Durante a Cerimônia Nacional de Recordação do Holocausto, em Ottawa, no dia 23 de abril de 2012, o Primeiro Ministro canadense, Stephen Harper, proferiu um discurso surpreendente e emocionante.

Após enaltecer o trabalho do Instituto Yad Vashem, de Israel, por manter viva a memória dos anos negros da História contemporânea, conclamou todos os cidadãos a apreender as lições da Shoá – a crueldade e a decência demonstradas por diferentes seres humanos, e a se comprometer a perseguir incansavelmente a tolerância e o respeito.

“ Seis milhões. Seis milhões de homens, mulheres e crianças inocentes.

Recordamo-nos deste número. Ele nos faz lembrar a escala absoluta do Holocausto, mas apenas um aspecto de seu lugar único na história de crimes contra a humanidade.

Acima de tudo, lembramo-nos dos indivíduos incluídos nesse número. Lembramos que cada um deles tem um nome – precioso, insubstituível, merecedor de honra.

Portanto, nos reunimos hoje, enquanto Nação, neste dia solene, para honrar cada um dos seis milhões assassinados no Holocausto.

Rendemos homenagem à coragem e solidariedade do Povo Judeu naqueles dias de tão graves perigos. Perfilamo-nos em reverência perante os Justos. Damos graças pelos sobreviventes e, em especial, por aqueles que vieram para nosso país, enriquecendo-nos com sua presença de forma imensurável.

Senhoras e senhores, hoje não somente lembramos um fato histórico.

Voltaremos a nos dedicar a promover os direitos humanos em nossos dias. Reforçamos nossa determinação de defender os fracos, desafiar os agressores e confrontar o mal. E renovamos nossa promessa: Nunca Mais! Mas, para honrar as vítimas e os sobreviventes do Holocausto, não é suficiente simplesmente recordar. Verdadeiramente recordar o Holocausto exige um entendimento e uma incumbência. O entendimento de que as mesmas ameaças existem hoje e a incumbência de nos responsabilizarmos solenemente por lutar contra tais ameaças. Nós as vemos em manifestos de organizações que negam a Israel o direito de existir como Estado judeu.

Vemo-las ainda mais profunda e claramente nos delírios de um líder cruel que ameaça varrer Israel do mapa, enquanto viola as obrigações internacionais do seu país e prossegue com o desenvolvimento de armas nucleares.

Nós as vemos no massacre de crianças judias e outros inocentes, ainda no mês passado por um homem nascido e criado em um país tolerante do Ocidente. E podemos vê-lo aqui, em nosso país, todos os anos, em algumas universidades, num insulto inescrupuloso intitulado “Semana de Apartheid Israelense”.

Senhoras e Senhores, ainda que o Holocausto pareça estar só, não se trata de um fenômeno isolado. Trata-se exclusivamente do capítulo mais infernal da longa e contínua história de antissemitismo. Devemos encará-la de forma persistente. O antissemitismo é uma doença, uma doença moral fatal, que acaba com a vida e a segurança de suas vítimas, com a consciência dos seus autores, com a integridade das pessoas que se escondem por não ter a coragem de se manifestar, dos que pregam uma falsa paz e daqueles que procuram refúgio na ambivalência moral.
 
A história e as polêmicas atuais nos indicam claramente que o antissemitismo é uma ameaça não só para o Povo Judeu. É uma ameaça para todos – uma doença que rapidamente se transforma em ódio e desejo de destruir qualquer pessoa – qualquer pessoa que seja diferente do seu agressor.

O mais importante é lembrarmos, neste momento, que não estamos nem desamparados nem desesperançados. Esta é a mensagem do Yad Vashem, da Associação Yad Vashem do Canadá e de todos aqueles empenhados em recordar e ensinar o Holocausto. O Instituto Yad Vashem assume o meticuloso trabalho de documentar e pesquisar os mais indescritíveis horrores de que a humanidade é capaz. Mas este trabalho é feito com a certeza de que existe uma bússola moral para guiar-nos certamente para bem longe de tais horrores.

Este trabalho é feito com esperança, acreditando no poder da educação para promover a tolerância, a compaixão e a compreensão. Isto é feito com generosidade, celebrando os heróis que escolheram o bem sobre o mal, mesmo arriscando sua própria vida, destacando o fato de que entre esses heróis há pessoas de todas as fés.

Como canadense, como Primeiro Ministro, agradeço-lhes pelo seu serviço nobre e inestimável, para nosso país e para a família das nações civilizadas. Senhoras e Senhores, dentro de alguns momento, ouviremos as histórias de três dos “Justos entre as Nações”.

É natural que, ao ouvir suas histórias, não apenas fiquemos comovidos e inspirados, mas também reflitemos. Por que os Justos escolheram fazer o bem, mesmo sob circunstâncias as mais aterrorizantes? Quais foram os fatores que influenciaram a atitude de alguns deles, em determinados lugares? E, em tantos lugares, por que eles não foram em número muito maior?

No final da cerimônia de hoje, inauguraremos uma exposição do Yad Vashem sobre muçulmanos albaneses que salvaram judeus durante o Holocausto. Temos muito a aprender com seu exemplo.

Após a ocupação nazista, em 1943, os albaneses se recusaram a entregar as listas dos judeus que viviam em seu território. Para evitar que fossem detidos, forneceram-lhes documentos falsos. O país não apenas protegeu seus próprios cidadãos judeus; acolheu também um número ainda maior de refugiados judeus de terras vizinhas. Consequentemente, quase todos foram salvos. A razão para esse magnífico exemplo é “Besa”, um código de honra, o mais alto código de ética na Albânia. Besa significa literalmente “manter a promessa” – manter a palavra a ponto de ser alguém em quem uma pessoa necessitada possa confiar a própria vida.
 
Senhoras e Senhores, nós também devemos manter essa promessa. Esta é a cultura de honra que devemos todos proteger e reforçar, não só em nosso próprio país, mas também em fóruns internacionais e ao redor do mundo. O historiador Sir Martin Gilbert relata que a maioria dos que socorreram judeus acreditam que eles fizeram “a única coisa que uma pessoa decente faria”.

Gilbert também relata que uma mulher cujo pai foi homenageado com o título de “Justo” disse que seu pai lhe contou, certa vez, que o que ele fez foi nada mais do que qualquer ser humano normal faria.

Neste dia solene de lembrança, voltemos a disseminar esta decência, para tornar verdadeira tal afirmação. Levemos adiante, de forma implacável, sem descanso, os limites da tolerância e do respeito, até que esses valores sejam acatados mundo afora.

No entanto, será que podemos conseguir isso integralmente, para sempre?

A história nos diz, infelizmente, que não devemos esperar tanto. Mas diz-nos, também, que devemos tentar, eternamente. Esta é a missão do Yad Vashem. E este continua sendo o grande desafio que se apresenta a nós e ao mundo, hoje”.

Discurso proferido pelo Primeiro Ministro do Canadá Stephen Harper, dia 23 de abril de 2012, Ottawa, Canadá.

Tradução: Nora Habert