Uma coleção de manuscritos antigos foram descobertos entre 1947-1956, em cavernas do Deserto da Judeia, e constituem a maior descoberta arqueológica do século 20. poucos achados arqueológicos – quiçá nenhum – são tão conhecidos ou despertaram tanto interesse ou controvérsia. Esses manuscritos revolucionaram o entendimento que se tinha sobre o último período do Segundo Templo, quando emergiram o Judaísmo rabínico e o Cristianismo.

Em 1947 o Oriente Médio estava tumultuado, o que fazia da época o pior momento para se lidar com manuscritos antigos. Mas, para o Povo Judeu, que lutava política e militarmente pela recriação de seu Estado, em sua terra, a Terra de Israel, a descoberta dos primeiros pergaminhos e sua aquisição no exato dia em que as Nações Unidas votaram pela Partilha da Palestina, tinha significado simbólico. Era como se eles estivessem escondidos na escuridão das cavernas durante 2.000 anos, apenas esperando pelo retorno do Povo de Israel a seu Lar ancestral.

A descoberta original se resumia a alguns pergaminhos encontrados em uma caverna próximo a Qumran. Mas, os arqueólogos e beduínos continuaram procurando, durante anos, ao longo da margem oriental do Mar Morto, e encontraram no interior de outras dez das centenas de cavernas existentes milhares de documentos antigos e de fragmentos de textos escritos sobre pele de animal, papiros e até sobre cobre. Hoje, esse tesouro, conhecido como os Pergaminhos do Mar Morto, inclui seis pergaminhos praticamente completos, 80 mil fragmentos agrupados em 20 mil segmentos, que representam mais de 900 diferentes textos. Eles contêm passagens de todos os livros do Tanach, exceto o Livro de Esther, além de textos apócrifos, orações e textos sobre a Leis Judaica. Foram escritos predominantemente em hebraico, sendo apenas 15% deles em aramaico e alguns em grego.

No início da década de 1950 era costume falar na “batalha dos pergaminhos” em virtude dos inúmeros e candentes debates públicos acerca da identidade de seus autores e sua relevância para o Judaísmo e Cristianismo. Muitas das hipóteses e teorias da época estão hoje sendo questionadas ou descartadas.

Durante décadas, a maioria dos achados arqueológicos ficaram nas mãos da Jordânia e de uma equipe de estudiosos cristãos – a maioria católicos. Por mais absurdo que fosse, apesar dos manuscritos terem sido escritos por judeus e versarem apenas sobre assuntos relativos à vida religiosa judaica, ao Templo de Jerusalém, e ao Tanach - composto de 24 livros: a Torá, os Profetas (Neviim), e das Escrituras Sagradas (Ktuvim). Nenhum judeu podia fazer parte desse grupo. Como veremos adiante, somente em 1980 os estudiosos judeus passaram a fazer parte da equipe.

Hoje, a maioria dos estudiosos acreditam que os pergaminhos foram reunidos por uma seita de judeus- a seita de Qumran ou do Mar Morto – que ocupava uma área adjacente às cavernas, chamada Khirbet Qumran (Ruína de Qumran). A seita viveu na área desde 150 AEC até 68 EC, quando o local foi destruído pelos romanos, durante a Grande Revolta Judaica (66-73 EC). Ainda que na sociologia da religião o uso do termo “seita” implique uma “igreja” normativa à qual a seita possa ser comparada, o termo é usado para descrever os vários grupos que existiam entre os judeus à época do Segundo Templo.

Tanto a análise paleográfica1 quanto a datação por radiocarbono-14 concluíram que os Pergaminhos do mar Morto foram escritos entre o século 2 AEC e o século 1 EC, durante os períodos helenístico e romano. Por outro lado, a composição dos textos varia dentro de um período extenso. Os textos bíblicos incluem os primeiros livros do Tanach; os não-bíblicos foram compostos a partir do século 3 AEC e vão até a virada da Era Comum. Isto significa que a maior parte dos textos não foram compostos pela seita, apenas copiados, e que os textos são pré-Cristianismo.

De acordo com o Prof. Lawrence H. Schiffman, especialista nos Pergaminhos do Mar Morto e em Judaísmo na Antiguidade, História da Lei Judaica e Literatura Talmúdica, “o papel central da Halachá (Lei Judaica) no estudo do Judaísmo à época do Segundo Templo é crucial para a definição de uma seita. Isto porque entre as características que os separavam estava a sua prática da Lei. Mas, temos que ter em mente que a grande maioria das práticas haláchicas – cumprimento da lei do sacrifício, o Shabat, as leis da pureza e outras – eram comuns aos judeus do período do Segundo Templo”.

O período do Segundo Templo foi marcado de diversidade e complexidade na vida religiosa judaica, uma época em que grupos tentavam conquistar e manter a liderança política e religiosa na Terra de Israel. Os Pergaminhos se tornaram uma fonte básica sobre as crenças, a vida e os eventos históricos ocorridos nesse período. Até serem descobertos, nossas principais fontes eram a obra do historiador Flavius Josephus e o livro dos Macabeus.

A descoberta

A história que envolve os Pergaminhos do Mar Morto é legendária2 e se inicia no final do ano de 1946, início de 1947, quando jovens da tribo beduína de Ta’amireh pastoreavam suas cabras nas proximidades de Qumran. Um deles, Muhammad Ahmad el-Hamed, conhecido como edh-Dhib (Muhammad, o Urso), enquanto procurava uma ovelha que se desgarrara, atirou uma pedra dentro de uma caverna e ouviu o som de barro se rachando. Ao explorar a caverna, ele e os companheiros descobriram dois grandes jarros dentro dos quais viram alguns pergaminhos antigos.

Em abril de 1947, os beduínos foram a Bethlehem com os pergaminhos, e contataram dois comerciantes de antiguidades: Faidi Salahi e Khalil Iskander Shahin, mais conhecido como Kando. Este último adquiriu quatro pergaminhos e Salahi, três. Em julho, Kando – membro da Igreja Ortodoxa Siríaca que iria ter um papel importante na saga dos Pergaminhos – vendeu os quatro a Athanasius Yeshue Samuel, Arcebispo Metropolitano da Igreja Ortodoxa Siríaca, conhecido como Mar Samuel (“Mar”, pronome de tratamento usado para os bispos da Igreja Ortodoxa Siríaca).

Salahi, por sua vez, pediu a Levon Ohan, filho de um armênio comerciante de antiguidades da Cidade Velha, para ajudá-lo. Em novembro, Ohan contatou Eliezer Lupa Sukenik, professor de arqueologia na Universidade Hebraica e pai de Yigael Yadin, chefe das operações da Haganá, à época, que se tornaria o arqueólogo mais respeitado de Israel e grande estudioso dos Pergaminhos do Mar Morto.

Sukenik relata os eventos: “Estávamos em 1947, últimos dias do Mandato Britânico. A violência corria solta. Os britânicos tinham dividido Jerusalém em zonas militares, separando as partes judaica e árabe da cidade e delimitando-as com arame farpado. Para se ir de uma zona a outra era necessário um passe militar”. Nem ele nem Ohan tinham esse passe, portanto se encontraram no portão que dava acesso à Zona B. Através do arame farpado, Ohan mostrou um fragmento de um dos pergaminhos e Sukenik percebeu que o formato das letras hebraicas se parecia com o das letras que ele estudara em ossuários de Jerusalém, datados no início da Era Comum. Sukenik decidiu comprar os pergaminhos, mas pediu para ver mais amostras. Conseguiu um passe para entrar na Zona B e, depois de examinar outros fragmentos, resolveu ir a Bethlehem.

Tratava-se de uma viagem perigosa. O clima era de extrema tensão porque as Nações Unidas estavam para votar a partilha da Palestina. Sua esposa foi totalmente contrária à sua ida. Seu filho mais velho, Yigael Yadin, também pediu ao pai que não fosse a Bethlehem, pois a Haganá recebera informações de que haveria atos de violência contra os judeus.

Mas Sukenik estava determinado a comprá-los em nome da Universidade Hebraica. Em 29 de novembro, enquanto a ONU votava o futuro de Israel, ele, junto com Ohan, tomou um ônibus para Bethlehem. Ele era o único judeu. Em seu diário, Sukenik conta o momento em que Salahi trouxe os dois jarros contendo os manuscritos: “Minhas mãos tremiam quando comecei a desembrulhar um deles. Li algumas frases. Estavam escritas em um lindo hebraico bíblico. O linguajar era igual ao dos Salmos, mas o texto me era desconhecido.... De repente, me senti muito privilegiado que o destino me estivesse fazendo contemplar um pergaminho hebraico que não fora lido por mais de 2.000 anos...”.

Sukenik disse a Salahi que “provavelmente” iria comprar os pergaminhos todos, mas levaria dois consigo para examinar. No caminho de volta a Jerusalém, ele estava de posse do “Pergaminho dos Salmos de Ação de Graças” - Hodayot, em hebraico, e do “Pergaminho da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos da Escuridão”, ou “Pergaminho da Guerra” – em hebraico, Milchamá. Uma semana mais tarde, ele adquiriu o terceiro, um manuscrito do Livro de Isaías, conhecido como “Isaiahb”.

Horas após seu retorno, Sukenik estava em seu escritório quando seu filho menor, Mati, entra correndo para lhe contar que as Nações Unidas tinham aprovado a Resolução da Partilha.

Yigael Yadin, relembra: “Não pude evitar a sensação de que havia algo de simbólico na descoberta dos pergaminhos e em sua aquisição, no momento exato da criação do Estado de Israel. Parecia que os manuscritos ficaram esperando em cavernas, por 2.000 anos, desde o fim da independência de Israel até que Am Israel retornasse a seu Lar ancestral e recuperasse sua liberdade. O simbolismo fica ainda mais forte pelo fato de que os três primeiros pergaminhos foram comprados por meu pai, em nome de Israel, no dia 29 de novembro de 1947, dia exato em que a ONU votou pela recriação de um Estado judeu na Terra de Israel, após 2.000 anos...”.

Em janeiro de 1948, Sukenik recebe uma ligação de Anton Kiraz, da Comunidade Ortodoxa Siríaca, colocando à sua disposição os quatro pergaminhos que estavam em posse de Mar Samuel. Quando Kiraz os mostrou a Sukenik, este percebeu, de imediato, que pertenciam ao mesmo conjunto que os que adquirira. Ofereceu £2.000 libras esterlinas por eles, mas como Israel estava às vésperas da Guerra de Independência, ele não conseguiu o dinheiro. Sukenik nunca mais os viu. Em seu diário, ele conta: “O Povo Judeu perdeu uma herança preciosa”. Mas ele estava enganado, pois, anos mais tarde, seu filho Yigael os adquiriria para o Estado de Israel.

Frustrada a venda, Mar Samuel decide mostrá-los à Escola Americana de Pesquisa sobre o Oriente, em Jerusalém3, então sob a direção de Millar Burrows. O assistente de Mar Samuel, Butros Sowmy, contata o diretor em exercício, John Trever. Arqueólogo e estudioso bíblico, este último lhe pede que leve os pergaminhos à Escola. No dia seguinte, quando Sowmy surge com os quatro manuscritos, Trever fica boquiaberto. A escrita era semelhante à do Papiro Nash, datado de cerca de 150 AEC 4. Ele fotografa os pergaminhos, o Livro de Isaías (Isaiaha), o “Manual da Disciplina”, um comentário sobre o “Livro de Habakuk” (Pesher Habakuk, em hebraico) e o “Livro Apócrifo de Gênesis”. Este último estava tão enrolado e frágil que não pôde ser desenrolado. Trever envia fotos a William Foxwell Albright, renomado arqueólogo bíblico e especialista em epigrafia semita da época, que lhe responde em 15 de maio de 1948, justo o dia em que Israel declarava sua independência: “Minhas congratulações …pela maior descoberta em manuscritos dos tempos modernos! … a escrita é mais arcaica do que a do Papiro Nash... Eu diria que data por volta do ano 100 AEC ”.

Em janeiro do ano seguinte, Mar Samuel contrabandeia os quatro pergaminhos para fora do Oriente Médio, instalando-se em New Jersey, nos EUA. Uma vez lá, ele recomeça as buscas por um comprador. Nove meses depois, os pergaminhos foram expostos na Biblioteca do Congresso. Despertaram enorme interesse, mas nenhuma instituição se apresentou com uma proposta de compra.

Após a descoberta inicial...

Nesse ínterim, a notícia da descoberta se tinha espalhado pelo mundo arqueológico. Na tentativa de localizar a caverna onde os pergaminhos iniciais haviam sido encontrados, o diretor do Departamento de Antiguidades da Jordânia, o arqueólogo inglês G. Lankester Harding, conseguiu que a Legião Árabe vasculhasse a área onde foram supostamente encontrados. Em 28 de janeiro de 1949, foi descoberta a Caverna 1. Ele próprio encarregou-se da exploração da mesma, junto com o diretor da Escola Bíblica de Jerusalém Oriental, o padre Roland de Vaux. Este padre dominicano francês lideraria a equipe que iria trabalhar nos Pergaminhos.

Organizou-se uma grande expedição arqueológica para escavar a área ao longo da costa noroeste do Mar Morto. À época, a região estava sob domínio jordaniano e nenhum israelense ou judeu podia participar da expedição. Decidiram escavar também as ruínas de Khirbet Qumran (também chamada de Khirbet Yahud) que ficavam a menos de 2 km ao sul da Caverna 1, em uma formação mais baixa de arenito, entre as encostas de calcário e a costa do Mar Morto.

Os membros da tribo de Ta’amireh também estavam atrás de novos achados. Ainda em 1950, o diretor Harding e o padre de Vaux sabiam que seria problemático se os fragmentos encontrados pelos beduínos fossem vendidos para vários compradores. Seria impossível reuni-los de acordo com o manuscrito ao qual pertenciam ou reconstituir qualquer um deles. Assim sendo, procuraram Kando e compraram dele os fragmentos que haviam sidos posteriormente removidos da Caverna 1 e que ainda estavam com ele. Nesse meio tempo, Kando se associara ao xeque dos Ta’amireh, passando a ter um quase monopólio dos achados.

Nos anos seguintes, arqueólogos e beduínos encontram em dez, das centenas de cavernas examinadas, um verdadeiro tesouro arqueológico. Algumas eram riquíssimas em manuscritos e fragmentos. Na Caverna 3, por exemplo, foram descobertos fragmentos do “Livro de Ezequiel” e dos Salmos, textos apócrifos e dois rolos oxidados em cobre martelado (Pergaminho de Cobre), que constituiu o mais envolto em mistério dentre todos os achados arqueológicos do Mar Morto.

Em 1952, enquanto os arqueólogos escavavam em Qumran durante o dia, os beduínos o faziam à noite, e foram eles que descobriram a Caverna 4. Com uma entrada a uns 100 metros de onde os arqueólogos estavam escavando, a caverna continha 15 mil fragmentos de cerca de 500 pergaminhos diferentes. Tendo os beduínos removido a maior parte, mais uma vez Kando foi o caminho para que os arqueólogos os adquirissem.

O material encontrado na Caverna 11, descoberto em 1956, foi extremamente rico. Mas, continua sendo um mistério o número de pergaminhos descobertos pelos beduínos. Entre os achados estava um manuscrito do “Livro Levítico”, da Torá, usado antes do exílio da Babilônia, e um dos Salmos, contendo salmos adicionais.

Harding, à época diretor do Departamento de Antiguidades e curador do Museu Arqueológico da Palestina (PAM), localizado em Jerusalém, tomou uma decisão crucial. Encaminhou os pergaminhos ao PAM ao invés de consigná-los ao Museu Nacional da Jordânia, em Amã. Como veremos adiante, não fosse pela decisão de Harding, os preciosos achados poderiam estar, hoje, em Amã, e não em Israel.

Com a chegada, na década de 1950, de milhares de fragmentos ao Museu Arqueológico da Palestina, reuniu-se uma equipe de estudiosos bíblicos para tratar da enorme quantidade de material. Segundo um relato recente: “Harding e de Vaux queriam uma equipe que representasse, de fato, os países e credos atuantes na pesquisa bíblica, com uma ressalva – não incluiriam nenhum judeu ou israelense. Tem-se falado que o padre de Vaux era antissemita. Certo é que, a exemplo de Burrows, Trever e muitos outros pesquisadores, ele era veementemente contrário à criação do Estado de Israel”.

Khirbet Qumran (a Ruína de Qumran)

Uma equipe de arqueólogos encabeçada por Harding e de Vaux iniciou as escavações em Khirbet Qumran, em 1949, em busca de mais pergaminhos e, principalmente, respostas. Haveria uma relação entre o local e os pergaminhos? Teriam seus habitantes os escondido nas cavernas próximas?

Desencavaram várias estruturas de grande porte que acreditavam ser o centro de uma seita pequena judia, muito religiosa. Seguindo-se às escavações iniciais, de Vaux sugeriu que o local poderia ter sido fundado pelos essênios, uma das diferentes seitas de judeus da época. Atualmente, a teoria dos essênios é amplamente discutida e rejeitada por muitos estudiosos. Todos, porém, concordam que no século 2 AEC , durante a época dos Macabeus, Qumran foi ocupado por um grupo judeu que tinha sido expulso ou se afastado do culto no Templo de Jerusalém. Um dos manuscritos encontrados, a “Carta Haláchica”, lista assuntos sobre os quais os sectários não concordavam com a maneira em que o culto no Templo era praticado. O texto data de 150 AEC e representa um documento formativo da seita, logo após a Revolta dos Macabeus.

A seita chegou a seu ponto alto entre o final do Séc.1 AEC e o Séc.1 desta Era. Foi nesse período que a maioria dos pergaminhos foram escritos. Um terremoto destruiu o local, provavelmente em torno de 31 AEC . Reconstruído alguns anos depois, foi arrasado por tropas romanas à época da Primeira Revolta Judaica (66-73 EC), antes do sítio a Jerusalém.

Os romanos ocupam o local durante 20 anos. Durante a Revolta de Bar Kochba de 132-135, combatentes judeus se estabelecem em Qumran. Depois disso, o local foi abandonado. Acredita-se que grande parte dos manuscritos encontrados tenham sido escondidos nas cavernas durante a guerra contra Roma.

Os Pergaminhos do Mar Morto em mãos de Israel

Foram necessários mais de 20 anos, mais precisamente até a Guerra dos Seis Dias, para que todo o precioso material arqueológico estivesse em mãos israelenses.

Os quatro pergaminhos da descoberta inicial que ainda estavam nas mãos de Mar Samuel, voltaram para Israel em 1954. Em 1o de junho daquele ano, desesperado, ele publica um anúncio no The Wall Street Journal colocando-os à venda. Na época, Yigael Yadin estava nos EUA dando palestras e a Embaixada de Israel o coloca a par do anúncio.

Determinado a comprar os pergaminhos para seu país, ele sabia que tinha que agir com cautela, mantendo seu nome e o de Israel por fora temendo que Mar Samuel não consentisse em vendê-los. Yadin entra em contato com seu amigo, o Dr. Harry Orlinsky, estudioso e tradutor de textos bíblicos, e lhe pede que vá a Nova York. Explica que devia assumir o nome de “Mr. Green” e fazer-se passar por um perito enviado por um possível comprador para autenticar os pergaminhos; e ir ao Chemical Bank and Trust Co, assegurando-se de não estar sendo seguido.

Orlinsky encontra-se no cofre do Banco com o representante de Mar Samuel. Este retira de um cofre preto os quatro manuscritos. Após autenticá-los, Orlinsky vai a um telefone público, liga para um número e diz as palavras-código: Lechaim, Viva! A missão tinha sido um sucesso. O preço acordado pelos quatro pergaminhos foi de US$ 250.000 – uma barganha mesmo para a época. Os pergaminhos são despachados, separadamente, para Israel. Lá, foram reunidos aos outros três rolos que, sete anos antes, o pai de Yadin comprara.

Em fevereiro de 1955, o Primeiro Ministro de Israel à época, Moshe Sharett, convoca uma coletiva de imprensa para anunciar que todos os sete pergaminhos estavam, finalmente em Israel. No início da década de 1960, construiu-se em Jerusalém o Santuário do Livro, Heichal ha-Sefer, para abrigar os sete tesouros encontrados na Caverna 1.

Mais 12 anos se passaram até que todos os achados estivessem, por fim, em mãos de Israel. Durante a Guerra de Seis Dias, de 1967, os jordanianos não os transferiram para um local “mais seguro”, como acontecera em 1956, antecipando um possível avanço de Israel. Eles foram simplesmente levados ao subterrâneo do Museu. No terceiro dia da Guerra, Israel capturou Jerusalém Oriental e arqueólogos israelenses entraram no museu em busca dos Pergaminhos.

Yadin, à época assessor militar do Primeiro Ministro Levi Eshkol, sabia que o “Pergaminho do Templo” estava sendo escondido por um comerciante de antiguidades. Descoberto na Caverna 11 em 1956, até o início dos anos 1960 ninguém no Ocidente sabia de sua existência. Um pastor americano, preposto de um negociante de antiguidades – que, mais tarde se soube ser Kando – escreveu a Yadin oferecendo um pergaminho completo por US$ 100.000. Era o Pergaminho do Templo. O intermediário concordou em enviar um fragmento a Yadin, que, após examiná-lo, garantiu ser autêntico. O texto, em hebraico, que recebera tratava do papel do Sumo Sacerdote. Iniciam-se as negociações, mas o vendedor continuava a subir o preço, e em maio de 1962, cessou toda a comunicação entre as partes.

Em 7 de junho, Yadin enviou um coronel do Exército de Israel a Bethlehem, já em mãos israelenses, para confrontar Kando. As suspeitas de Yadin estavam corretas. Ao ser confrontado, Kando removeu alguns ladrilhos do chão de sua casa e de lá tirou uma caixa de sapatos onde tinha colocado o “Pergaminho do Templo”, enrolado em celofane e toalha e embrulhado com papel. As autoridades israelenses o confiscam, pagando a Kando US$ 105.000. Finalmente, o “Pergaminho do Templo” estava a salvo e foi exposto junto dos primeiros sete rolos, no Santuário do Livro, no Museu de Israel. Todos os demais manuscritos e fragmentos de textos estão preservados no Museu Rockefeller, em Jerusalém, onde fica o Departamento de Antiguidades de Israel.

A batalha para publicá-los

Os textos dos sete pergaminhos da descoberta inicial foram publicados por estudiosos israelenses e americanos já na década de 1950 e disponibilizado a outros pesquisadores. No entanto, o tesouro arqueológico que estava nas mãos do time de estudiosos reunidos pelo padre de Vaux publicara uma parte bem reduzida do material, e não permitia que outros pesquisassem o material. Estudiosos acreditavam que após Israel ter assumido o controle, os pergaminhos seriam disponibilizados rapidamente. Mas tudo ficou na mesma. Mesmo sob os auspícios israelenses e apesar da insistência de Yadin, os avanços para sua publicação continuavam emperrados.

O problema era que Israel queria ser visto como “um conquistador de boa paz”. Avraham Biran, diretor do Departamento de Antiguidades, e Yigael Yadin trabalharam em busca de um relacionamento amigável entre Israel e a equipe de publicação, apesar de saber que o sentimento prevalecente na Escola Bíblica era de ressentimento contra Israel – ao ponto de os pesquisadores, todos antissionistas, recusarem-se a pisar em Jerusalém após 1967.

Mas Israel não queria ser acusado de apropriação intelectual e, de início, manteve o status quo, deixando a responsabilidade pela publicação em mãos da equipe original e aceitando a exclusão dos pesquisadores judeus e israelenses. Quando de Vaux procura Biran, este lhe comunica que Israel honraria os direitos de publicação de sua equipe – ou seja, os direitos exclusivos de publicar os pergaminhos sem permitir que outros estudiosos tivessem acesso aos mesmos nesse ínterim. Mas o “monopólio” e a demora na publicação desperta conflitos e controvérsias crescentes.

Em 1980, Emanuel Tov e Elisha Qimron são os primeiros israelenses a trabalhar nos pergaminhos. John Strugnell, chefe da equipe internacional de 1986-1990, aumenta ainda mais o número de participantes e inclui alguns judeus. Em 1990, depois de uma entrevista onde ele se auto descreve como “anti-judaísta”, dizendo entre outros : “... Judaísmo – uma religião horrível”, ele é destituído e Emanuel Tov, professor da Universidade Hebraica, assume como editor-chefe do projeto de publicação dos manuscritos. O Prof. Tov aumentou o número de pesquisadores e ficou na direção até o término dos trabalhos.

Em 2008, Tov presenciou o término real da série oficial de 40 volumes, e sua publicação. Em dezembro de 2012, mediante colaboração com a Google, o Departamento de Antiguidades de Israel disponibilizou on-line os Pergaminhos, constituindo a “Biblioteca Digital Leon Levy de Pergaminhos do Mar Morto”. Essa biblioteca digital pode ser acessada gratuitamente.

Importância dos Pergaminhos

Atualmente há um consenso entre os estudiosos acerca da necessidade de um grande foco no contexto judaico dos Pergaminhos do Mar Morto. Entendem, ainda, que essa abordagem também permite que esses documentos tenham um papel ainda maior em facilitar o entendimento sobre os primórdios do Cristianismo.

A descoberta dos Pergaminhos nos ofereceu a oportunidade de aprender muito não apenas sobre a seita de Qumran, mas também sobre outras seitas do período do Segundo Templo. Somente compreendendo a complexa dialética entre acordo e desacordo podemos traçar corretamente o panorama religioso da antiga Terra de Israel. Uma das várias conclusões do trabalho é que mesmo no contexto das inúmeras disputas entre os diferentes grupos judaicos à época, certos pontos básicos em comum caracterizam o Judaísmo.

A centralidade do estudo da Torá era comum a todas as seitas e, apesar das disputas entre fariseus, saduceus e a seita de Qumran, é importante esclarecer que a observância da lei dos sacrifícios, do Shabat, de pureza e de outras práticas haláchicas eram comuns aos judeus do período do Segundo Templo. Ademais, os Pergaminhos revelam a existência de um grande grau de continuidade entre o Judaísmo antes e após a destruição do Segundo Templo.

1A Paleografia estuda a origem, forma e evolução da escrita.

2 Alguns desses eventos têm várias versões, das mais realistas às mais fantasiosas.

3 Hoje, Instituto W.F. Albright de Pesquisa Arqueológica.

4O Papiro Nash, fragmento mais antigo do Tanach conhecido até então, contém o texto dos Dez Mandamentos e do Shemá Israel.

Bibliografia

Lawrence H. Schiffman, Qumran and Jerusalem: Studies in the Dead Sea Scrolls and the History of Judaism. Edição do Kindle.

Shanks, Hershel, The Mystery and Meaning of the Dead Sea Scrolls. Edição do Kindle.

Leonard, Cheryl, The Dead Sea Scrolls: Ancient Secrets Unveiled. Edição do Kindle.