos aos alemães. Alguns historiadores dizem que 'apenas' 2 mil foram entregues, ao passo que outros falam em 2.500 ou 3.000. Não é fácil obterem-se informações sobre os judeus. A maioria dos prisioneiros se autodenominavam russos ou russos brancos, e por aí afora, pretendendo esconder seu judaísmo, pois, para todos os efeitos, os finlandeses eram aliados dos alemães. É fato que os prisioneiros de guerra judeus que lutaram diretamente contra os alemães somente permaneceram vivos quando mentiram sobre sua origem étnica, alegando serem russos ou ucranianos.

Segundo a pesquisa da própria Serah Beizer, entre 500-600 soldados judeus foram capturados pelos finlandeses, dos quais, pelo menos 70 foram entregues à Gestapo. A alegação dos historiadores finlandeses é que eles não foram entregues por serem judeus, mas por serem prisioneiros políticos. Contudo, entre esses judeus havia barbeiros, carpinteiros, um fotógrafo, funcionários do correio, um decorador e um músico. Pessoas que não constituem, em absoluto, o perfil de agitadores políticos. E, no mínimo, 18 dos judeus entregues tinham menos de 25 anos, o que também tornava improvável que fossem agitadores políticos.

Beizer ainda afirma que ao examinar a lista de prisioneiros entregues às SS nos arquivos de guerra, em Helsinque, encontrou fatos perturbadores. Em 4 de março de 1942, por exemplo, no mínimo 17 dos 60 prisioneiros entregues eram judeus. Trata-se de um elevado percentual, se considerarmos que os judeus representavam apenas 1% de todos os prisioneiros de guerra russos. Ela ainda afirma que não há dúvida de que as autoridades finlandesas, elas mesmas os agentes extraditadores de judeus para os alemães, estavam plenamente cientes, à época, de qual seria o seu destino. As listas daqueles que foram entregues às autoridades alemãs incluem pessoas com nomes obviamente judeus, a quem os pesquisadores finlandeses consideram "não judeus" (!). Alguns exemplos: Josef Jakovlevitsh Kirshbaum, Semjon Isakovitsh Kuper e Naum Borisovitsh Smoljak. Como não conseguem descobrir o que aconteceu com os prisioneiros de guerra, ninguém pode afirmar que tenham sido mortos. Portanto, essa parte da história judaica da 2ª guerra continua muito nebulosa.

Segundo Elina Sana, há outra questão que levanta suspeitas. No final de 1942, os prisioneiros judeus estavam concentrados em uma região no centro da Finlândia, em campos de trabalho próximos ao Segundo Campo Central de Prisioneiros, em Naarajärvi. O motivo para tal poderia ser a sua proteção. Mas, no entanto, ela acredita que era, na realidade, para prepará-los para sua extradição aos nazistas.

Está mais do que documentado que o Marechal de Campo Carl Gustav Mannerheim, chefe do Estado Maior durante a guerra, que, em 1944 se tornaria presidente do país, tinha conhecimento da troca de prisioneiros entre finlandeses e alemães. Se a troca dos prisioneiros judeus, concentrados em uma região no centro da Finlândia, não ocorreu, Sana acredita que teria sido porque Mannerheim e seu círculo mais íntimo já haviam entendido que a Alemanha iria perder a guerra. Por isso, consideraram que não valia a pena criar problemas com os judeus...

1 O Centro de Jerusalém, fundado em 1976, dedica-se aos principais temas relativos à posição internacional de Israel . Atualmente é dirigido pelo ex-Embaixador de Israel na ONU, Dr. Dore Gold.

2 Serah Beizer, pesquisadora sobre a história dos judeus na Finlândia e a 2ª Guerra, é filiada ao Yad Vashem e coordena o Centro de Recursos da Agência Judaica.

Bibliografia:

Baseado no texto: Finland's Tarnished Holocaust Record Interview with Serah Beizer, publicado no site Jerusalem Center for Public Affairs, 1 março de 2007, http://www.jcpa.org