A alguns quilômetros do Mar Morto estão as ruínas de Massada, onde ocorreu um dos mais dramáticos episódios da história judaica. Foi lá que, no ano 73 desta Era, 960 judeus optaram pelo Kidush Hashem, a morte em santificação do Nome Divino, à submissão a Roma.

Massada, palavra que em hebraico significa fortaleza, é um dos pontos turísticos mais visitados em Israel, apenas perdendo para Jerusalém. Sua beleza singular, que desponta em meio ao deserto da Judéia, aliada à força de seu passado, é apenas um dos elementos que atraem milhares de viajantes. A partir do século 20, o sítio arqueológico se tornou símbolo do heroísmo nacional judaico, exercendo um forte apelo à liberdade e à independência de Israel. Em 2001, a UNESCO designou Patrimônio Histórico da Humanidade o Parque Nacional de Massada, no qual estão as ruínas da fortaleza construída por Herodes, o Grande.

A aventura em Massada começa com a viagem em meio à maravilhosa paisagem pelo deserto da Judéia, margeado pelas dunas de areia e salinas do Mar Morto. Para chegar ao topo da montanha, pode-se usar um serviço de teleférico ou se aventurar pela trilha, também conhecida como Caminho da Serpente. Em algumas épocas do ano, principalmente durante o verão, há espetáculos noturnos, com luzes. Além das ruínas, o local abriga um museu, uma sala de exibição, uma loja de suvenires e um restaurante. O museu foi inaugurado em maio de 2007, em memória de Yigael Yadin, (V. página 35), arqueólogo israelense que dirigiu as expedições na década de 1960. Combinando artefatos arqueológicos e uma atmosfera teatral, com narrativas de áudio, o museu cria uma experiência única e inesquecível para os visitantes.

A fortaleza

Massada é uma fortaleza natural, com penhascos íngremes em um terreno acidentado. Na parte leste, a face do penhasco se eleva 400 m acima da planície circundante. As vertentes norte e sul são igualmente escarpadas, mas o lado oeste é mais facilmente alcançável. O platô de Massada tem o formato de um losango, com cerca de 600 m de comprimento e 300 m em sua parte mais larga.

Segundo o historiador Flávio Josefo1, Herodes construiu a fortaleza entre os anos 37-31 antes da Era Comum. Escolhido por Roma para ser rei da Judéia, não era benquisto pela população judaica e fez do lugar seu refúgio pessoal. Exímio construtor, fez erguer uma dupla muralha de pedra, com quatro portões e mais de 30 torres, com 140 m de extensão e quase 6 m de altura em alguns pontos, estendendo-se por todo o perímetro do platô.

O complexo da fortaleza incluía depósitos para guardar armas e alojar as tropas, enormes cisternas escavadas na pedra para coletar água da chuva, com capacidade para mais de 40 milhões de litros, armazéns, casas de banho, sinagogas e micvês, além de dois palácios com todo conforto e luxo para a época: pisos de mosaicos, afrescos e colunatas. Para vencer o clima quente e árido da região, os edifícios foram construídos com camadas de sólidas pedras de dolomita recobertas com gesso. Nada nas obras de Herodes era feito com descaso. Seu gosto pelo luxo e pela sofisticação, além da perfeição nos detalhes, era notório.

A face norte da montanha, que oferece uma paisagem fantástica, foi a escolhida por Herodes para erguer um dos dois palácios da fortaleza. Este possuía várias construções, como um centro administrativo e quarteirões residenciais para oficiais e suas famílias. Separados do restante do complexo por um muro, que garantia-lhes total privacidade e segurança, havia três terraços luxuosos interligados por uma escadaria. No superior, vários quartos serviam como alojamento e eram decorados com mosaicos pretos e brancos, em padrão geométrico. Tudo indica que os dois terraços inferiores eram usados como área de lazer, pois incluíam uma pequena casa de banho particular.

Ao longo das escavações realizadas na década de 1960 por Yigael Yadin cada novo achado foi desvendando a história de Massada. Entre as ruínas da fortaleza foram encontrados restos de uma ampla sinagoga, voltada para Jerusalém, incorporada à seção norte do muro da casamata. Encontraram-se vários indícios de que teria sido usada durante a Revolta Judaica. Nesse local havia uma placa com a inscrição hebraica Me'aser Cohen - Lugar do Sacerdote, além de fragmentos de duas Torot, partes de Deuteronômio e Ezequiel, escondidos em covas abaixo do chão de um pequeno recinto dentro da sinagoga. Esta construção é considerada o melhor exemplo da arquitetura das sinagogas anteriores à destruição do Templo de Jerusalém, em 70 desta Era. Ânforas, restos de armas - principalmente flechas, roupas e alimentos da época dos zelotes foram também descobertos nas ruínas da fortaleza durante as escavações, além de cartas em hebraico, moedas e shekhalim datados da época da 1ª Revolta Judaica. Despertou especial interesse entre os estudiosos uma ânfora usada para importação de vinho de Roma, com a inscrição "Para Herodes, Rei dos Judeus". A ânfora trazia também uma inscrição com o nome de C. Sentius Saturininus, cônsul durante o ano 19 a.E.C.

Duas micvês, ou piscinas para a imersão ritual de purificação judaica, foram também encontradas. Com emoção, Yadin recorda, em seu livro Massada, Última Fortaleza de Herodes e Última Posição dos Zelotes: "Estas micvês atestam que os defensores de Massada eram judeus devotos, pois que até aqui, na inóspita Massada, eles se deram ao árduo trabalho de construir esses banhos rituais em escrupulosa conformidade com as exigências da Lei judaica".

Antecedentes da tragédia

Com o início da 1ª Revolta Judaica, em 66 da nossa Era contra o Império Romano, um grupo de judeus conhecidos como sicários consegue tomar a fortaleza de Massada, então sob controle de uma guarnição romana. A Grande Revolta Judaica termina no ano 70 da Era Comum, com a destruição de Jerusalém e do Segundo Templo pelas tropas do imperador romano Vespasiano, comandadas por seu filho, Tito. Rebeldes zelotes e suas famílias que haviam conseguido se salvar da fúria romana procuram abrigo em Massada. Fazendo da fortaleza a sua base, realizam uma série de operações conjuntas contra os romanos.

A queda de Massada tornou-se uma questão de honra para Roma, que incumbe o general Lucius Flavius Silva, governador da Judéia e cônsul, de dar um fim à rebelião. À frente da 10ª Legião e de várias unidades de apoio, Flavius Silva marcha contra Massada. Lá no alto da montanha, os judeus resistiram durante quase três anos ao cerco da 10ª Legião.

Em torno de Massada, Flavius Silva construiu oito acampamentos de base, cujos restos podem ainda ser vistos, de maneira a acompanhar as atividades dos rebeldes. O general romano estabeleceu seu quartel-general em um dos acampamentos maiores, a noroeste da fortaleza. Sua primeira meta era impedir a fuga dos rebelados e, para isso, construiu uma muralha de três quilômetros de extensão e quase dois metros de espessura, circundando toda a montanha. O segundo objetivo era transpor a muralha defensiva, no alto da montanha, e assim penetrar na fortaleza. Sabia que um cerco prolongado era inconcebível, pois Massada tinha abundante reserva de água e provisões. Decide, então, construir uma rampa sobre a elevação natural na encosta oeste da fortaleza, que era a mais acessível. O plano inclinado foi concluído e a potente máquina de guerra romana entra em ação.

À medida que acompanhavam a movimentação no sopé da montanha, os zelotes sabiam que era uma questão de tempo para que o inimigo conseguisse alcançá-los. Além de um exército numeroso, os romanos dispunham de armas, munições, grandes catapultas e estrategistas de guerra. Ademais, estavam determinados a não permitir que um pequeno grupo de judeus desafiasse o poderio do maior império da época. Diante do lento e inevitável avanço dos romanos, crescia rapidamente entre os judeus a certeza de que o desfecho seria apenas um: escravidão e morte sob as armas dos inimigos - o mesmo destino do qual haviam fugido ao deixar Jerusalém.

Últimos suspiros de resistência

Ao compreender que os judeus de Massada viviam um dos últimos atos de sua epopéia, o líder Elazar ben Yair os reuniu. Disse-lhes não haver outra saída a não ser a morte Al Kidush Hashem, o suicídio para santificar o Nome do Eterno. "Antes morrer do que sermos escravizados por nossos inimigos. Deixaremos este mundo como homens livres", disse no discurso feito na última noite antes do ataque derradeiro.

Quando os romanos finalmente alcançaram a fortaleza e derrubaram suas muralhas, encontraram os corpos de 960 homens, mulheres e crianças. Haviam deixado intactas as provisões de água e alimentos, para que Roma tivesse a certeza de sua escolha pela morte à escravidão. Ademais, haviam incendiado a fortaleza.

A principal fonte de informações sobre os fatos relativos a Massada é a obra do historiador judeu Flávio Josefo, baseada no depoimento de uma sobrevivente. Segundo esta testemunha, mais seis pessoas conseguiram salvar-se - uma mulher e cinco crianças, que se esconderam durante o suicídio coletivo e, depois, dos romanos. Em seu livro Guerras dos Judeus, Josefo dedica amplo espaço ao episódio de Massada. Na obra, ele inclui parte do suposto discurso de Elazar ben Yair na fatídica noite: "De acordo com a decisão que tomamos, há muito tempo, de nunca servir aos romanos, nem a qualquer outro deus além do Todo Poderoso, somente Ele é o Verdadeiro e Justo Senhor da Humanidade, é chegado o momento que nos obriga a transformar nossa resolução em prática...Fomos os primeiros que se revoltaram (contra Roma) e somos os últimos que a combateram, e só posso considerar isto como um privilégio que o Eterno nos concedeu de decidir morrer bravamente e em liberdade...Vamos permitir que nossas esposas morram antes de serem violentadas e, nossos filhos, antes de provarem o gosto amargo da escravidão e, depois que os tivermos matado, vamos dar este glorioso benefício mutuamente, uns aos outros".

Ainda segundo o relato, Elazar teria então ordenado que todos os bens dos judeus, com exceção dos alimentos, fossem destruídos, "pois (a comida intacta) será testemunha de que ao morrer não estávamos passando necessidade. Mas que, de acordo com a nossa decisão original, preferimos morrer a ser escravizados".

Um encontro de emoções

Poucos são os lugares nos quais o passado foi resgatado com tanto realismo quanto em Massada. Os achados foram considerados extraordinários por estudiosos do mundo inteiro. O sítio foi inicialmente identificado em 1842, mas somente na década de 1960, quando das primeiras escavações na área por Yadin, foi revelada ao mundo, em toda a sua pungente dignidade, a história de um dos mais trágicos acontecimentos da história judaica da Antigüidade. O projeto foi resultado de uma parceria da Universidade Hebraica de Jerusalém com a Sociedade de Exploração de Israel e o Departamento de Antigüidades e Museus de Israel (atual Departamento de Antigüidades de Israel). Durante as escavações, Yadin explorou os restos dos acampamentos romanos, instalados no sopé da montanha, e a rampa construída para possibilitar a subida de suas máquinas de guerra até o topo do rochedo. Um dos momentos mais emocionantes de suas descobertas, segundo o próprio Yadin, foi quando se deparou, em frente ao palácio da ala norte, em meio a camadas de cinzas, com 11 pequenos fragmentos de cerâmica, ou óstracos, com nomes inscritos nos mesmos. Em um deles aparece o nome "ben Yair" e pode referir-se ao nome de Elazar ben Yair, líder dos judeus rebelados. Estudiosos acreditam que são os fragmentos de cerâmica com os quais os judeus podem ter sorteado qual dentre eles seria o último a morrer.

Nada melhor do que as próprias palavras de Yigael Yadin para descrever o a dramaticidade da descoberta em Massada: "Ficamos sem ação diante de uma descoberta difícil de ser descrita em termos arqueológicos, pois tal experiência não é freqüente nas escavações arqueológicas. Mesmo os mais veteranos e mais céticos entre nós ficaram paralisados, olhando estupefatos para o que tinha sido desenterrado; pois, ao fixar o olhar, revivíamos os momentos finais e mais trágicos do drama maior de Massada. Sobre os degraus que levavam à piscina de água fria e no chão, ali ao lado, jaziam os esqueletos de três pessoas. Um, de um homem de uns 20 anos - talvez um dos comandantes de Massada. Perto dele, encontramos centenas de escamas prateadas de armaduras, uma enorme quantidade de flechas, fragmentos de um talit e também um óstraco, ou fragmento de cerâmica com uma inscrição em letras hebraicas. Não muito distante dali, também nos degraus, jazia o esqueleto de uma mulher jovem, com o couro cabeludo intacto em virtude da extrema secura do ar. Seus cabelos escuros, lindamente trançados, pareciam ter sido penteados há pouco.... Ao seu lado, delicadas sandálias de mulher, ao gosto da época. O terceiro esqueleto era de uma criança. Não havia dúvida de que o que viam nossos olhos incrédulos eram os despojos de alguns dos valentes defensores de Massada".

Yadin concluiu: "Graças a Elazar ben Yair e seus camaradas e à sua heróica posição; graças ao fato de terem optado pela morte sobre a escravidão e a terem queimado seus humildes bens como derradeiro ato em desacato ao inimigo foi que eles conseguiram elevar Massada ao patamar de símbolo imorredouro da coragem desesperada - um símbolo que mobilizou os corações ao longo dos últimos 19 séculos. Foi isso o que levou estudiosos e leigos a subirem o caminho de Massada. Foi isso o que levou o moderno poeta hebreu a bradar: 'Massada não voltará a cair!'. É isso o que levou a juventude judaica de nossa geração, aos milhares, a ascender a seu topo em solene peregrinação. E é isso o que leva os recrutas das unidades blindadas das Forças de Defesa do moderno Israel a fazerem nas alturas de Massada seu juramento de lealdade. 'Massada não voltará a cair!'"

Bibliografia:

Yadin, Yigael, Naveh, Joseph, Meshorer, Yaacov, Masada: The Yigael Yadin Excavations 1963-1965, Final Reports, Biblical Archaeology Society, 1989

Shanks, Hershel, Yigael Yadin 1917-1984, Biblical Archaeology Review, set/out. 1984 publicado no site http://cojs.org/cojswiki http://www.mfa.gov.il