O dia 19 de setembro de 1957, o judeu alemão Fritz Bauer, procurador-geral da província de Hesse, então Alemanha Ocidental, marcou um encontro com Felix Shinar, representante do governo de Israel nas negociações de reparações de guerra mantidas à época com o governo de Bonn. O local marcado para a conversa foi um restaurante discreto e isolado, localizado na estrada que liga Frankfurt a Colônia.

Bauer foi direto ao ponto: “O mistério sobre o paradeiro de Eichmann foi desvendado”. O israelense, atônito, perguntou: “Você está-se referindo a Adolf Eichmann, o SS da Solução Final?” Bauer assentiu com um gesto e acrescentou: “Ele está na Argentina”. Shinar indagou: “E o que você pretende fazer?” Bauer respondeu: “Eu vou ser muito franco. Não é possível confiar no sistema judiciário alemão e muito menos no pessoal da embaixada alemã em Buenos Aires. Se qualquer pessoa souber disso, aqui ou lá, certamente vai avisá-lo. Não tenho com quem abordar este assunto, a não ser com você. A eficiência de Israel é bem conhecida e garanto que vocês terão interesse em capturá-lo. Esta informação morre aqui, entre nós dois, e deve ser mantida no mais absoluto segredo”. Shinar se emocionou: “Muito obrigado, do fundo do coração. Israel jamais esquecerá o que você está fazendo”.

Shinar mandou para o Ministério das Relações Exteriores de Israel um relatório pormenorizado da conversa mantida com Fritz Bauer. Quem o recebeu, em Jerusalém, foi Walter Eytan, diretor-geral do Ministério, que em seguida se dirigiu, em Tel Aviv, a Isser Harel, diretor do serviço de inteligência israelense, o Mossad. Harel prometeu a Eytan que mergulharia fundo na questão e, na mesma noite, levou para casa a pasta sobre Eichmann mantida no arquivo do Mossad. Anos mais tarde, escreveu em sua autobiografia, sob o título Eu Arrisquei Minha Vida: “Até então eu não tinha uma ideia precisa sobre a dimensão maligna de Eichmann, não sabia da morbidez com que ele havia efetuado sua tarefa assassina”.

Felix Shinar regressou a Israel para uma breve temporada e foi convocado por Isser Harel que queria colher suas impressões sobre Fritz Bauer e mais detalhes da conversa ocorrida naquele restaurante de estrada. Satisfeito e impressionado com tudo o que ouviu, disse a Shinar que encarregaria um bom agente para prosseguir com a investigação. Este bom agente se chamava Shaul Darom, e começara suas atividades clandestinas a partir da França, onde estudava pintura, embarcando e conduzindo imigrantes ilegais para a antiga Palestina, em 1947. Darom encontrou-se com Bauer em Colônia, no dia 6 de novembro de 1957. Este último revelou que sua fonte sobre o paradeiro de Eichmann era um judeu alemão que vivia na Argentina e que havia escrito uma carta para as autoridades de Bonn assegurando que, a despeito do que era publicado na imprensa sobre o desaparecimento de Eichmann, o criminoso de guerra nazista estava vivo em Buenos Aires”. No sentido de proteger sua fonte, Bauer não revelou o nome do autor da carta, mas afirmou que todos os dados que ele próprio possuía sobre Eichmann, sua mulher e os filhos, batiam com as informações do então misterioso missivista. Ele fornecera, inclusive, o endereço de Eichmann: rua Chacabuco número 4261, no bairro de Olivos, subúrbio de Buenos Aires.

Em janeiro de 1958, de posse do dito endereço, Harel convocou o agente Goren, que já tinha atuado na América do Sul e conhecia bem Buenos Aires, e mandou-o de volta à Argentina com estritas instruções para evitar de chamar qualquer tipo de atenção. Acompanhado por outro israelense que fazia pesquisas acadêmicas na Argentina, Goren percorreu as redondezas do endereço fornecido por Bauer. Os dois homens não demoraram a chegar à conclusão de que um oficial nazista da hierarquia de Eichmann não poderia estar vivendo naquele lugar tão pobre e onde poucas ruas eram asfaltadas. Naqueles dias, a percepção generalizada era no sentido de que os criminosos de guerra que haviam buscado refúgio na América do Sul eram donos de grandes fortunas pilhadas durante a guerra. Portanto, aquele cenário inóspito e desolador jamais serviria de abrigo para alguém de uma patente tão alta como Adolf Eichmann.

Isser Harel ficou desapontado com o relatório do agente e tornou a chamar Darom. Pediu que ele voltasse a se avistar com Bauer com a missão de extrair o nome do autor da carta dirigida ao governo alemão. Os dois se encontraram em Frankfurt no dia 21 de janeiro de 1958. Bauer logo compreendeu que sem identificar sua fonte a investigação estaria paralisada. Disse, então, que se tratava de um homem chamado Lothar Hermann e deu seu endereço na cidade de Coronel Suarez, a cerca de 480 quilômetros de Buenos Aires. Além disso, escreveu uma carta de apresentação para Hermann, que poderia ser usada por qualquer pessoa que viesse a ter contato com ele.

Essa pessoa acabou sendo Efraim Hofstaetter, investigador de alto padrão da polícia de Israel, que estava a caminho da América do Sul para tratar de outro assunto. Harel entregou-lhe a carta de apresentação escrita por Bauer, recomendando que, quando estivesse com Hermann, a ele se identificasse como funcionário do governo alemão. Efraim contatou Hermann e pediu que este viesse a seu encontro em Buenos Aires. O homem se recusou peremptoriamente. Assim, o israelense teve que embarcar num trem noturno e seguir para Coronel Suarez. De manhã, bateu na porta de Hermann que o recebeu com enorme desconfiança. Efraim apressou-se a entregar-lhe a carta, mas o alemão chamou a mulher e pediu que a lesse em voz alta. Naquele momento o policial percebeu que Hermann era cego.  A mulher leu tudo e acrescentou: “Não tenho dúvida de que a assinatura é do Dr. Bauer”.  Relaxado, Hermann começou a contar sua história. Disse que seus pais tinham sido assassinados num campo de concentração, assim como ele mesmo tinha estado confinado num campo e sobrevivido. Depois da guerra, casara-se com uma mulher 100% alemã, razão pela qual a filha do casal, Sylvia, de vinte anos, tinha sido educada sem nenhuma conotação judaica. Um ano e meio antes de se mudarem para Coronel Suarez, os Hermann tinham morado no bairro de Olivos, em Buenos Aires, onde Sylvia tinha namorado um jovem chamado Nicholas Eichmann. O rapaz não fazia a menor ideia de que a moça era meio judia. Nicholas frequentava a casa dos pais da namorada e, certo dia, no meio de uma conversa, lamentou que “tinha sido uma pena o fato de os alemães não terem completado a tarefa de eliminar todos os judeus”. 

Hermann, que já suspeitava do sobrenome do rapaz, percebeu que se tratava do filho do criminoso foragido. O jovem não escondia seu sinistro sobrenome, embora o pai o tivesse mudado para Klement, sem se preocupar, inexplicavelmente, em tomar igual providência para a mulher e os filhos. Mas, na verdade, o rapaz não tinha essa preocupação porque, assim como muitos outros nazistas foragidos na América do Sul, eles se sentiam tão à vontade que circulavam por essas paragens com seus próprios nomes. (Franz Stangl, comandante dos campos de concentração de Sobibor e Treblinka, refugiou-se em São Paulo e conseguiu emprego na fábrica da Volkswagen fornecendo o verdadeiro sobrenome. Assim possibilitou sua prisão e extradição para julgamento na Alemanha). De qualquer maneira, Nicholas tomou uma precaução: jamais revelou a Sylvia o endereço  de sua família. Quando os Eichmann se mudaram para outro bairro, o rapaz deixou com a namorada o endereço de um amigo para trocarem futuras correspondências. Essa particularidade fez com que Hermann ficasse ainda mais intrigado e daí sua decisão de escrever a carta acusatória dirigida às autoridades alemãs.

Isser Harel conseguiu que o governo de Israel lhe alocasse uma verba substancial para enviar mais agentes à Argentina incumbidos de prosseguirem as investigações baseadas nas revelações de Hermann. Este, depois de pesquisas feitas com a filha Sylvia, lhes deu uma informação desanimadora: a casa da rua Chacabuco tinha sido alugada para um imigrante austríaco chamado Francisco Schmidt e abrigava duas moradias, uma no térreo, outra no sobrado, ambas com medidores de luz separados. No medidor do térreo lia-se “Schmidt” e “Klement” no do segundo andar. Hermann ficou convencido de que Schmidt era Eichmann que, no seu entender, se submetera a uma operação plástica para nunca mais ser reconhecido.

Em dezembro de 1959, Bauer viajou para Israel levando nova e importante informação. Segundo uma fonte que não revelou, Eichmann se encontrava na Argentina e usava o nome de Ricardo Klement, o mesmo que havia aparecido num dos medidores de luz da casa da rua Chacabuco. Entusiasmado com tal revelação, Harel convocou um de seus mais destacados agentes, Zvi Aharoni, para dar prosseguimento à investigação, embora não estivessem certos de que Eichmann ainda poderia ser encontrado naquele endereço.

Isser Harel foi ao encontro de  Ben Gurion levando a grande notícia. O primeiro-ministro disse: “Se tudo isso for verdade e se concretizar, é necessário que ele seja capturado e trazido para a julgamento aqui em Israel. Um julgamento dessa natureza terá enorme consequência moral e histórica”.

Àquela altura, Aharoni estava atolado com outro assunto importante e, apesar da impaciência de Harel, mais dois meses se passaram. Por fim, Aharoni estudou a fundo o arquivo referente a Eichmann e foi ao encontro do procurador Fritz Bauer, na Alemanha, para esclarecer algumas dúvidas. 

No dia 1o. de março de 1960, Aharoni desembarcou em Buenos Aires sob nome falso e na qualidade de diplomata lotado no departamento de contabilidade do Ministério das Relações Exteriores de Israel. Acompanhado por um jovem sionista argentino que se prontificara a ajudá-lo, Aharoni alugou um carro e dois dias depois rumou para a rua Chacabuco.  O rapaz que o assistia se aproximou da casa com duas moradias, como se estivesse procurando alguém. Verificou que o lugar estava vazio. Entretanto, olhando através de uma janela, viu homens trabalhando no andar térreo, decerto pintores de parede. Tocou a campainha do segundo andar sem ser atendido.  O rapaz voltou para o carro dirigido por Aharoni, que teve uma ideia genial. Conforme suas anotações, o dia 3 de março correspondia ao do aniversário de Klaus, um dos filhos de Eichmann. Comprou um buquê de flores nas imediações, escreveu um cartão endereçado a Klaus, e voltou para a casa que estava sendo escrutinizada. Seu auxiliar voluntário, dizendo chamar-se Juan, foi falar com os pintores e lhes disse que um amigo, estafeta de um hotel chique em Buenos Aires, lhe pedira para entregar um buquê de flores, enviadas por uma bela jovem, para um tal de Klaus naquele endereço. Os pintores afirmaram que jamais tinham conhecido os donos do piso superior. O rapaz seguiu então para os fundos do terreno onde se deparou com um homem e uma mulher. Perguntou-lhes: “Por acaso vocês conhecem a família Klement?” O homem respondeu: “Quem, os alemães? O casal que tem três filhos grandes e um menor? Eles se mudaram daqui há uns vinte dias, mas não sei para onde foram. De qualquer maneira, vamos perguntar a um desses pintores aí que eu acho que um deles conhecia aquela gente”. O dito pintor revelou que a família Klement se havia mudado para San Fernando, outro subúrbio de Buenos Aires e só sabia que um de seus filhos trabalhava numa oficina mecânica ali perto.

Juan encontrou na mencionada oficina um jovem vestindo macacão de mecânico que confirmou ser irmão de Klaus e que se mostrou extremamente desconfiado do rapaz judeu que trazia as flores. Este, no entanto, repetiu com firmeza a história do hotel e pediu o endereço de Klaus porque só queria saber de se livrar das flores que lhe haviam pedido para entregar, endereçadas a uma pessoa que ele nem conhecia. O mecânico alemão respondeu que a família havia se mudado há pouco tempo para um novo loteamento no qual as ruas ainda não tinham nomes e as casas ainda não tinham números. Juan decidiu não insistir e apenas pediu ao rapaz que entregasse as flores destinadas a seu irmão. Porém, enquanto se encontrava na oficina, o jovem judeu ouviu que os colegas de trabalho do alemão chamavam-no de “Dito” ou “Tito”. Zvi Aharoni logo depreendeu que se tratava de Dieter, o terceiro filho de Eichmann.

No mesmo dia, Aharoni esperou o fim do expediente na oficina e seguiu o jovem alemão que estava sentado no banco traseiro de um automóvel que tomou o rumo do Bairro de San Fernando. O rapaz desceu junto a um quiosque e caminhou na direção de uma pequena casa, rudimentar, porém com aspecto de nova, na rua Garibaldi. Aharoni voltou outras vezes a San Fernando e, sob diversos pretextos, fez indagações às pessoas da vizinhança. Com a ajuda de um arquiteto, apurou no registro de imóveis que a casa de número 14, da rua Garibaldi, pertencia a Veronica Catarina Liebl de Eichmann. Ou Vera, como a mulher de Eichmann era conhecida. 

No dia 19 de março, munido de uma máquina fotográfica, Aharoni fotografou no quintal da dita casa, estendendo roupa num varal, um homem que aparentava mais de 50 anos de idade, testa larga e parcialmente calvo. Pelas fotos de Eichmann que já tinha visto, parecia que se tratava do criminoso foragido. No dia seguinte, voltou àquele local, junto com outro voluntário judeu argentino. Aharoni foi comer alguma coisa no quiosque e de lá fotografou a casa e suas imediações.

Ao mesmo tempo, o judeu que o acompanhava, bateu na porta do número 14 sendo atendido por Eichmann e seu filho Dieter. Fingiu pedir alguma informação, manteve uma rápida conversa em espanhol com os dois, enquanto os fotografou com uma câmera embutida na maleta que levava. Aharoni deixou a Argentina no dia 9 de abril. Em Tel Aviv, quando Harel perguntou se ele estava seguro de que aquele era o homem, respondeu sem hesitar: “Tenho a mais absoluta certeza”.

A partir de então, Isser Harel começou a elaborar o plano para a captura de Eichmann, convencido de que a parte mais difícil consistia em tirá-lo de Buenos Aires, já que a companhia aérea israelense, El Al, não tinha voos para a Argentina. Por sorte, a Argentina em breve deveria comemorar o 150o aniversário de sua república. Harel convenceu o Ministério das Relações Exteriores que Israel deveria se fazer representar nas celebrações por uma delegação especial que lá chegaria num voo também especial. A delegação seria chefiada pelo ministro sem pasta Abba Eban, o único a ser informado do verdadeiro propósito daquela viagem. Consultados, os executivos da El Al não somente prestaram inteira colaboração, como compuseram junto com o Mossad os integrantes de toda a tripulação.

Nas duas semanas seguintes, Harel se empenhou em formar a equipe que executaria o plano de captura em Buenos Aires, enquanto o Mossad se ocupava em forjar falsas identidades e passaportes. Zvi Aharoni embarcou de volta para a Argentina no dia 24 de abril, não mais como diplomata israelense, mas como um comerciante alemão. O segundo a embarcar foi o agente Avraham Shalom que acabara de regressar de uma longa missão na Ásia e que levou um bom tempo até se familiarizar com o conteúdo do arquivo de Eichmann. O terceiro foi Peter Malkin, que usava o nome Peter nas operações do Mossad, mas cujo verdadeiro nome era Zvi, ou Zvika, como era conhecido por seus amigos em Israel. A ele seria determinada a tarefa de obstruir os passos de Eichmann e atirá-lo no banco traseiro de um carro que estaria à espera com o motor ligado. Rafi Eitan, até hoje considerado como o pai e grande inspirador dos serviços de inteligência de Israel, foi um dos últimos a desembarcar em Buenos Aires, sendo logo seguido por Isser Harel. E se algo desse errado? Harel instruiu que, nessa hipótese, Eitan colocaria um par de algemas nele mesmo e em Eichmann, devendo ambos disparar, sem olhar para trás, para a embaixada de Israel. Eitan guardou as algemas e confidenciou com Aharoni que se ocorresse qualquer fracasso durante a operação, eles matariam o criminoso nazista.

Harel alugou dois carros. No primeiro, dirigido por Aharoni, estavam Rafi Eitan, um agente chamado Moshe Tavor e Malkin, disfarçado com uma peruca. A eles competiria a ação de interceptar Eichmann, que deveria descer de um ônibus às 7h40m da noite e caminhar por um arremedo de calçada em direção à sua casa.  O segundo carro, dirigido por Shalom, se encontrava estacionado um pouco mais à frente, com o capô levantado, como se estivesse sendo consertado. Assim que Eichmann fosse avistado, os faróis seriam acesos de modo a ofuscá-lo para que ele não notasse a presença do carro da captura. Entretanto, Eichmann não desceu do ônibus às 7h40m. As duas equipes esperaram até 8 horas. Aharoni murmurou para Eitan se não era melhor irem embora, porque apesar da noite escura e da desolação do lugar, os dois carros ali parados poderiam chamar atenção. Às 8h05m, Shalom avistou Eichmann e piscou sua lanterna para o outro carro, onde Aharoni ainda teve tempo de dizer a Malkin: “Cuidado, que ele pode estar armado”. Eichmann passou pelo quiosque e deu de frente com Malkin, que lhe disse a frase que tinha ensaiado até cansar: “Un momentito, señor”. Por causa da advertência de Aharoni, em vez de segurar Eichmann pelo pescoço, conforme havia treinado, focou sua mão direita. Foi o tempo que Eichmann teve para se atracar com Malkin e os dois rolaram abraçados para dentro de uma vala aberta na rua. Imediatamente, Eitan e Tavor se jogaram sobre eles. Malkin conseguiu agarrar suas pernas e os demais os braços. Jogaram-no no chão do banco traseiro do carro acolchoado por cobertores. Aharoni disse em alemão ao prisioneiro: “Se você não ficar quieto, vai levar um tiro”. Eichmann fez que sim com um gesto de cabeça. Alguns quilômetros adiante o carro parou para que suas placas fossem trocadas e seguiu para uma casa alugada, o esconderijo onde outros agentes aguardavam com ansiedade. Durante todo esse tempo, Eichmann não se moveu e nem disse uma só palavra.

Eichmann foi acomodado no andar superior de um dos quartos da casa. Aharoni entrou no aposento e foi direto ao ponto: “Qual o seu nome?” Resposta: “Ricardo Klement”. Imperturbável, Aharoni perguntou: “Qual o seu número de filiação no partido nazista e seu número na SS?” O prisioneiro forneceu os dois números corretamente. A partir de então nada mais adiantava negar.

Ele era, de fato, Adolf Eichmann, nascido no dia 10 de março de 1906, em Solingen, Alemanha, um dos ativos formuladores da “Solução Final”, o assassinato em massa dos judeus europeus. Foi concedida a Peter Malkin a primazia de interrogar Eichmann no esconderijo, de forma extraoficial, uma inquirição que durou dez dias, até que Eichmann pudesse ser levado com segurança para Israel. (Ele foi sedado, vestido como comissário de bordo da El Al e embarcado no voo especial que fizera o trajeto para Buenos Aires).

Aqui faço um parêntesis para falar exclusivamente de Malkin, meu querido amigo por mais de trinta anos, a quem sempre chamei de Zvika. A narrativa a seguir não tem nenhuma fonte bibliográfica. Apenas transcrevo o que dele muitas vezes ouvi durante nossa longa amizade. Primeira pergunta: “Por que você fez tudo o que fez?” Resposta: “Era apenas um trabalho que eu deveria cumprir. Não foi algo que eu tivesse planejado, nem que tivesse escolhido”. Zvika insistiu: “Mas, por que você? Conte-me tudo que aconteceu”. Eichmann respondeu que tudo se devia a uma soma de circunstâncias na quais quais ele havia sido enredado. Ao longo dos dias, Zvika pode perceber que Eichmann era dono de grande vaidade e rapidez de pensamento. Não foi arrogante e até manteve um certo tom de cerimônia. Enfatizou que estava apenas cumprindo ordens e nada tinha contra os judeus”.

Zvika me disse que a aparente docilidade de Eichmann era, na verdade, uma forma que ele havia encontrado para ocultar sua culpa. O interrogatório prosseguiu com Zvika indagando sobre outros paradeiros de criminosos de guerra nazistas que supostamente se tinham refugiado na América do Sul, como o Dr. Joseph Mengele e Martin Bormann. Eichmann jurou que levava uma existência solitária com a família e nada sabia sobre os demais fugitivos. Zvika, então, lhe apresentou um documento preparado por Isser Harel no qual Eichmann atestaria que estava indo por espontânea vontade para ser julgado em Jerusalém. Ele disse que aceitaria ser julgado na Argentina ou na Alemanha, mas nunca em Israel. Afinal, depois de convencido por Zvika, acabou assinando o documento.

Em outra ocasião, Eichmann relatou uma viagem que fez à então Palestina sob Mandato Britânico em 1937, que tinha lido O Estado Judeu, de Herzl, e que se tivesse nascido judeu seria sionista. E disse a Zvika: “Eu até me lembro de uma oração que um rabino me ensinou: Shemá Israel, Adonai Eloheinu... (Ouça, Israel, o Senhor é nosso...). Zvika me contou que naquela hora sentiu seu sangue ferver. Era insuportável ouvir dos lábios daquele assassino a oração que os judeus faziam quando eram levados para o extermínio. E explodiu para Eichmann: “Eu quero que você saiba que minha irmã tinha um filho pequeno, um menino lindo, que você matou”. Eichmann refletiu por alguns instantes e respondeu: “Sim... mas ele era judeu, não era?” ...

Adolf Eichmann foi levado a julgamento em Jerusalém no dia  11 de abril de 1961, acusado de quinze crimes contra a humanidade e o Povo Judeu. O tribunal, presidido por três juízes da Suprema Corte de Israel, condenou-o à morte, consumada no dia 1o de junho  de 1962.

BIBLIOGRAFIA
Harel, Isser, “The House on Garibaldi Street”, editora Frank Cass, Reino Unido, 2004.
Malkin, Peter Z. (com Harry Stein), Eichmann in my Hands”, editora Warner Books, EUA, 1990.
Bascomb, Neal, “Hunting Eichmann”, editora Houghton Miflin Harcourt, EUA, 2009.
Nagorski, Andrew, “The Nazi Hunters”, editora Simon & Schuster, EUA, 2016.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista