A adoção da ideologia nazista levou ao abandono de valores éticos, morais e científicos e os médicos e acadêmicos alemães que abraçaram essa ideologia se tornaram agentes e cúmplices de atrocidades imperdoáveis. Milhões de vítimas foram sacrificados em nome de uma “nova Ciência”.

Durante séculos o Juramento de Hipócrates1 tem sido proferido por todos os profissionais a caminho do exercício da Medicina. É um compromisso solene de praticar esta ciência com a consciência de sempre atuar em benefício dos doentes e da integridade da vida, evitando cometer todo e qualquer mal voluntário. Porém, após Hitler ter assumido o poder na Alemanha, o juramento de Hipócrates e seus princípios foram substituídos pela ideologia nazista.

A CIÊNCIA NO INÍCIO DO SÉCULO 20

Entre 1919 e 1933, durante a República de Weimar, a lista de ganhadores de metade dos Prêmios Nobel concedidos às Ciências Naturais e à Medicina era composta por alemães ou, pelo menos, por pessoas de língua alemã. Entre esses ganhadores havia um bom número de judeus. A Alemanha era considerada um grande centro de Ciência e Tecnologia.

Quando Hitler subiu ao poder, em 1933, a Ciência, a Medicina e a Tecnologia se submeteram ao Terceiro Reich, sendo esse o único caminho para se obter o apoio do governo. E, de imediato, uma grande representação de cientistas e médicos alemães, juntamente com acadêmicos e intelectuais, declarou sua subserviência ao Estado Nazista, endossando a legislação racista. Uma sequência de decretos antissemitas culminou com a demissão de todos os médicos e cientistas judeus. Faltava apenas adaptar a Ciência à ideologia nazista e isso foi prontamente resolvido.

NAZIFICAÇÃO DOS MÉDICOS

Em seu livro Mein Kampf (cuja venda é proibida em vários países), onde Hitler expôs suas teorias e objetivos futuros, ele chega a afirmar que “o Estado deve dirigir a educação do povo, não no sentido puramente intelectual, mas visando sobretudo à formação de corpos sadios... Um homem de modesta educação, mas fisicamente sadio, é mais útil à comunidade do que um indivíduo fraco, mas altamente instruído... Nosso primeiro princípio de beleza é a saúde!”. Hitler continua, “Quem, física ou espiritualmente, não é sadio ou digno, não deve perpetuar seus defeitos através de seus filhos! Nisso consiste a maior tarefa educativa do Estado nacionalista... É uma prova de grande nobreza de sentimentos que o doente renuncie a ter filhos seus...”.

O Regulamento dos Médicos da Alemanha Nazista, de 1935, já refletia essa doutrina e declarava ser “obrigação do médico cuidar e assegurar a saúde da nação, sua saúde hereditária e a pureza da raça”. Foram criados na Alemanha cursos de Medicina seguindo esses princípios, aumentando dessa forma o contingente de médicos dentro do Partido Nazista. Com isso, cerca de 50% dos médicos de toda a Alemanha pertenciam ao Partido, sendo “doutrinados” para defender a ideia da extinção da raça “deformada” e a criação de uma raça “superior”; o corpo sadio se torna o belo e o médico não está mais a serviço do indivíduo.

Para isso se criou o programa “Lebensborn” (Fonte da Vida), patrocinado pelo Estado Nazista com o apoio das SS, com o objetivo de aumentar a taxa de natalidade das crianças arianas através da “seleção dos melhores reprodutores”.

Esse programa foi responsável pelo sequestro de cerca de 50 mil a 200 mil crianças, consideradas arianas, das áreas ocupadas pela Alemanha, a quem foi atribuída nova identidade. Esse programa proporcionou a criação de centros de maternidade assistida e funcionou como uma verdadeira fábrica onde casais geravam filhos para serem educados e criados pelo Estado. Estima-se que houvesse oito casas onde reuniam mulheres grávidas, e que tenham nascido no mínimo umas 12 mil crianças durante a vigência do programa implantado por Heinrich Himmler em 12 de dezembro de 1935.

EXPERIMENTOS HUMANOS NAZISTAS

Os responsáveis por essas experiências eram cientistas premiados, médicos, físicos, doutores. Suas macabras experiências resultaram em morte, desfiguração ou incapacidade permanente. Os profissionais encarregados das mesmas encaravam suas cobaias como pessoas que possuíam “vidas sem valor”, como os judeus, ciganos, homossexuais, bem como os portadores de deficiências físicas e mentais e aqueles que sofriam de doenças incuráveis.

ESTERILIZAÇÕES

Em 14 de julho de 1933, com a promulgação da Lei para Prevenção da Descendência Hereditariamente Doentia, a Alemanha se tornou o primeiro e único Estado oficialmente eugenista. A eugenia visava a “melhoria” genética da população alemã tendo como objetivo perpetuar a “pureza” da raça “ariana”. A lei visava “limpar” a sociedade alemã de indivíduos “geneticamente doentes”, considerados ameaças biológicas à “saúde” da nação. Segundo a doutrina nazista, aqueles que não se encaixavam no perfil genético considerado “saudável” ou “desejável” não deviam ser reprodutores, devendo ser esterilizados pelos médicos e cientistas.

Essa lei, que passou a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1934, conferia ao Estado o poder de esterilizar portadores de doenças que se supunham hereditárias, como esquizofrenia, doença bipolar, epilepsia, cegueira, surdez. Dessa forma visavam compor uma sociedade “saudável” de acordo com a definição nazista. Essa lei permitia a vasectomia de alcoólatras e portadores de outras doenças, além dos prisioneiros dos campos, e afirmava que o indivíduo a ser esterilizado não precisava estar ciente do que lhe estaria ocorrendo.

Ao se referir a essa lei Hitler declarara: “Esta lei vai ajudar a eliminar a doença. É vital o auxílio aos fortes e sadios”. Após sua publicação, Hitler intitulou os médicos de “líderes da política racial em busca do sangue puro”. Com isso ele deu início ao registro de pessoas portadoras de deficiências físicas e mentais.

Estima-se que entre 1933 e 1944, cerca 400 mil pessoas foram esterilizadas à força na Alemanha nazista. O cofundador da Liga de Médicos Nazistas, Kurt Klare, falava da “influência decompositora da judiaria”, que precisava de uma limpeza e “cauterização do tumor”.

Principalmente entre março de 1941 e janeiro de 1945, em Auschwitz e Ravensbrück, o Dr. Carl Clauberg desenvolveu um método de esterilização que permitia atingir milhões de pessoas, no menor tempo e esforço possíveis, utilizando-se raios-X, cirurgias e diversas drogas, como injeções intravenosas com iodo e nitrato de prata, que causavam efeitos colaterais, como sangramento vaginal, dor abdominal grave e câncer do colo uterino. Porém, a radiação mediante sessões de raio-X era o tratamento favorito para a esterilização, pois destruía a capacidade de se produzir óvulos ou espermatozoides, e foi administrada sem o conhecimento dos presos.

Numa carta do administrador das SS, Viktor Brack, a Himmler, em junho de 1942, ficava evidente a política da esterilização em massa: “Entre 10 milhões de judeus na Europa, calculo que haja, no mínimo, dois a três milhões de homens e mulheres suficientemente aptos para o trabalho. Defendo a opinião de que, para tal finalidade, devem ser tornados incapazes de gerar filhos”.I

Carl Clauberg (1898-1957) foi capturado por tropas soviéticas em Ravensbruck, em 1945. Em 1948, foi levado a julgamento na União Soviética, recebendo pena de 23 anos. Sete anos mais tarde, devido ao acordo de troca de prisioneiros de guerra entre a União Soviética e a Alemanha Ocidental, Clauberg voltou à Alemanha, onde continuou suas “realizações científicas”. Depois que grupos de sobreviventes o descobriram, Clauberg foi preso e novamente julgado, em 1955. Porém, morreu de um ataque cardíaco em sua cela antes do seu julgamento estar concluído.

Viktor Brack (1904 – 1948) foi julgado em Nuremberg, condenado em 1947 e enforcado em 1948.

EUTANÁSIA OU PROGRAMA T4

Em fins de 1938, Hitler incumbiu Philip Bouhler, chefe de sua chancelaria, e o Dr. Karl Brandt, seu médico pessoal, de iniciar o programa aplicando injeções letais em crianças portadoras de alguma deficiência física ou mental. Essa iniciativa foi o prelúdio do Programa de Eutanásia2 Nazista, que passou a incluir os adultos portadores de doenças mentais. Esse programa ganhou força de lei com um decreto do Führer em outubro de 1939.

Ele mudou a data oficial da lei, antecipando-a para 1º de setembro, de modo a coincidir com o início da Guerra, e a mesma passou a ser conhecida como T4, devido à sua localização, no No 4 da Rua Tiergarten, em Berlim. De acordo com esse decreto, os pacientes eram avaliados e transportados para “centros de recuperação”, onde eram envenenados com gases tóxicos. Esse “programa” envolvia seis centros: Bernburg, Brandenburg, Grafeneck, Hadamar, Hartheim e Sonnenstein, todos na Alemanha.

As famílias recebiam falsos atestados de óbito e, em face das dimensões assustadoras do programa, o segredo que o envolvia durou pouco. Porém, Hitler ordenou que a “eutanásia” não terminasse. Crianças e adultos continuaram a ser assassinados nesses “centros de recuperação”.

O programa T4 funcionou oficialmente entre 1939 e 1941, exterminando mais de 275 mil pessoas.

COLEÇÃO DE CABEÇAS

Depois que o programa T4 entrou em funcionamento, o Professor Julius Hallervorden (1882-1965) passou a ir pessoalmente ao Centro Brandenburg para supervisionar os assassinatos e remover os cérebros. Estes, após serem lavados, eram encaminhados ao Instituto Kaiser Guilherme de Pesquisas do Cérebro, onde Hallervorden trabalhava. Ele os armazenava como se fosse uma coleção e, em 1944, já contava com 697 cérebros. Esses cérebros permaneceram no renomado Instituto, que depois foi renomeado para Instituto Max Planck, e lá ficaram até 1990!

August Hirt, médico da Universidade de Estrasburgo (hoje, França), não queria apenas os cérebros, mas as cabeças inteiras e, especificamente, que fossem de judeus. “Encomendou” a Auschwitz que fossem escolhidos 115 prisioneiros judeus, que foram prontamente executados e enviados para Estrasburgo. Era junho de 1943. Mas médicos como Hirt e Hallevorden ainda não tinham as mesmas possibilidades que Sigmund Rascher (1909-1945), médico responsável pelo campo de concentração de Dachau, que usava prisioneiros vivos em suas pesquisas. “Sou, sem dúvida, o único que conhece por completo a fisiologia humana, porque faço experiências em homens e não em ratos”, costumava dizer, com orgulho, aos colegas. Em 1945, August Hirt (1898-1945) cometeu suicídio.

EXPERIÊNCIAS COM “OS DIFERENTES”

Na rampa da ferrovia de Auschwitz, o Dr. Josef Mengele, na companhia de médicos e antropólogos, escolheu vários pares de gêmeos, cerca de cem famílias de pessoas com nanismo e outras pessoas com malformações congênitas para seu laboratório de experiências.

O Dr. Fritz Klein, médico das SS, colega de Josef Mengele, chegou a Auschwitz em 15 de dezembro de 1943. Afirmava que “...o Juramento de Hipócrates dizia ser obrigação extirpar o apêndice infectado de um enfermo para salvá-lo. O judeu é o ‘apêndice infectado’ no corpo da Europa. Por isso, tenho que exterminá-lo”.

Josef Mengele, idealizador dos experimentos com gêmeos e pessoas com nanismo, estava interessado em entender as semelhanças e diferenças na genética dos mesmos, realizando experiências com mais de 1.500 pares de gêmeos, dos quais menos de 200 sobreviveram.

Mengele frequentou a Universidade de Munique, estudando Filosofia e Medicina, com ênfase em Antropologia e Paleontologia. Adepto da ideologia nazista, recebeu seu doutorado com a tese de que a raça de uma pessoa poderia ser identificada pelo formato de sua mandíbula. A cúpula nazista viu seus estudos como fruto de grande talento e convidou Mengele a ser o médico e pesquisador principal em Auschwitz, em maio de 1943.

Após selecionar os gêmeos por idade e sexo, Mengele os mantinha isolados durante a fase dos experimentos, que variavam de injeções de produtos químicos diferentes nos olhos dos gêmeos, para ver se haveria variação nas cores dos olhos, a costurar essas pessoas para tentar criar gêmeos siameses. Também costumava abrir o corpo dessas pessoas para descobrir “como os gêmeos eram produzidos”. Justificava sua perversidade dizendo que assim se poderia criar a raça ariana em maior quantidade, ou seja, aos pares. Parte do trabalho de Mengele com gêmeos pôde ser reconstruída pelo relatório de seu “assistente-escravo”, o judeu húngaro Dr. Miklos Nyisli (1901-1956).

Segundo Perla Ovitz, de uma família de sete pessoas com nanismo, a quem Mengele chamava de “grupo Lilliput”, “...todos os dias os doutores nos tiravam sangue. Na noite anterior, tínhamos que fazer jejum. Era uma seringa grande, a quantidade que tiravam era enorme e, como estávamos fracos pela fome, com frequência desmaiávamos. Isso, contudo, não freava Mengele. Ele nos fazia deitar, enquanto nos recuperávamos, para continuar a extrair nosso sangue.... Eles nos furavam sem cuidado.... Quando voltávamos para nosso barracão, desabávamos no estrado de madeira que fazia as vezes de cama, e antes que tivéssemos tempo para nos recobrar, éramos convocados para um novo ciclo”.II

Fritz Klein (1888-1945) foi condenado à morte no Julgamento dos Médicos, em Nuremberg, por seus trabalhos nos campos de Auschwitz e Bergen-Belsen. Foi enforcado em dezembro de 1945.

Josef Mengele (1911-1979), no entanto, nunca foi punido por suas experiências. Após a guerra, passou por vários países da América do Sul e faleceu no Brasil, no litoral paulista.

EXPERIMENTOS COM CONGELAMENTO

Entre 1941 e agosto de 1942, Sigmund Rascher, médico da Luftwaffe e da Instituição Experimental Alemã da Aviação, conduziu experimentos para aprender a tratar a hipotermia/congelamento, simulando as condições vividas e sofridas no inverno pelos exércitos no Leste. O estudo forçava prisioneiros a ficarem em um tanque de água gelada por até três horas. Outros estudos colocavam prisioneiros nus, em campo aberto, durante várias horas, suportando temperaturas abaixo de zero, para avaliar as diferentes formas de reaquecimento dos poucos que sobreviviam. Também eram colocados em câmaras especiais de baixa pressão para testar a resistência a grandes altitudes. Os prisioneiros eram utilizados para simular as condições a altitudes de até 20 km (66.000 pés). A maioria das vítimas morreu nos experimentos e as demais foram executadas. Eram conduzidos em em Dachau e Auschwitz e seus resultados notificados diretamente a Heinrich Himmler, que os divulgou na Conferência de Médicos, em 1942, intitulada “Problemas Médicos decorrentes do mar e do inverno”.

Sigmund Rascher (1909-1945) foi executado no campo de concentração de Dachau, tendo suas experiências sido consideradas “desumanas e criminosas”.

EXPERIMENTOS COM MALÁRIA

Entre fevereiro de 1942 e abril de 1945, foram realizados experimentos no Campo de Concentração de Dachau a fim de investigar meios de imunização no tratamento da malária. Cerca de 1.200 prisioneiros foram submetidos a infecção por malária sendo expostos a mosquitos. Outros eram picados e infectados pelos mosquitos contidos em uma pequena caixa que era atada às suas mãos. Após contraírem a doença, eram tratados com fortes drogas para se apreciar a reação. Mais de mil pessoas foram utilizadas nesses experimentos e, desses, mais da metade morreu por doses excessivas dessas medicações. O responsável por essa “pesquisa” foi o Dr. Klaus Schilling (1871-1946), professor emérito de Parasitologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Berlim e diretor da Comissão de Malária da Liga das Nações.

Klaus Schilling foi condenado à morte, por enforcamento, pelo Tribunal de Nuremberg. Foi enforcado em maio de 1946.

EXPERIMENTOS COM GÁS MOSTARDA

Entre setembro de 1939 e abril de 1945, em Sachsenhausen e Natzweiler, foram realizados experimentos para investigar o tratamento mais eficaz das feridas causadas por gás mostarda, visando beneficiar as forças armadas germânicas. As pessoas eram deliberadamente expostas ao gás mostarda e a outros gases que lhes causavam graves queimaduras químicas. Objetivo: descobrir um antídoto para a exposição a esses gases. Os principais responsáveis por essa experiência foram o Professor Dr. Karl Brandt e o Professor August Hirt.

Klaus Schilling foi condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg e enforcado em maio de 1946.

EXPERIMENTOS COM SULFONAMIDA

Entre julho de 1942 e setembro de 1943, foram realizados experimentos para investigar a eficácia da sulfonamida, um agente antimicrobiano sintético. Realizados em Ravensbrück, onde mulheres eram submetidas a experiências de transplantes de ossos, órgãos e nervos. Com a sulfonamida, criavam-se ferimentos que eram deliberadamente contaminados e infectados com bactérias, provocando o tétano. Após o ataque nazista à Rússia, no inverno de 1941-42, ocorreram no front muitos casos de gangrena e os experimentos com sulfonamida se tornaram mais intensos para avaliar se esse medicamento poderia ser usado pelos soldados no campo de batalha.

À frente dessas experiências estava o Dr. Karl Gebhardt (1897-1948), consultor cirúrgico da Waffen-SS e médico pessoal de Himmler. Adolf Hitler descreveu-o como o “homem com coração de ferro”. Gebhardt foi condenado à morte no Julgamento dos Médicos, em Nuremberg, e enforcado em junho de 1948. 

EXPERIMENTOS COM ÁGUA DO MAR

Entre julho de 1944 e setembro de 1944, realizaram-se experimentos no Campo de Concentração de Dachau, privando um grupo de cerca de 90 ciganos, ou romanis, de comida e água, permitindo-lhes apenas ingerir água do mar. Eles ficaram tão desidratados que lambiam os pisos recém-lavados, numa tentativa de ao menos molhar a boca com água. A cargo dessa experiência estava o Dr. Wilhelm Beiglboeck (1905-1963), consultor médico da Luftwaffe, que foi julgado pelo Tribunal de Nuremberg e recebeu uma sentença de 15 anos de prisão. Alguns anos depois, sua pena foi revista e reduzida para 10 anos.

EXPERIMENTOS COM TIFOIDE

O tifo tornou-se um problema grave no início de 1941 e quase não havia disponibilidade de vacinas. Entre dezembro de 1941 e fevereiro de 1945, em Buchenwald e Natzweiler, uma grande quantidade de detentos saudáveis foram deliberadamente infectados com a bactéria do tifo para se conhecer o desenvolvimento da doença. À frente dessas experiências estava o Dr. Erwin Ding-Schuler. Inicialmente foram testados 729 prisioneiros, sendo que 90% deles morreram. Outros detentos saudáveis foram usados para determinar a eficiência das vacinas e um número de diferentes produtos químicos. Foram também realizados experimentos com a febre amarela, varíola, paratifo A e B, cólera e difteria, conduzidos pelo Dr. Eugen Haagen, médico da Força Aérea alemã e professor da Universidade de Estrasburgo. O Professor Kurt Gutzeit, gastroenterologista da Universidade de Breslau, fez experiências com hepatite em crianças judias de Auschwitz.

O Dr. Erwin Ding-Schuler (1912- 1945) foi preso pelas tropas americanas em 25 de abril de 1945 e se suicidou em 11 de agosto de 1945.

O Dr. Eugen Haagen (1898-1972) foi condenado em Lyon, em 15 de maio de 1954, a 20 anos de trabalhos forçados, mas foi anistiado a partir de 1955.

O Dr. Kurt Gutzeit (1893-1957) nunca foi julgado.

EXPERIMENTOS COM VENENOS

Entre dezembro de 1943 e outubro de 1944, foram conduzidos experimentos nos campos de concentração de Buchenwald e Sachsenhausen, sob a responsabilidade do Dr. Joachim Mrugowsky (1905-1948), para investigar o efeito de diferentes venenos. Essas experiências não tinham objetivo científico de cura, mas somente visavam controlar em quanto tempo ocorria a morte e observar a agonia e dor enquanto o veneno se infiltrava, administrado secretamente na alimentação dos prisioneiros. Também atiravam nos prisioneiros com balas envenenadas, para ver com que rapidez o veneno funcionaria. “Segundo o Dr. Mrugowsky, a morte ocorria em 121, 123 ou 129 minutos, no máximo, após a entrada do projétil”.III

Mrugowsky foi condenado à morte em agosto de 1947 e executado em junho de 1948.

EXPERIMENTOS COM BOMBAS INCENDIÁRIAS

Entre novembro de 1943 e janeiro de 1944, em Buchenwald, o Dr. Ding-Schuler testou o efeito de vários preparados farmacêuticos de fósforo. Estas queimaduras com fósforo extraído de bombas incendiárias foram infligidas a mil prisioneiros, muitos dos quais não sobreviveram.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em 9 de dezembro de 1946, iniciou-se o Julgamento dos Médicos, em Nuremberg, quando foram julgados 23 médicos considerados criminosos de guerra. Foram ouvidas 54 testemunhas e 117 acusações.

Em 19 de agosto de 1947 conheceu-se o veredito, que condenou à morte sete dos acusados. Outros sete foram absolvidos e os demais foram condenados à prisão, com penas variadas. E nós perguntamos: Onde ficaram as centenas de médicos, professores, cientistas, físicos que apoiaram o Regime Nazista? Como ficaram suas descobertas?

Andrew Ivy, médico que representou a Associação Médica Americana, afirmou que os médicos que foram julgados eram de menor expressão. Todos os demais haviam fugido ou tinham sido recrutados por outros países.

Durante o julgamento, a testemunha Zofia Macska, sobrevivente, perguntou: “Que tipo de recompensa o mundo pode oferecer àqueles que passaram pelas experiências? Que tipo de penalidade pode a Justiça oferecer àqueles que causaram estas experiências?”IV

Fica a questão e a reflexão: Como foi possível que cientistas, médicos conceituados, acadêmicos tivessem endossado uma ideologia desprovida de humanidade, ética e moral? Pode a ciência aproveitar dessas experiências assassinas?

Hoje em dia, como consequência dos abusos cometidos pelos nazistas, há Códigos de Ética Médica e normatizações que começaram a ser redigidos com base nos julgamentos médicos de Nuremberg e que norteiam a pesquisa científica que envolve seres humanos.

Conforme cita Benno Müller-Hill, sob o título “Advertência”:

– “Afinal, quando vai terminar este extermínio?” perguntou o Dr. Nyiszli ao Dr. Mengele, em Auschwitz, referindo-se às experiências. Ao que Mengele respondeu:

– “Meu amigo, isto vai ser útil para a posteridade e vai continuar sempre, sempre, sempre”.V

Apesar dos crimes de guerra cometidos, ao término da 2ª Guerra Mundial cientistas e médicos nazistas receberam imunidade e emigraram para os Estados Unidos, União Soviética e outros países aliados. Esses países estavam interessados ​​em suas inovações científicas: agentes nervosos como o gás Sarin, tratamento contra malária, metanfetaminas, bem como suas descobertas sobre desidratação, hipotermia e hipóxia, entre outras. Todos eles fruto de “avanços” gerados a partir de experimentos humanos em campos de concentração.

Sendo assim, constitui uma triste realidade o fato de que “avanços científicos” imoralmente conseguidos pelos nazistas infectem o corpo do conhecimento científico e biomédico mundo afora, enquanto as vítimas desses carrascos, aqueles que passaram pelas piores torturas para se chegar a esses “avanços científicos”, nunca tenham obtido justiça.

Acredita-se que o juramento original tenha sido escrito em grego (século 5 a.E C.). por Hipócrates — pai da Medicina Ocidental. Na era contemporânea o Juramento foi reeditado em duas ocasiões: em Lausanne em 1771 e posteriormente sendo ratificada em 1948 pela Declaração de Genebra (e atualizada em 1968, 1983 e 2017).

2 O termo “eutanásia” significa literalmente “boa morte”. Geralmente se refere a causar uma morte indolor para um paciente em estado terminal evitando o prolongamento de seu sofrimento. No Brasil, é prevista em lei como crime de homicídio. A propaganda nazista era conhecida por usar eufemismos para encobrir seus planos nefastos.

Referências

IMüller-Hill, 193, p.106

IICornwell, 2003, p. 316

IIIKoren, 2006, p.86

IVSpitz, 2005, p. 209

VSpitz, 2005, p. 115

 

BIBLIOGRAFIA

Koren, Yehuda e Negev, Eilat. Gigantes no Coração. Ed. Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2006.

Cornwell, John. Os Cientistas de Hitler, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 2003.

Muller-Hill, Benno. Ciência Assassina. Ed. Xenon, Rio de Janeiro, 1993.

Spitz, Vivien. Doctors from Hell, Sentient Publications, United States of America, LLC, 2005.

Bibliografia na íntegra disponível no site www.morasha.com.br

 

Silvia Rosa Nossek Lerner é especializada em Estudos sobre o Holocausto, com graduação em Direito, História e Pedagogia. Tem pós-graduação emHistória do Século XX e Mestrado em Psicanálise, Sociedade e Cultura.