O povo judeu fez uma tormentosa caminhada através do exílio até reconquistar sua soberania. Esta marcha culminou com o triunfo de Herzl no Primeiro Congresso Sionista, em 1897, ao qual se seguiram três eventos decisivos: a Declaração Balfour, em 1917, o relatório da Comissão Peel, em 1937, e a Partilha da Palestina sob Mandato Britânico, em 1947.

Na primeira década do século 20 a Inglaterra abrigava cerca de 200 mil imigrantes judeus. Este número expressivo se devia ao fato desse país manter uma condição de liberdade religiosa aliada a uma perspectiva de ascensão econômica e social que seduzia o continente. Os imigrantes judeus provenientes da Europa Oriental, notadamente da Rússia e da Polônia, trabalhavam como operários ou pequenos comerciantes nas cidades de Manchester, Leeds e Londres, onde se concentravam num bairro do East End. Quando começou a 1ª Guerra Mundial, em 1914, 50 mil judeus se alistaram no exército britânico, 10 mil dos quais morreram em combate.

O judeu Chaim Weizmann era uma exceção à regra entre os imigrantes. Nascido em 1874 na Bielorrússia, tinha conseguido sair de sua aldeia, Motol, para estudar química, primeiro na Alemanha e depois na Suíça, onde obteve o doutorado. Emigrou para a Inglaterra em 1904, passando a lecionar na Universidade de Manchester. Àquela altura já era atuante no movimento sionista. Seguia um conceito do próprio Herzl segundo o qual a questão judaica deveria ser inserida no âmbito de uma conjuntura internacional, tanto assim que Herzl havia tentado, sem sucesso, obter apoio como o do sultão do Império Turco Otomano, do Kaiser da Alemanha e do mais influente ministro da Rússia imperial. Chaim Weizmann estava convencido de que o ideal sionista só poderia ser alcançado através do apoio do Império Britânico, a superpotência da época.

Weizmann era um cientista respeitado na Inglaterra porque tinha feito uma importante contribuição a seu esforço de guerra ao desenvolver um tipo de acetona que otimizava a capacidade do arsenal bélico da marinha de Sua Majestade. Manteve incontáveis reuniões com os líderes do governo e da oposição do império, aos quais apresentava uma argumentação de caráter geopolítico: era de suma importância que a Inglaterra mantivesse o controle do Canal de Suez, inaugurado em 1869, para garantir a viabilidade de seu comércio exterior e o caminho para a Índia. Portanto, a existência de um estado judeu no Oriente Médio, próximo ao canal e aliado dos britânicos, asseguraria esse domínio estratégico. Nas altas esferas britânicas, Weizmann era favorecido por sua postura pessoal. Era um homem culto e refinado, profundo conhecedor da história, um judeu diferente dos estereótipos. Um parlamentar da época, Richard Crossman, assim o descreveu: “Ele possui o fanatismo de Lenin e o charme sofisticado de Disraeli”.

Na qualidade de porta-voz do movimento sionista na Inglaterra, Weizmann foi bem recebido por um dos mais destacados membros do Partido Conservador, o judeu Lorde Lionel Walter Rothschild (1888-1937), que o apresentou a Lorde James Arthur Balfour (1848-1930), que havia sido primeiro-ministro do império e então ocupava o cargo de Secretário de Estado de Assuntos Estrangeiros. Este último ficou sensibilizado com a solicitação de Weizmann para que o Império Britânico emitisse um comunicado no qual declararia apoio à existência de uma pátria judaica. Ao longo de sua argumentação, Weizmann repetiu de forma insistente a palavra “restituição” para enfatizar que os judeus não pretendiam se apoderar de um território alheio, mas obter de volta aquilo que historicamente lhes pertencia. Enfatizou que a questão judaica era uma questão que se inscrevia na consciência moral da humanidade, insistindo com frequência nessa expressão. Lorde Balfour prometeu que levaria o assunto à consideração do monarca George V.

A audiência de Weizmann com Lorde Balfour vazou para a imprensa e chegou à rua judaica, provocando controvérsias. Em sua autobiografia, Weizmann escreve sobre o choque que lhe causou a atitude em alguns círculos judaicos que se opunham ao Sionismo, invocando que os judeus eram bem acolhidos na Inglaterra e que deveriam contribuir para a grandeza e glória do império através de sólida e crescente integração com a sociedade britânica.

De posse da aquiescência do rei, Lorde Balfour disse que o governo não poderia emitir um documento oficial, mas lhe enviaria uma carta informal de modo a atender o pedido tal como formulado. Weizmann respondeu julgar mais apropriado que a correspondência fosse enviada a Lorde Rothschild em função de sua proeminência junto à comunidade judaica. Assim, no dia 2 de novembro de 1917, o líder sionista recebeu a carta que entrou para a história como a Declaração Balfour.

“Caro Lorde Rothschild,

Tenho o prazer de endereçar a V.S., em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia quanto às aspirações sionistas, declaração submetida ao Gabinete e por ele aprovada. O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um Lar Nacional para o povo judeu e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país. Desde já sou extremamente grato a V.S. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.

(a) Arthur James Balfour”.

Na noite do dia 2 de novembro, Chaim Weizmann reuniu um grupo de amigos no seu apartamento, em Chelsea, para celebrar a Declaração. O grupo brindou, começou a entoar uma canção chassídica (própria dos ortodoxos) e, em seguida, passou a dançar. Longe dali, no East End de Londres, milhares de judeus dançavam nas ruas. Anos depois, Weizmann escreveu em suas memórias: “Não era o que eu esperava, mas foi um grande ponto de partida”. A rigor, apesar de seu conteúdo vago e superficial, a Declaração foi de fato o primeiro passo objetivo para materializar a aspiração expressa no Primeiro Congresso Mundial Sionista, realizado 20 anos antes, na Suíça: a reconstrução de um Lar Nacional Judaico. Logo surgiram controvérsias sobre a carta de Balfour. A Declaração se tornou a origem de uma polêmica que jamais arrefeceu, a ponto de perdurar por mais de cem anos desde a sua assinatura.

O escritor judeu Arthur Koestler, que era sionista e depois optou por outra convicção, escreveu na ocasião: “Trata-se de um dos documentos políticos mais improváveis de todos os tempos, no qual uma nação prometeu a uma segunda nação o território de uma terceira”. Esta afirmação engenhosa vem sendo repetida desde então. Embora a Declaração Balfour tivesse sido improvável e emitida a despeito de todas as formalidades governamentais e diplomáticas, a conceituação de Koestler se tornou inócua em face das realidades da época. A diáspora judaica ainda era elusiva como nação e o território em questão, a Palestina, longe de ser uma nação, era parte do império otomano. Isto, sem falar que cinco anos depois a Palestina estaria sob um mandato que a incorporaria ao império inglês.

No filtro da história, todos os méritos pela obtenção da Declaração Balfour convergiram para Chaim Weizmann, o que corresponde a uma solidificada injustiça a Nahum Sokolov, que atuou como um dos principais articuladores da Declaração.Entretanto, mesmo hoje em Israel, em cada 10 pessoas talvez uma, mais idosa, saiba de quem se trata. Sokolov soa vagamente familiar porque seu nome está em ruas de algumas cidades do país e também porque se refere ao centro de imprensa de Tel Aviv, o Beit Sokolov.

Nahum Sokolov nasceu no shtetl (aldeia) de Visrogod, localizada no centro da Polônia, onde, como todas as crianças, recebeu educação estritamente religiosa. No entanto, ao contrário das demais, desde a adolescência foi atraído pelo mundo secular. Estudou russo, inglês, francês e alemão, por conta própria, impressionando os conterrâneos tanto pela fluência nesses idiomas como pelo sólido conhecimento de história judaica, história universal e literatura. Era um indiscutível prodígio.

Sokolov se mudou para Varsóvia em 1880. Trabalhou como editor de um jornal publicado em hebraico, primeiro semanal e depois diário, chamado Hassefirah, engajado no movimento Chovevei Tzion, precursor do Sionismo. Em 1897, na qualidade de correspondente do jornal, cobriu na Basileia o Primeiro Congresso Sionista Mundial. Aproximou-se de Theodor Herzl, cujo romance Altneuland (Nova Velha Pátria, em alemão) traduziu para o hebraico, com o título Tel Aviv, antes da fundação da cidade com o mesmo nome. Em 1906, assumiu o posto de secretário-geral da Organização Sionista Mundial, que era alvo de disputas internas desde a morte de Herzl, dois anos antes. Foi nessa qualidade que passou a atuar como emissário diplomático do Sionismo, embora tal função não fosse oficialmente reconhecida e mesmo porque não podia se apresentar como embaixador de um país que não existia. Assim percorreu a maior parte da Europa e rumou até a Turquia, onde retomou os contatos feitos anos antes por Herzl junto às autoridades turcas. Por onde passou, deixou a imagem de um impecável cavalheiro, com postura aristocrática e imbatível poder de persuasão.

Em 1913, Nahum Sokolov viajou para os Estados Unidos onde fez amizade com o juiz Louis D. Brandeis, que aderiu à causa sionista e viria a ser nomeado para a Suprema Corte do país. Foi através do rabino Stephen Wise, de origem húngara, conselheiro informal do presidente Woodrow Wilson, que Brandeis passou a ser recebido na Casa Branca, tendo o movimento sionista como tema central de suas conversas com o presidente. Anos mais tarde, Wilson traria o apoio dos Estados Unidos à Declaração Balfour, dando ao documento um peso político mais consistente por se tratar da aprovação de outra grande potência. A propósito, Weizmann escreveu anos mais tarde: “Sokolov foi o nosso Colombo que descobriu Brandeis”.

Em 1914, logo após o início da 1ª Guerra Mundial, convencido de que os destinos do mundo e da causa sionista dependeriam do destino do Império Britânico, radicou-se em Londres onde logo foi acolhido pelo círculo íntimo de Chaim Weizmann, mais jovem do que ele. Na verdade, àquela altura Sokolov era até mais conhecido do que Weizmann pela massa judaica por causa de sua intensa e ininterrupta atuação como jornalista. Enquanto Weizmann percorria os luxuosos salões do império, Sokolov assumiu uma missão crucial, paralela à obtenção de uma possível carta a ser assinada por Lorde Balfour: o reconhecimento de outros países à iniciativa da criação de um Lar Nacional Judaico na Palestina Otomana. Em maio de 1917, apesar dos obstáculos da guerra, viajou para Paris e Roma, obtendo manifestações de simpatia ao Sionismo por parte dos governos da França, da Itália e do Vaticano, na pessoa do Papa Bento XV. A missão em Paris foi um êxito notável. Sokolov recebeu uma carta de próprio punho de Jules Cambon, chefe do Ministério dos Negócios Exteriores, cujo conteúdo assertivo foi surpreendente. Cambon de início se referiu à necessidade de serem resguardados os locais sagrados da Palestina e concluiu: “De fato seria um ato de justiça e reparação a renascença da nacionalidade judaica na terra da qual o povo de Israel foi expulso há tantos séculos. Assim como a França entrou na presente guerra para defender um povo injustamente atacado, devotamos simpatia à sua causa, cujo triunfo se incorpora ao dos Aliados. Fico feliz por poder através desta lhe dar essa garantia”.

Esta carta, inserida na história como a Carta Cambon, jamais foi publicada. Porém Weizmann repassou seus termos para os governantes britânicos, chamando particular atenção para duas palavras de Cambon: reparação e renascença. Além desta carta, Weizmann pode exibir outra, assinada por Bento XV, na qual o pontífice escreve que o retorno dos judeus à Palestina “é providencial conforme a vontade de D’us”. Os historiadores do século 20 concordam que a Carta Cambon foi uma conquista pessoal de Nahum Sokolov, decisiva para a emissão da Declaração Balfour.

Pouco mais de um ano após a emissão da Declaração, Sokolov assumiu a chefia da delegação judaica, admitida como observadora na Conferência de Paz de Paris, em fevereiro de 1919. Em 1920, tornou a brilhar como delegado-observador à Conferência de San Remo, na qual a Liga das Nações ratificou o tratado que conferiu ao Império Britânico o mandato na Palestina. Nos anos seguintes, assumiu a secretaria-executiva da Organização Sionista Mundial e, em seguida, sua presidência. Nahum Samuel Ben Yossef Sokolov morreu em Londres, no dia 17 de maio de 1936. Seus restos mortais foram trasladados vinte anos depois para o monte Herzl, em Jerusalém.

Por coincidência, no mesmo mês e ano da morte de Sokolov, o movimento sionista se defrontou com uma iniciativa impactante dos mandatários ingleses, destinada a conter os sucessivos conflitos entre árabes e pioneiros judeus. Os conflitos tinham em seu rastro um massacre perpetrado em 1929 por milícias árabes que vitimou centenas de judeus nas cidades de Jerusalém, Hebron e Safed. Esses choques foram agravados por uma greve geral, ordenada pelo Mufti de Jerusalém, líder máximo dos muçulmanos, cujas milícias sabotaram ferrovias, bloquearam estradas e instalações telefônicas, incendiaram plantações e propriedades pertencentes ao Ishuv (judeus residentes no território sob mandato), além de atacarem militares ingleses em operações de guerrilha.

Para encontrar condições de restabelecer a ordem foi instituída em Londres a Comissão Peel, assim nomeada por ter a chefia confiada ao Lorde William Peel, importante político e empresário britânico. A Comissão chegou à Palestina sob Mandato Britânico em novembro, já ciente de um comunicado emitido pelo Mufti segundo o qual os árabes não prestariam à Comissão qualquer forma de colaboração. O Ishuv e o movimento sionista tiveram uma reação oposta. Foi elaborado, para ser entregue à Comissão, um extenso relatório. Primeiro, uma dissertação de caráter histórico, evidenciando a presença judaica naquele território desde a antiguidade. A seguir, uma relação dos sucessos ali obtidos pelos judeus desde o início do século sobretudo na criação dos kibutzim (colônias agrícolas coletivas) e na recuperação de vastas áreas até então desertas. No final, foi acrescentado um eloquente capítulo chamando a atenção para o fato de o partido nazista ter assumido o poder na Alemanha, constituindo grave ameaça para os judeus.

Entre novembro de 1936 e fevereiro de 1937, David Ben-Gurion, Chaim Weizmann e Zeev Jabotinsky, os mais proeminentes líderes sionistas, prestaram depoimentos perante a Comissão Peel e outras autoridades britânicas. Ben-Gurion, em Jerusalém, foi o mais enfático: “Nossos direitos nesta terra não têm como origem o Mandato Britânico, nem a Declaração Balfour de 20 anos atrás. Nossos direitos decorrem da Bíblia que nós mesmos escrevemos, em nosso próprio idioma”. Jabotinsky falou perante a Câmara dos Comuns, que teve a galeria lotada, além de uma vigília de milhares de judeus em torno do prédio. Weizmann prestou depoimento ao gabinete, cujos membros se impressionaram quando ouviram que a Grã-Bretanha não deveria ser aliada do Mufti de Jerusalém, notório entusiasta do nazismo. Em face da positiva repercussão internacional dos três depoimentos, o Mufti reconsiderou sua obstrução. Emitiu uma declaração na qual ressaltou que os termos da Declaração Balfour deveriam ser invalidados porque haviam sido obtidos “por pressão dos judeus que pretendem reconstruir o templo de Salomão em nossas sagradas propriedades”. Finalizou: “A Palestina está plenamente ocupada e nela não há lugar para dois povos”.

No dia 7 de julho de 1937, a Comissão Peel divulgou seu relatório constante de 435 páginas. O documento acentuou principalmente o desenvolvimento que os judeus haviam conferido à Palestina graças a um grande afluxo de capitais. A par da revolução agrícola, o relatório fez menção aos hospitais construídos por judeus que também beneficiavam a população árabe, sobretudo no tratamento da malária. O relatório causou espanto ao afirmar que o maior problema não eram os ataques dos árabes contra os judeus, mas dos árabes contra setores árabes que se opunham à tirania do Mufti. Concluiu com outra afirmação inusitada: o nacionalismo árabe, em vez de fomentar pontos positivos, só tinha como meta o ódio aos judeus.

Ao fim de tudo, apesar das obviedades que favoreciam o Ishuv, a Comissão Peel apresentou uma proposta desprovida de um mínimo de bom senso no tocante a uma sugerida divisão do território: aos árabes competiriam 80% do território, aos judeus 13% e o restante à Inglaterra, incluindo Bethlehem e Jerusalém. Apesar de sua absurda parcialidade, o relatório foi encarado de forma pragmática e aprovado pelo 20º Congresso Mundial Sionista, em Zurique, por 300 votos a favor, 158 contra e 26 abstenções.

O Whiter Paper, emitido pelos ingleses, passou a coibir a imigração de judeus para a então Palestina e anulou o relatório da Comissão Peel. Todavia, restava a preciosa semente da ideia de dividir território.

Durante a 2ª Guerra Mundial, de 1939 a 1945, prevaleceu no Ishuv o enunciado de Ben-Gurion: “Nós lutaremos contra o White Paper como se não houvesse guerra e lutaremos na guerra como se não houvesse White Paper”.

Quando terminou a 2ª Guerra Mundial a Inglaterra se encontrava numa situação insustentável no território sob seu mandato. A organização clandestina Irgun, chefiada por Menachem Begin, era incansável em sua luta contra o Mandato Britânico. Em 1947, teve início em Londres uma série de conversações entre árabes e judeus, ouvidos separadamente pelas autoridades britânicas. Mas não houve consenso face à proposta britânica de prorrogar o mandato por mais quatro anos, depois dos quais seria discutida a divisão da Palestina. Durante esse tempo permaneceria a proibição da entrada de novos imigrantes, uma desumanidade com as centenas de milhares de sobreviventes do Holocausto.

Diante do fracasso das negociações, Ernest Bevin, ministro do exterior da Grã-Bretanha, obstinado antissionista, decidiu entregar às Nações Unidas a solução do problema da então Palestina sob Mandato Britânico. Sugeriu a criação de uma comissão, à semelhança da Comissão Peel. A nova comissão nominada Unscop, relativa à sigla de United Nations Special Committee on Palestine, apresentaria suas conclusões à Assembleia Geral. Bevin acreditava que poderia manipular o texto final em favor dos árabes e assim se livrar da pressão exercida pelo presidente americano Harry Truman, que demandava a concessão de 100 mil vistos para os judeus refugiados na Europa.

Em perspectiva histórica, alguns autores acreditam que os ingleses abriram mão do mandato por causa das ações do Irgun. Por outro lado, o historiador do Sionismo Martin Kramer argumenta que depois das inúmeras batalhas já travadas pela Inglaterra, sobretudo o estoicismo durante os bombardeios nazistas, os feitos do Irgun não lhe eram tão assustadores. O pavor britânico era no sentido de que a entrada de 100 mil novos imigrantes, sob bandeira inglesa, arruinaria sua posição geopolítica no Oriente Médio na qual a adesão dos árabes avultava como o foco central.

A delegação da Agência Judaica incumbida de acompanhar os acontecimentos na ONU, em Flushing Meadows, perto de Nova York, era chefiada por Moshe Sharret, que tinha o economista David Horowitz como braço direito. Este mandou chamar em Londres um militante da Agência chamado Audrey Sachs, 32 anos, cuja competência diplomática ganharia reconhecimento internacional nos anos seguintes com o nome de Abba Eban. Ele escreve em sua autobiografia que, antes de partir para os Estados Unidos, constatou em Londres um enraizado ambiente contrário à causa sionista, a ponto de Bevin ter recusado receber Chaim Weizmann em audiência.

Eban e Horowitz se debruçaram sobre os nomes dos 11 membros da Unscop, comandada por Emil Sandstrom, magistrado da Corte Suprema da Suécia, conhecido por suas ações em causas humanitárias. No âmbito latino havia componentes do Peru, Uruguai e Guatemala. A Unscop chegou à Palestina sob Mandato Britânico em junho, poucas semanas depois de um acontecimento que fez exultar a delegação judaica nas Nações Unidas: um inesperado discurso de Andrei Gromyko, jovem representante da União Soviética.

Gromyko começou com uma crítica violenta à Inglaterra, acentuando que sua incumbência como mandatária havia resultado num enorme fracasso pela incapacidade de obter um mínimo de entendimento entre árabes e judeus. Referiu-se ao horror sofrido pelos judeus no Holocausto e enfatizou que “é hora de o mundo ajudar este povo, não com palavras, mas com iniciativas concretas”.

No final do discurso, ressaltou que os judeus tinham pleno direito à autodeterminação através da divisão da Palestina em dois estados, uma árabe e outro judeu. Suas palavras tiveram ampla repercussão internacional e evidenciaram a posição de Stalin. O ditador soviético não tinha especial simpatia pelos judeus, muito pelo contrário, mas julgava que a existência de um estado judeu, mesmo em parte do território até então sob mandato, seria importante fator para diminuir a influência e a presença da Grã -Bretanha no Oriente Médio. No dia 19 de julho, enquanto percorria a Palestina sob Mandato Britânico, a Unscop chegou a Haifa e, no porto da cidade, se deparou com um espetáculo deprimente: a apreensão do navio Exodus e a humilhação a que estavam submetidos seus passageiros, homens, mulheres e crianças sobreviventes do Holocausto. Longe de ter sido um fator determinante, não resta dúvida de que o drama do Exodus sensibilizou de forma significativa os componentes da Unscop em favor da implantação de um estado judeu.

Semanas depois, em Genebra, a Comissão Especial apresentou seu relatório final do qual constava um mapa com o traçado da Partilha da Palestina em dois países independentes, um abrigando 1 milhão e 250 mil árabes, outro com 570 mil judeus, cabendo a Jerusalém tutela internacional. Aos árabes também competiria a maior parte do território. Este era o relatório que seria levado à apreciação da Assembleia Geral da ONU.

Sharret, Horowitz e os demais integrantes da delegação trabalhavam de forma incessante. Disparavam telegramas e telefonemas para os quatro cantos do mundo. Alguém conhecia alguém que conhecia o governante de determinado país? Como apurar qual seria o importante voto da França? Pedir ao diplomata Garcia Granados, embaixador da Guatemala, conhecido apoiador do Sionismo, que influenciasse os representantes de outros países. Abba Eban escreveu em suas memórias: “Nós tínhamos bons aliados. O presidente da Assembleia, Oswaldo Aranha, do Brasil, estava religiosamente devotado ao direito da existência de um estado judaico”.

No dia 27 de novembro, quando a Assembleia Geral se reuniu, Sharret e os demais companheiros estavam a ponto de perder a esperança. A contagem por intuição indicava que não seriam alcançados os 2/3 de votos necessários para a aprovação da partilha. A angustiante solução foi pedir aos embaixadores favoráveis à partilha que ocupassem a tribuna pelo maior tempo possível, fazendo com que a sessão tivesse que ser encerrada sem votação em função do esgotamento do horário. Assim, num gesto de boa vontade para os representantes judeus, Oswaldo Aranha suspendeu os trabalhos e marcou a retomada para dois dias depois, porque o dia seguinte era o do feriado americano de Ação de Graças. Moshe Sharret disse, anos depois, que aquelas 24 horas tinham sido cruciais para a obtenção dos votos ainda em dúvida.

No dia 29 de novembro, na abertura da sessão, o embaixador do Líbano, Camille Chamoun, propôs o adiamento da votação do relatório da Unscop. Foi obstado por Aranha: “Votar ou não votar, eis a questão”. Os países foram chamados para se manifestar por ordem alfabética e o voto favorável da França assegurou a proporção necessária para a aprovação da partilha, com o seguinte resultado final: 23 votos a favor, 13 contra, 10 abstenções e uma ausência.

Por causa do fuso horário, era madrugada na Terra Santa. Milhares de pessoas saíram às ruas de Jerusalém, Tel Aviv, Haifa e outras cidades, onde cantaram e dançaram até o amanhecer. Em Jerusalém, sozinho na mesa de seu gabinete no prédio da Agência Judaica, David Ben-Gurion sentou, apoiou os braços, abaixou a cabeça e a sustentou entre as palmas estendidas das duas mãos. Sabia que no horizonte daquela vitória avultava uma guerra com consequências imprevisíveis.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista