Foram três dias tão tensos e intensos, tão incertos e tão dramáticos – 12,13 e 14 de maio de 1948 – que pareceram ter sido um dia só. Foram as últimas 72 horas – quarta, quinta e sexta-feira - do domínio britânico na antiga Palestina que se estendera por 26 anos. Um período no qual os ingleses sempre estiveram empenhados em obstruir, através de força, a criação de um Estado Judeu.

Aqueles emblemáticos três dias começaram a ser fermentados já no início de 1948. Embora a partilha tivesse sido deliberada pelas Nações Unidas em novembro do ano anterior, o secretário de estado americano, George Marshall, insistia em se opor à divisão da Palestina. Argumentava que as posições de judeus, árabes e ingleses eram irreconciliáveis, o que certamente provocaria um conflito armado. Foi em meio a esse clima inamistoso que avultou na Casa Branca a figura de um jovem assessor da presidência chamado Clark Clifford. Sua primeira iniciativa foi redigir um memorando de crítica à posição do Departamento de Estado. Argumentou que tentar anular a partilha era simplesmente impensável. E mais: os Estados Unidos deveriam intervir junto aos países árabes para que aceitassem a resolução da ONU. Se houvesse recusa, seriam rotulados como agressores. Quanto à Inglaterra, que fechava os olhos para os ataques contra o ishuv (população judaica na então Palestina), esta deveria ser coagida pelas Nações Unidas a aceitar sem reservas os termos da partilha. Além disso, os Estados Unidos deveriam suspender o existente embargo de armas para o Oriente Médio porque somente dessa maneira haveria um equilíbrio de forças. Os países árabes hostis já estavam bem armados, porém o incipiente exército de Israel precisava equipar-se para a confrontação militar que decerto aconteceria. No final do memorando, escreveu que não se tratava de um simples apoio à causa judaica, mas do propósito de avaliar o que seria mais efetivo para os interesses estratégicos dos Estados Unidos.

Embora reservado, o teor do documento vazou para a imprensa, despertando grande otimismo na frente sionista. Mas, ao mesmo tempo, alimentou a ira do primeiro-ministro inglês, Clement Atlee, que redobrou o bloqueio aos abarrotados navios que conduziam milhares de sobreviventes do Holocausto com a esperança de fazê-los chegar à Terra de Israel.

Enquanto isso, a situação na então Palestina ia de mal a pior. Era preciso que os Estados Unidos fizessem uso de sua força política e, se preciso, militar, para que a partilha fosse de fato implementada. A Agência Judaica chegou à conclusão de que era imprescindível um novo encontro entre Truman e Chaim Weizmann, cientista de renome internacional e proeminente líder sionista, que era admirado e respeitado pelo presidente Truman.

Weizmann foi recebido no dia 19 de março e, em princípio, obteve a concordância de Truman no sentido de que fosse suspenso o embargo de armas e que a partilha seria intocável. No mês seguinte, Clifford chamou a atenção de Truman para as manobras contra a partilha que seguiam sendo feitas por Marshall. O presidente respondeu: “Eu sei o que Marshall pensa e Marshall sabe o que eu penso. Ele não vai conseguir mudar minha política”.

No dia 12 de abril, o judeu Eddie Jacobson, que fora sócio de Truman numa loja de gravatas na cidade de Independence, Missouri, foi à Casa Branca. Queria ouvir do próprio presidente como tinha sido o encontro com Weizmann e “jogou um verde”. Perguntou se, por hipótese, os Estados Unidos reconheceriam o Estado de Israel, cuja independência estava para ser proclamada em pouco mais de um mês. Truman disse: “Fique sabendo que sou inteiramente favorável a essa hipótese”.

Àquela altura, a liderança da Agência Judaica se dividia entre Washington e Jerusalém. Na capital americana, Moshe Sharett (ainda se assinava Shertok) conseguiu marcar uma audiência com George Marshall, no Departamento de Estado. Marshall, sempre intransigente com relação à partilha, recebeu-o com frieza e o mais conciso pragmatismo. Argumentou que seria uma insanidade o futuro Estado Judeu declarar a independência de forma tão abrupta. Enfatizou que antes ainda que o país fosse criado, seria invadido por exércitos bem treinados e armados do Egito e da Transjordânia, incluindo a Legião Árabe, considerada uma tropa de elite no Oriente Médio. Insistiu que os líderes do movimento sionista não tinham o direito de colocar em risco a vida de seus compatriotas na Palestina, território que estaria fatalmente sob disputa. Sharett saiu impressionado da reunião. Telegrafou sob código para Ben Gurion, aconselhando que a proclamação da independência devesse ser reconsiderada, mas sem especificar uma data.

Sharett regressou a Tel Aviv no dia 11 de maio, três dias antes do término do mandato britânico. Embora não fosse de seu hábito, Ben Gurion foi esperá-lo no aeroporto. Antes que os repórteres cercassem Sharett, agarrou-o pelo braço e levou-o para um pequeno aposento na área da alfândega. Com agressiva persuasão, fez com que Sharett prometesse que não diria uma só palavra, nem em público e nem em particular, sobre a possibilidade de a independência ser reconsiderada ou adiada. Sharett concordou, mas fez questão de que a questão fosse discutida no dia seguinte, na reunião do Conselho Nacional Judaico, embrião do subsequente governo provisório.

O historiador Martin Kramer julga que este episódio no aeroporto é tão insólito que chega a ter contornos bíblicos e a ponto de colocar em dúvida a sua veracidade. A rigor, o encontro entre Sharett e Marshall apresentou dúvidas sobre a sua essência durante um bom par de anos. Contudo, documentos e depoimentos mostram que, dias antes da reunião, Sharett já havia escrito a Marshall sobre a firme resolução da liderança sionista de declarar a independência. Por que, então, o pessimista telegrama que enviara a Ben Gurion? Nove anos depois, em suas memórias, Sharett escreveu que se vira na obrigação de transmitir, por mais frustrante que fosse, o conteúdo de sua reunião com Marshall.

No dia 12 de maio, antevéspera da independência, o ishuv estava em convulsão de norte a sul do território designado para ser o futuro estado. Milícias palestinas atacavam os kibutzim e moshavim (colônias agrícolas coletivas), além de bloquear o acesso às principais cidades. Estações de rádio do Egito e da Transjordânia exortavam os palestinos a abandonarem suas casas e pertences com a certeza de que voltariam uma semana depois para assassinar e saquear os judeus. A partir da Galileia, onde havia grande população árabe, a queda de Haifa parecia inevitável. Em Tel Aviv, os membros do Conselho Nacional se encontraram no dia 12 para uma reunião que se prolongaria por treze horas. Ao longo dos últimos 71 anos, há um acúmulo de narrativas, muitas vezes controversas, sobre o que de fato aconteceu durante aqueles 780 minutos de discussões.

O relato mais consistente e confiável é da autoria de Zeev Sharef, uma pessoa de imenso valor, cujo nome o tempo injustamente apagou. Contando com a ajuda de duas estenógrafas, Sharef teve a iniciativa de registrar todos os momentos das reuniões de cúpula dos dias 11 e 12 de maio. Funcionário graduado da Agência Judaica, dotado de exemplar senso de organização, foi um homem da total confiança de Ben Gurion, que o nomeou secretário do gabinete governamental logo depois da independência, posto que conservou durante nove anos. Em 1960, foi nomeado ministro do comércio e indústria.

As transcrições de Sharef resultaram num livro chamado Three Days (Três Dias), publicado primeiro em Israel e, em 1962, nos Estados Unidos. O livro, além de ser um insubstituível registro histórico, contém um pormenorizado diário de Sharef sobre os últimos três dias do mandato. Suas anotações são objetivas e despretensiosas, sem tomar partido quanto às diferentes correntes políticas do movimento sionista, mas sempre exaltando a absoluta liderança exercida naqueles dias por David Ben Gurion. No decorrer da primeira reunião, os argumentos dos 13 participantes foram sendo expostos de forma um tanto tumultuada à medida que diferentes assuntos eram abordados.

O próprio Ben Gurion, que sabia aonde e como pretendia lá chegar, acabou sendo envolvido pelos sucessivos desentendimentos e, com frequência, por algumas posições radicais. Um dos pontos altos dessa reunião foi o relatório apresentado por Golda Meir a respeito da conferência que havia mantido com o rei Abdulah, da Transjordânia, no dia anterior. Golda já conhecia o monarca, com quem tinha se encontrado antes da votação da partilha na localidade de Naharaim, na margem do rio Jordão. Nessa ocasião, Abdulah disse a Golda que não era contrário à partilha porque temia que um estado palestino viesse a ser dominado por El Husseini, o Mufti de Jerusalém, seu inimigo de décadas, portanto até seria capaz de avalizar o ideal sionista. Agora, seis meses depois daquela surpreendente conversa, Golda tinha viajado para a Transjordânia, disfarçada com trajes árabes femininos, acompanhada por Ezra Danin, oficial de inteligência da Haganá (braço militar clandestino da Agência Judaica). Relatou ao Conselho Nacional, já rebatizado como Conselho do Povo, que o rei Abdulah levantara dois pontos essenciais. Primeiro: não tinha condições de impedir a invasão do futuro Estado Judeu pelos países árabes. Segundo: sentia muito desfazer o acertado no rio Jordão porque lhe era impossível agir de forma independente, tanto que tinha sido coagido a permitir que o exército do Iraque atravessasse seu território, rumo à conquista de Jerusalém. Em seguida, argumentou que os sionistas deveriam abdicar da pressa em instituir uma nação. Sugeriu que deveriam esperar mais alguns anos, porque isso não faria a menor diferença. O mais importante, sob seu ponto de vista, era os sionistas terem como prioridade o combate aos embargos referentes à acolhida de novos imigrantes. Sugeriu mais: que toda a Palestina se rendesse ao seu próprio domínio real, com a garantia da participação de representantes do ishuv no parlamento de sua monarquia constitucional. Ou seja, qualquer tipo de relacionamento com Abdulah, conforme Golda havia declinado, devia ser encerrado em caráter definitivo.

A propósito do encontro com o rei, Golda escreveu em sua autobiografia: “E então Abdulah entrou. Estava muito pálido e parecia sob grande tensão. Ezra serviu de intérprete e falamos durante aproximadamente uma hora. Iniciei a conversação abordando logo o assunto. Apesar de tudo, está quebrando a promessa que me fez? – perguntei-lhe. Não respondeu diretamente à minha indagação. Em vez disso, falou: “Quando fiz aquela promessa, pensei que estava controlando meu próprio destino e que poderia fazer o que achava certo. De então para cá, porém, aprendi que a coisa era outra”. Prosseguiu que antes estivera só, mas agora “sou um dentre cinco”, os outros quatro, presumimos, sendo Egito, Síria, Líbano e Iraque. “Não obstante, achava que a guerra podia ser evitada”.

Sharett tomou a palavra para relatar sobre sua reunião com George Marshall. Foi fiel ao descrever a intransigência do secretário de estado e sua ferrenha oposição à existência de um estado judeu, a par da ameaça de que o ishuv seria literalmente aniquilado pelos exércitos árabes. Os membros do Conselho ouviram-no em absoluto silêncio. A angústia era generalizada e evidente. Sharett prosseguiu, dizendo que havia conversando com muita gente influente em Washington, inclusive altos funcionários da Casa Branca e do Departamento de Estado. Todos lhe disseram que a democracia americana tinha suas peculiaridades e que, apesar do grande peso que possuía, quaisquer palavras do secretário não poderiam ser tomadas como definitivas quando se tratava de uma importante resolução do governo. Acrescentou que permanecia otimista quanto à posição americana e que o mais importante, naquele momento, era que a população judaica não cedesse ao medo e se preparasse para enfrentar o que viesse.

A palavra seguinte coube a Ygal Susenik (depois Yadin), que viria a ser o segundo chefe do estado-maior das forças armadas de Israel, nomeado em 1949. Nascido em Jerusalém, Yadin começou a subir os degraus da Haganá com 16 anos, até chegar à condição de segundo homem do exército clandestino. Obstinado em suas convicções, se desentendeu com o comandante geral, Itzhak Sadeh, e foi se dedicar aos estudos na Universidade Hebraica. Um mês antes do fim do mandato, Ben Gurion mandou chamá-lo e o incumbiu da coordenação das operações militares, enorme responsabilidade para um rapaz de apenas 31 anos de idade. Seu relato ao Conselho começou de forma terrível. A Legião Árabe começara a invasão do território demarcado pela partilha com colunas de tanques e mil e quinhentos homens. Forçou a rendição dos assentamentos judeus na região de Kfar Etzion, matando os habitantes de quatro kibutzim e assassinando a sangue-frio dezenas de prisioneiros. Em seguida, a Legião Árabe bloqueou a estrada que ligava Tel Aviv a Jerusalém, depois de derrotar a Haganá na localidade de Gush Etzion. Assim, Jerusalém ficou isolada, sem poder receber combustíveis ou suprimentos de qualquer natureza.

Yadin enfatizou que a perspectiva de o ishuv ser invadido por três ou quatro exércitos árabes (na verdade foram seis) era uma realidade iminente, mas ponderou que seria viável considerar as forças judaicas em situação de igualdade com relação às tropas inimigas. Disse, ainda, que conforme informações do pessoal da inteligência, os árabes julgavam que obteriam uma fácil vitória desde o início das hostilidades, mas se tudo não corresse conforme pretendiam, fariam uso de todos os seus recursos e teriam óbvia vantagem no conflito. Ben Gurion perguntou sua opinião sobre a possibilidade de o Conselho, sob o ponto de vista militar, pedir uma trégua de forma unilateral, apesar de tal iniciativa sinalizar uma condição de fraqueza. Yadin respondeu que uma trégua seria aconselhável, mas que, a rigor, representaria apenas um ganho de tempo e que esse ganho, embora útil para fortalecer as tropas, seria absorvido rapidamente pelo próprio tempo até que chegasse a hora do confronto. Ben Gurion bateu o martelo, dizendo que a situação devia ser encarada tal como se apresentava, que a resistência e a vitória final seriam difíceis, mas não impossíveis.

Apesar do encorajamento de Ben Gurion, o Conselho estava praticamente em estado de choque pela análise de Yadin e por causa da frágil situação em Jerusalém, que já datava de alguns meses. No dia 22 de fevereiro, às seis e dez de uma chuvosa manhã, o centro da cidade nova de Jerusalém foi abalado por tremenda explosão. Três caminhões carregados de dinamite, estacionados diante de um edifício de apartamentos da rua Ben Yehuda, explodiram pouco depois de abandonados por seus motoristas. Vários prédios residenciais foram destruídos, provocando 52 mortos e 123 feridos. Semanas depois, ainda antes do bloqueio, chegava a Jerusalém um grande comboio de 294 caminhões. Este, porém, teve sua retaguarda atacada pelos árabes em Wad El Wuab, sofrendo severas baixas: seis mortos, 24 feridos e 36 caminhões destruídos ou danificados.

Naquele mesmo dia 11 de maio, em uma assembleia do senado egípcio, o primeiro-ministro An-Nukrashi obteve aprovação unânime para a invasão da Palestina. Na ocasião, o líder egípcio citou a opinião de peritos britânicos no sentido de que os sionistas estariam definitivamente derrotados dentro de, no máximo, duas semanas. Essa declaração tão assertiva fez com que os demais países árabes logo aderissem ao plano de invasão.

Em Tel Aviv, o Conselho do Povo, então com dez componentes (três tiveram que se ausentar para inadiáveis missões), voltou a se reunir após breve refeição. Ben Gurion retomou a palavra no mesmo tom com que a havia interrompido. Pediu que descartassem sua precipitada ideia referente à trégua. Disse que ainda ocorreriam muitas batalhas e que derrotas como a de Gush Etzion eram previsíveis. Aduziu que o país a ser criado, além das armas e equipamentos militares que já possuía, contava com um fator inexistente nos inimigos: a determinação e a combatividade de todo o ishuv. Completou: “A vitória só depende de nós e nós a conquistaremos”. Porém, como a questão da trégua fora levantada, era necessário que os demais conselheiros opinassem a respeito. Foi Sharef quem pediu que aqueles favoráveis à trégua levantassem a mão. Contagem: seis a quatro, contra a trégua. A votação indicara que dentro de dois dias a independência seria declarada. Essa votação ficou consagrada como a história oficial e ratificada por três autores diferentes que escreveram biografias de Ben Gurion. Entretanto, Zeev Tzachor, secretário particular de Ben Gurion e mais tarde consagrado historiador, escreveu que, na volta do almoço, os dez membros do conselho, à exceção de Ben Gurion, estavam muito propensos a aderir à tese da trégua.

Quatro dos contrários conseguiram, a muito custo, convencer outros dois a rejeitarem a trégua, embora os quatro favoráveis insistissem que, afinal de contas, uma trégua atenderia à formulação de Marshall para Sharett. Seguiram-se debates sobre outros assuntos, mas os mais importantes ficaram para o dia seguinte: a fixação da data para a proclamação e os respectivos termos. Em suas memórias, Ben Gurion escreveu: “Foram os votos mais importantes da nossa história. Foram os votos que decidiram que a nossa independência seria logo anunciada”. O historiador Daniel Gordis interpretou a votação sobre a trégua com a grandiosidade das Escrituras. Escreveu que Ben Gurion se comportara como um verdadeiro Moisés, transmitindo confiança ao seu povo e convocando-o para superar todos os desafios, rumo à liberdade.

O dia 13 de maio começou com duas más notícias e uma boa para o ishuv, em geral, e para os membros do Conselho em particular. A rigor, a partir daquele instante, o Conselho já podia ser considerado o governo provisório. O primeiro-ministro da Síria, Jamil Mardam Bey, tinha anunciado nas primeiras horas da manhã que seu país se alinhara às demais nações árabes para fortalecer a invasão do Estado Judeu. Horas depois, o Líbano fez igual anúncio. Isto fez com que os estrategistas da Haganá tivessem que mudar seus planos de alto a baixo. Até então calculavam que seus maiores enfrentamentos seriam contra o Egito, no sul, e contra a Legião Árabe, a oeste. Um ataque da Síria e do Líbano implicava em reformular todas as ações ao norte em curtíssimo espaço de tempo. Entretanto, a boa notícia dava conta de que a cidade portuária de Jaffa, colada a Tel Aviv, de total maioria palestina, se havia rendido à Haganá.

Nessa mesma reunião, Moshe Sharett comunicou ao Conselho que a França e a Inglaterra haviam proposto um armistício. Aceitá-lo significaria abrir mão da criação de um estado soberano. Não aceitar seus termos poderia criar uma difícil situação internacional. Ben Gurion foi firme: “É pelas armas que resolveremos este problema”. A proposta de armistício foi colocada em votação no Conselho, que já estava completo: seis contra, quatro a favor e três abstenções.

Na reunião do dia 13, constavam da agenda duas importantes questões: o teor da declaração da independência e a data em que deveria ser proclamada. Na verdade, no dia 12 de abril, durante uma reunião da Agência Judaica, já fora decidida a data de 15 de maio. Naquela ocasião, a palavra final coube a Zalman Rubashov (depois Shazar, terceiro presidente de Israel), com sua voz de trovão: “Declaro perante os altos representantes do executivo da Agência Judaica e da Organização Sionista Mundial que a independência política do povo judeu será decretada na pátria dos nossos ancestrais, no próximo mês, o mais tardar no dia 16”. Agora, Ben Gurion propunha que fosse antecipada por um dia, justificando que o anúncio da independência judaica, no mesmo dia em que os mandatários se retiravam, tinha grande valor histórico e simbólico. A aprovação da nova data foi unânime. Assim como foi unânime, após algumas sugestões serem descartadas, o nome que seria designado à nação judaica: Estado de Israel.

Quando o conteúdo da declaração de independência ia começar a ser discutido, alguém indagou como o documento definiria as fronteiras do novo país. Ben Gurion respondeu que tal definição seria precipitada porque, em função das próximas ações militares, o traçado da partilha seria fatalmente modificado e poderia tanto resultar na perda como no ganho de porções de territórios. A reação contrária chegou a ser furiosa. Alguns membros do Conselho disseram que sem o enunciado das fronteiras o país a ser criado não teria legitimidade perante o mundo. Ben Gurion sugeriu uma alternativa: o texto diria que as fronteiras se situariam no contexto do traçado de partilha aprovado pelas Nações Unidas. Dessa maneira, explicou, não poderia prevalecer uma desaprovação internacional. Não bastou. Membros do Conselho continuaram insistindo na definição das fronteiras. Ben Gurion acrescentou à discussão um argumento irrespondível: “Leiam a declaração de independência dos Estados Unidos. Vejam se há uma só menção à questão das fronteiras”. Mesmo assim, como se tratava de um assunto de importância capital, decidiu colocá-lo em votação. A maioria do Conselho ficou a seu favor. Quanto ao texto da declaração, foi decidido que este seria redigido por uma comissão coordenada por Moshe Sharett, a ser submetida ao Conselho no dia seguinte.

Na manhã do dia 14, o Presidente Truman e seus principais assessores discutiam na Casa Branca os passos que deveriam ser tomados caso os judeus insistissem em declarar sua independência no dia 15, conforme já anunciado. Clark Clifford continuava empenhado em convencer o presidente Truman a reconhecer o futuro estado judaico, embora não estivessem definidos nem o seu nome nem suas fronteiras. Clifford acentuou que o apoio à causa sionista seria de valor para o Partido Democrata americano no tocante à influência judaica com vistas às eleições presidenciais que aconteceriam em novembro. O secretário Marshall explodiu: “Senhor Presidente, eu pensei que esta reunião fosse para resolver um intrincado problema de política internacional e nem sei o que o Clifford está fazendo aqui!” Truman respondeu fleumático: “Ele está aqui porque eu o convoquei”. Harry Truman viria a reconhecer o Estado de Israel poucas horas depois da proclamação da independência.

Este dia assim ficou assinalado nas memórias de Golda Meir: “Fui direto ao centro da mesa onde Ben Gurion e Sharett estavam sentados com o pergaminho entre eles. Quanto ao momento em que coloquei a minha assinatura, só lembro de estar chorando, incapaz até de enxugar as lágrimas do meu rosto, e que enquanto Sharett segurava o pergaminho para que eu o assinasse, se aproximou de mim um homem do partido religioso e tentou me acalmar: “Por que está chorando tanto, Golda? – perguntou. Respondi: porque me parte o coração pensar em todos aqueles que deviam estar aqui hoje e não estão. “Mas, ainda assim, não consegui parar de chorar”.  

BIBLIOGRAFIA

Radosh, Allis e Ronald, A Safe Haven, Harry S. Truman and the Founding of Israel, Harper, EUA, 2009.

Kramer, Martin, site Mosaic, abril 2018, EUA

Sharef, Zeev, Three Days, Doubleday&Company, EUA, 1962.

Lissovsy, Alexandre, Dois Mil Anos Depois, Editira Lux, 1967, Brasil

Meir, Golda, Minha Vida, Bloch Editores, 1976, Brasil

 

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.