A jornada dos rabinos tinha como principal objetivo a hitorerut, o despertar das almas adormecidas dos colonos judeus empenhados em preparar as terras para o assentamento de novas levas de imigrantes. O advento da 1ª Guerra, no verão de 1914, levou a sociedade de Eretz Israel a uma crise econômica, dificultando ainda mais a missão dos rabinos.

A obra Êleh Massaei

Por intermédio da aluna Melanie Sonnenfeld (tataraneta do rabino Yosef Chaim Sonnenfeld), conheci a obra Êleh Massaei: Registros de uma Jornada Empreendida pelos Rabinos do Comitê de Ação para Levantamento de fundos Religiosos e Judaicos na Terra Santa. O texto, escrito em hebraico por Jonathan Binyamin Halevi Horovitz, rabino responsável pela procura e distribuição de fundos da Europa para o fortalecimento da vida judaica na então Palestina, descreve a jornada empreendida por uma comitiva rabínica, em 1913, visitando colônias agrícolas na Samaria e na Galileia. Essa aventura de um mês teve como protagonistas líderes religiosos do Ishuv, como Avraham Itzhak Hacohen Kook, o futuro Rabino Chefe de Israel e Yosef Chaim Sonnenfeld, Rabino-mor de Jerusalém. Com eles viajaram outros eminentes rabinos.

A edição crítica do Êleh Massaei, com notas e ilustrações, foi publicada em Jerusalém em 2010. A versão, realizada pelos Srs. Moshé Yehuda Sonnenfeld e Elio Moti Sonnenfeld, cita novos documentos da viagem.

Os trechos do itinerário retratam a realidade da Terra de Israel naquela época. Há detalhes sobre o desenvolvimento da vida social nas colônias, tamanho da população, instituições educativas, fontes de sustento dos colonos e um retrato da situação econômico-financeira. Mas, acima de tudo, os relatos fornecem informações sobre a vida religiosa. O leitor de Êleh Massaei viaja literalmente de colônia em colônia, encontrando-se com o rabino local, a sinagoga, a micvê e, naturalmente, os pioneiros recém-chegados ao país. Com pouquíssimas exceções, as colônias agrícolas possuíam sua sinagoga e micvê. Ali havia minianim e se observava o Shabat. Contudo, percebe-se uma queda considerável no estilo de vida religiosa se comparado ao da primeira geração de colonos.

A jornada dos rabinos tinha como principal objetivo a hitorerut, o despertar das almas adormecidas dos colonos judeus empenhados em preparar as terras para o assentamento de novas levas de imigrantes. O advento da 1ª Guerra, no verão de 1914, levou a sociedade de Eretz Israel a uma crise econômica, dificultando ainda mais a missão dos rabinos.

As colônias do norte

Ao eclodir a 1ª Guerra, a população judaica na Palestina otomana contava com 85.000 almas; quase 12% da população total da região. Na época, a maioria dos judeus morava em cidades, principalmente em Jerusalém. Contudo, entre 1882-1883, 12.000 deles habitavam em 47 novas colônias agrícolas, fundadas pela Primeira Aliá dos Biluim. Mapeando apenas as regiões da Samaria e Galileia, localizamos 21 pontos de assentamento com 4.500 judeus. Entre as vilas agrícolas visitadas pela delegação rabínica encontramos: Hedera, Zichron Yaacov, Bat Shelomó, Shefya, Atlit, Merchavia, Kefar Tabor, Saguera, Beit Gan, Yavniel, Poryia, Kineret, Degânia, Malchamia, Mitzpe, Migdal, Rosh Pina, Mishmar Hayarden, Yesod Hamaalá e Metula.

Parte das colônias citadas fora fundada por sionistas do movimento Chovevei Zion vindos do Leste europeu, sempre com o apoio filantrópico do Barão Edmond de Rothschild. Outras colônias contaram com ajuda econômica da Jewish Colonization Association (JCA), agência colonizadora do Barão Maurício Hirsch, fortalecida consideravelmente a partir do século 20. Fundada em 1891, a JCA foi responsável pelo surgimento de outras colônias, quase todas localizadas na Baixa Galileia.

No início do século 20, o Escritório da Agência Judaica em Israel atuava como agente responsável pelos assentamentos dos novos colonos e pela aquisição de terras para drenagem e plantio. Foi esse escritório o primeiro a inaugurar uma escola agrícola na Moshavá Kineret; um novo grupo de colonos em Degânia em 1909 seria o primeiro Kibutz e uma cooperativa agrícola em Merchavia. O Escritório da Agência Judaica se preocupou ainda em criar aldeias agrícolas como Migdal e Poryia, sustentadas com capital particular.

A distribuição topográfica das colônias foi idealizada em três blocos, afastados o suficiente entre si: um estaria em volta de Zichron Yaacov; o segundo na Baixa Galileia e um terceiro no extremo norte da Galileia, entre Rosh Pina e Metula. A comitiva rabínica visitou não só colônias estabelecidas nesses blocos, mas também cidades como Haifa, Tiberíades e Safed.

Sob uma ótica religiosa, havia uma enorme diferença entre as colônias, principalmente entre as do Barão de Rothschild e as do Barão Hirsch por um lado, e as do Escritório da Agência Judaica por outro. Nas primeiras era possível encontrar colonos religiosos, enquanto nas últimas prevalecia o elemento não religioso. Os primeiros vivenciavam religiosidade com intensidade, aproximando-se da população do Ishuv ha-iashan, antiga sociedade judaica na Palestina otomana. Já os últimos traziam uma herança cultural judaica religiosa frágil, mas fortemente acentuada no que tange à política mundial e a traços de universalidade.

Às colônias mantidas pelo Escritório da Agência Judaica, chegaram pioneiros da Segunda Aliá; na maioria, jovens de pensamento liberal. Mesmo assim, a falta de religiosidade não impediu que a delegação rabínica fosse recebida com entusiasmo, respeito e emoção.

Professores e educação

Nas antigas colônias fundadas por pioneiros seculares (não religiosos) a partir de 1882, data em que judeus russos chegaram à Eretz Israel, os rabinos encontraram judeus com pouca religiosidade, muito afastados do caminho da Torá e de seus preceitos. O sistema educacional adotado pelas colônias havia sido retirado das mãos dos fundadores, sendo administrado por funcionários doBarão Maurício Hirsch enviados de Paris para a então Palestina ou pelos próprios administradores da JCA.

Os professores que ensinavam nas colônias eram formados no espírito liberal da Emancipação Judaica (Haskalá), adotando um estilo de vida nada religioso, com acentuado sentimento nacionalista. O objetivo de tais mestres era educar essa nova geração de jovens israelenses tomando como base uma programação escolar que contemplasse valores nacionais: o amor à terra e ao trabalho agrícola e o amor ao hebraico, língua dos ancestrais.

O programa de estudos das colônias conferia vital importância às ciências naturais, agricultura, história judaica, língua e literatura hebraica, limitando ao máximo os estudos sagrados. Sem dúvida, essa tendência era fruto da Emancipação Judaica na Europa.

O estudo da Torá foi significativo e relegou quase por completo o estudo das interpretações talmúdicas, gerando nas colônias um clima pouco religioso. Surgia, assim, uma nova geração totalmente desconhecedora das fontes talmúdicas. Nas colônias visitadas, os moradores depositavam a culpa pela falta de religiosidade nos professores. E mesmo que alguns reivindicassem um maior número de horas de estudo para as disciplinas de Dinim, Mishná e Guemará, o aumento da religiosidade não aconteceu. Além disso, a dependência econômica dos fundos enviados tanto pelo Barão de Rothschild como pela JCA, transformou os temas universais em verdadeira prioridade.

A ruptura educativa e espiritual foi maior nas colônias da Galileia que nas da Samaria. Nessas últimas, os elementos ortodoxos se esforçaram por retomar o caráter religioso da educação e conseguiram fazê-lo. Certa vez, o rabino Kook declarou que Na Galileia, a alma da educação está sendo esquecida. Ali a educação está depositada em pessoas para as quais a Santidade Divina está longe de seu coração. Dessa forma, a nova geração vai educando-se de forma estranha e, mesmo que se denomine nacionalista, está afastada do espírito nacional do povo judeu, acarretando um vazio em seus programas....” 

Pioneiros da 2ª Aliá

Seria injusto depositar a culpa pelo fracasso da transmissão de valores religiosos apenas nos professores das colônias agrícolas. Outro fator que contribuiu enormemente para acelerar o fortalecimento da educação laica nacional foi a chegada de novos imigrantes da 2a Aliá (1903-1906) para trabalhar nas colônias. Esses jovens judeus fugidos da Rússia czarista foram doutrinados desde pequenos no socialismo e boa parte deles pertencia a movimentos sionistas, inspirados em ideias revolucionárias.

A vinda da 2a Aliá teve motivações diversas: alguns jovens ficaram chocados com os pogroms de Kishinev e Hommel (6-7 de abril 1903) e com a onda de distúrbios que atingiu outras comunidades judaicas durante a demonstração revolucionária anticzarista em 1905, conhecida como Domingo Sangrento. Outros se sentiram desapontados com a polarização que rapidamente tomou conta do movimento sionista em 1906, após a morte prematura de Theodor Herzl e como consequência da proposta de estabelecer um Estado judeu em Uganda. Essa realidade obrigou nossos irmãos a buscar novos desafios, acreditando na opção de erguer um Estado judeu-socialista na então Palestina.

Mesmo pequena (10% dos imigrantes), a influência ideológica da 2ª Aliá no Ishuv foi marcante e desenhou o caráter único da futura sociedade israelense. Ideologicamente, estava constituída por uma diversidade política, social e cultural, mas havia neles também um denominador comum: o forte distanciamento da religião judaica. O espírito antirreligioso da Haskalá (Iluminismo) e a propaganda contra tudo aquilo que fosse “sacro” alimentava as bases do movimento operário judeu em Israel.

Em geral, os jovens da 2ª Aliá provinham de famílias judias fortemente assimiladas pela
cultura local. Os distúrbios de início do século 20 os devolveram ao judaísmo, porém a um judaísmo laico, sem Torá nem mitzvot.
A observância de preceitos estava focada no trabalho agrícola, seguindo uma consciência proletária nacional e socialista. Por isso, para os membros dessa segunda leva migratória, o conceito de “trabalho judaico” funcionou como uma verdadeira religião. O trabalho era a forma de manifestarem seu amor incondicional à Terra de Israel.

A relação entre professores e colonos da Segunda Aliá, estava sustentada por uma ideologia comum: a visão de mundo tanto de uns como de outros simpatizava com a questão nacional, apoiava uma educação totalmente laica e queria distância da religião. Mesmo assim, o encontro entre rabinos e agricultores de Merchavia e Poryia foi um dos pontos altos do itinerário.

Perto de Tiberíades, jovens sionistas que se afastavam da santidade de Israel receberam a delegação rabínica com respeito e entusiasmo, ouvindo atentamente as palavras dos ilustres visitantes. Para alguns colonos, era a primeira vez que se encontravam diante de uma figura proeminente da hierarquia rabínica, enquanto para outros era motivo de regozijo, trazendo reminiscências do lar ancestral.

A necessidade da visita

Na visão dos rabinos, a forte queda nos ensinamentos judaicos e na observância de preceitos obrigava a fazer uma revisão doméstica, para saber de que forma os agricultores poderiam ser ajudados. Na sociedade judaica da época, o Ishuv ha-iashan, não havia uma instituição específica que tomasse uma iniciativa como essa, responsabilizando-se pelo fortalecimento dos valores religiosos.

Durante a visita da delegação, cada instituição judaica estava preocupada com seus problemas particulares, sem contar que a longa distância entre as colônias da Judeia e da Galileia se constituía em um verdadeiro obstáculo. Como as da Galileia eram as mais afastadas, ficavam sem atendimento.

Foi assim que, em 1913, o rabino Elyahu David Rabinovitz, sogro do rabino Kook, e o rabino Shmuel Salant sentiram a necessidade de estreitar laços com os agricultores dos assentamentos, a fim de motivá-los e fortalecê-los na busca do caminho da Torá. Em uma carta, o rabino Kook descreveu a preocupação dos rabinos, dizendo: “Verdadeiramente, o desespero gerado ao ver nas colônias pessoas afastadas do caminho de Hashem foi resultado da longa distância a ser percorrida pelos rabinos de Jerusalém, que se esqueceram deles e não os assistiram... Mas, eu, desde que estou aqui (Terra Santa), lembrei-me deles algumas vezes, recordando-me da importância de ensiná-los Derech Eretz”.

O rabino Kook foi nomeado rabino de Yaffo e das colônias do Norte. Reforçou a fé dos judeus perto de Yaffo, mas ficaram fora de seu alcance as distantes colônias da Galileia. Para tentar aproximar as colônias da religião, o rabino Kook criou um programa de visita aos assentamentos da Galileia, mas os compromissos urbanos permanentes impediram-no de chegar até o Norte.
 
Em uma carta por ele enviada ao rabino Itzhak Eizik Ha-Levi, autor da obra Dorot Rishonim (Primeiras Gerações), ele explicava de que forma poderia ser “consertada” a falta de religiosidade dos colonos. Para Kook era obrigatório fazer um tour pelas colônias agrícolas reforçando os preceitos, mas ao mesmo tempo era essencial investir em recursos econômicos significativos para obter resultados satisfatórios. Somente assim o Rabinato poderia realizar suas tarefas de forma honrosa e transparente, sem constrangimento para aqueles que necessitavam retomar o caminho da santidade”.

Entretanto, o rabino Kook não se conformou apenas em receber fundos para atuar. Para ele “existia a necessidade de conseguir uma charrete para poder efetuar as visitas nas mais de 30 colônias entre a Samaria e a Galileia. Para realizar tal aproximação (keruv) era fundamental criar um fundo com recursos apropriados”.

O rabino tinha ciência das sérias dificuldades de movimentação em um território desértico, sem vias férreas que transformassem a viagem em um percurso confortável e barato. Portanto, as visitas pelo Norte do país poderiam ficar caras, e daí certamente a necessidade de fundos razoáveis e apropriados.

A partir da segunda década do século 20, a visita às colônias era tida pelos rabinos como indispensável e impostergável. Mas, a rigor, havia outro tema candente ligado à agricultura que tampouco podia esperar: a coleta de doações e dízimos da produção agrícola comercializada pelas colônias. Esse é um preceito da Torá a ser observado por cada agricultor judeu que labuta na Terra de Israel.

Os produtos agrícolas de Eretz Israel ganharam mercados internos e externos, principalmente o comércio de vinho, azeite e cereais. Mas, como não existia uma fiscalização da Cashrut, havia dúvidas em relação à casherização dos produtos; dificultando também sua comercialização. Essa dúvida foi prejudicial tanto para os produtores quanto para os consumidores dos produtos. Portanto, a questão só ficou resolvida ao exigir-se um controle rígido de Cashrut para todos os produtos fornecidos pelas colônias agrícolas.

Para os novos agricultores emigrados das diásporas à Eretz Israel, a observância de preceitos vinculados à Terra de Israel não fazia parte do cotidiano. O Rabinato logo entendeu que devia percorrer as colônias e esclarecer essa controversa questão.

Para os rabinos, o distanciamento entre os membros do Ishuv ha-iashan (pessoas mais religiosas)e os membros do Ishuv ha-chadash (pessoas menos religiosas), gerou a necessidade imediata de diminuir o abismo existente entre esses dois blocos. A proposta não consistia apenas em orientar colonos sobre a Halachá (lei judaica), mas também em diminuir o desconhecimento das fontes judaicas, aproximando os corações judaicos, criando uma ponte entre as duas partes da sociedade judaica na Palestina turco-otomana.

Iniciativa, organização e orçamento

Cartas deixadas pelo rabino Kook revelam pormenores acerca do itinerário empreendido pelos rabinos na Samaria e na Galileia. Em 1911, ele endereçou uma correspondência ao rabino Ben Tzion Yadler para que este visitasse as colônias da região com o fim de “recolher doações e dízimos” da produção agrícola daquele ano.

Era óbvio que havia uma forte vontade de permanente fiscalização, mas esta requeria um orçamento ainda inexistente. Antes de mais nada, Kook solicitou que o partido Agudat Israel ajudasse com dinheiro na árdua missão das moshavot, e logo depois se dirigiu ao rabino Binyamin Ha-Levi Horovitz, para que o Rabinato de Amsterdã contribuísse com fundos. Nenhuma das iniciativas surtiu efeito.
 
Em 1913, enquanto o dinheiro não surgia, o rabino Yadler foi enviado novamente às colônias. Era apenas um paliativo. O rabino Kook entendeu que era impossível postergar por mais tempo a ida para o Norte, e que o dinheiro para pagamento dos custos apareceria, mesmo após a comitiva concretizar a viagem. Em 3 de Sivan 5673 já se falava em visitar as colônias e, uma semana depois, o rabino Kook remete uma carta a um rabino amigo de Chicago para que cubra eventuais gastos de viagens às colônias para despertar o espírito de vida, fortalecer o judaísmo em geral e os preceitos vinculados a Eretz Israel”.

Então, com ajuda financeira garantida, o rabino Kook tornou a escrever a seu colega, o rabino Horovitz, e à Agudat Israel. Ao primeiro solicitou organizar essa viagem “com toda a urgência que a situação requer”. Da Agudat Israel pediu “colaboração financeira para criar um sistema de fiscalização e controle que ajudasse as colônias a se enquadrar dentro da religiosidade”.

No início do mês de Elul 5674, o rabino Kook informava ao Rabinato de Amsterdã que a Agudat Israel estaria disposta a arcar com metade das despesas do sistema de fiscalização e controle religioso das colônias. Assim sendo, pedia que Amsterdã pagasse a outra metade. Naturalmente, sua solicitação foi atendida. Restava apenas fixar a data exata da visita às colônias agrícolas.

Escreve, então, ao rabino Horovitz, anunciando que pensava em visitar as colônias no inverno de 5674 (1913), viajando pelo caminho do mar até Haifa e de lá rumo às colônias da Galileia. Assim, podemos concluir que a iniciativa da viagem foi efetivamente do rabino Kook, e os demais rabinos como Horovitz e Yadler foram unindo-se ao grupo com o passar dos dias.

Todos os rabinos davam suas sugestões acerca dos preparativos da viagem. A participação dos sábios ierosolimitanos ocasionou uma mudança nos planos: em lugar de começar o itinerário por Haifa, o percurso iniciar-se-ia em Hedera, região da Samaria, para depois continuar rumo à Galileia. Na manhã de 19 Cheshvan 5674 partiu a delegação de Yaffo rumo a Hedera, liderada pelos rabinos Avraham Itzhak Kook e Yosef Chaim Sonnenfeld.

Itinerário da jornada

Mesmo com a a jornada organizada e agendada, ainda não ficara claro para alguns rabinos se teria uma linha coerente e contínua. Em outras palavras, a presença de obstáculos topográficos, dificuldades nos transportes e problemas de cálculo logístico, poderiam fazer com que alguns membros da delegação desistissem. Lembremos que estamos às vésperas da 1a Guerra Mundial, e as comunicações entre as colônias eram vagarosas e precárias.

A situação das estradas na Terra de Israel não oferecia segurança. O falido Império Turco nada fazia, além de arrecadar suas taxas. Era frequente encontrar à beira das estradas sinuosas e mal pavimentadas beduínos cometendo roubos e assaltos às caravanas. Tudo isso atemorizava os rabinos.

A essa difícil realidade devemos acrescentar o fato de que a caravana rabínica partiu justamente no inverno, época de frio e chuva, difícil para a locomoção na então Palestina. O percurso foi organizado detalhadamente pelo rabino Ben Zion Yadler, que fora enviado dois meses antes ao Norte com a incumbência de preparar a chegada da comitiva. As datas finais foram conhecidas apenas uma semana antes da partida, e, mesmo assim, os colonos aguardavam com ansiedade a chegada dos rabinos. Em cada assentamento nomearam-se comissões responsáveis pela recepção aos ilustres hóspedes, designando alguns voluntários para acompanhar a caravana no deslocamento rumo ao destino seguinte.

No decorrer da visita, os rabinos utilizaram todo meio de locomoção: diligências, charretes, trens, barquinhos, cavalos, jumentos e inclusive caminhadas. Os rabinos de Jerusalém chegaram ao ponto de encontro em Yaffo, seguiram até Haifa (via Hadera e Zichron Yaacov) em diligências puxadas por cavalos. De Haifa até as proximidades de Afula viajaram com o “Trem doVale” (Rakevet Ha-Emek). O trecho Afula-Merchavia foi realizado com charretes agrícolas. Da mesma forma viajaram de Merchavia até Kfar Tabor e Segera.

Para chegar às colônias Yavniel e Beit Gan, os rabinos precisaram abandonar suas charretes e montar cavalos e jumentos. De lá, retomaram o trajeto com charretes rumo a Poryia, Kineret, Degânia e Tiberíades. De Tiberíades até Migdal a viagem foi de barquinho, e de Migdal até o vilarejo de Rosh Pina montaram cavalos e jumentos. O trajeto de Rosh Pina a Mishmar Hayarden e Yesod Hamaalá foi realizado em charretes, continuando até Metula com cavalos e jumentos. Para ir de Rosh Pina a Safed, os cavalos e jumentos foram os meios de transporte. De Tiberíades até Tzemach os rabinos utilizaram barquinhos a motor, e de Tzemach a Haifa retornaram no “Trem do Vale” já mencionado. O trajeto Haifa-Yaffo foi percorrido pela “Linha Russa” que navegava de Beirute a Alexandria pela costa do Mediterrâneo.
É importante destacar que o percurso da comitiva rabínica, ainda que repleto de obstáculos, obteve grande sucesso até a reta final. Ao encerrar a travessia, os rabinos “agradeceram ao Todo-Poderoso por tê-los encorajado com sua bondade e misericórdia, a transpor as dificuldades da viagem do início ao fim, conduzindo-os ao destino,sãos e salvos”. Para isso, invocaram o versículo de Pessachim 8, no Talmud: “Os enviados dos preceitos chegaram ilesos, sem danos”.

Receptividade dos colonos

Já nos assentamentos, os rabinos foram recebidos com honrarias e alegria, pois era a primeira vez que colonos judeus davam as boas-vindas a uma delegação tão importante. A obra Êleh Massaei registra que não só os membros antigos se alegraram com os ilustres visitantes, mas também aqueles que vieram na Segunda Aliá regozijaram seu coração com a vinda dos rabinos”.

O rabino Ben Zion Yadler, z”l, conta em suas Memórias a recepção que teve a delegação em cada uma das colônias: “Fomos recebidos como reis, verdadeiros reis. No dia da chegada tocaram-se trombetas para congregar os colonos no Beit Midrash, e inclusive as mulheres foram até Ezrat Nashim (parte do espaço destinada às damas) para escutar os discursos. Os rabinos faziam seus sermões, uns sobre a observação do Shabat, outros sobre a educação dos filhos, pureza familiar e preceitos relacionados com Eretz Israel. Depois eu, [B.Z.Yadler], resumi tudo aquilo que foi comentado, e confesso que não há palavras para descrever a influência dos valores transmitidos para o fortalecimento da religião em toda Eretz Israel. Nossa chegada foi uma verdadeira festa, a ponto de os colonos cancelarem seus trabalhos, e comentarem que essa visita deveria acontecer pelo menos uma vez ao ano. Percebi também que essa visita os impressionou enormemente, acentuando a influência dos colonos religiosos sobre os mais liberais; isso pela recepção oferecida e pelos sermões marcantes dos rabinos... Abençoados os olhos daqueles que a tudo presenciaram”.

Em relação à visita da delegação em Zichron Yaacov, no Êleh Massaei ficou registrado que “toda a comunidade estava alegre como na festividade de Simchat Torá”. Em Haifa “os rabinos foram recebidos de forma maravilhosa por uma caravana de cavaleiros”; e, em Merchavia, “a caravana de cavaleiros lhes deu as boas-vindas ainda na estação de trem”. Ao chegar a Kfar Tabor, “todos os membros da comunidade saíram ao encontro dos rabinos e, na entrada da colônia, camponeses com as respectivas mulheres e também os jovens homenagearam os hóspedes com sete disparos”.

Em Yavniel, “eram oito os agricultores que recepcionaram os rabinos, e todos estavam alegres montados em seus cavalos”. Sobre a recepção nessa comunidade foi escrito que “os membros da colônia abateram aves preparando-as para a refeição, pois estavam alegres como em Simchat Torá”. Em Tiberíades, “estudantes da Ieshivá saíram para receber os rabinos alegremente”, e, ao abandonar Rosh Pina, “o diretor da equipe de trabalhadores emprestou uma charrete para transportar os rabinos com colonos cavalgando a seu lado”. Em Yesod Hamaalá, “os membros do assentamento receberam com alegria a delegação”, e, ao deixar a última colônia do percurso, Metula, “os colonos com suas mulheres e filhos nos acompanharam”.

O resultado da visita

Para os rabinos que estiveram nas colônias do Norte, o resultado foi extremamente positivo, mas também chegaram à conclusão de que se a visita houvesse acontecido com dez anos de antecedência (em 1903), entre a Primeira e a Segunda Aliot, os resultados teriam sido ainda melhores. Para eles, era necessário que se vissem resultados claros e nítidos e não aqueles resultados ocultos, que somente D’us, Todo-Poderoso, consegue ver e apreciar”. Não há dúvida de que a visita fortaleceu o conceito de Santidade Divina Celestial, e isso é louvável.

Na opinião dos rabinos, a visita representou uma vitória, tomando-se em consideração as adversidades enfrentadas no caminho: estradas perigosas e repletas de inimigos e o clima frio do inverno. Superando obstáculos, a caravana marchou sem problemas, despertando a admiração de todos.

Os resultados da viagem aparecem na contribuição espiritual, fortalecimento e observância de preceitos, alertando os colonos sobre uma eventual perda de valores milenares. A visita trouxe esclarecimentos a problemas de Halachá e respostas à observância de preceitos ligados à Terra de Israel. Em cada colônia se escolheram comissões responsáveis pelos futuros contatos com o Rabinato Geral de Eretz Israel, e em alguns lugares a delegação solicitou ajuda para habilitar micvaot e ajudou a obter a “shalom-bait” (harmonia familiar) nos lares dos colonos.

Contudo, os maiores esforços dos rabinos se concentraram na educação. A meta era construir um novo sistema escolar baseado no tradicional cheder e, gradualmente, introduzir mudanças no programa existente. Na introdução da obra Êleh Massaei está escrito que, após a visita da delegação, foram enviados seis mestres de Limudei Kodesh (estudos religiosos) às moshavot Zichron Yaacov, Kefar Tabor, Yavniel, Rosh Pina, Mishmar Hayarden e Yessod Hamaalá. O envio de mestres foi apenas o início, mas o projeto de substituir a educação laica por outra religiosa se deparou com dois sérios problemas: a falta de recursos para enviar mestres especializados nas disciplinas religiosas e a escassa influência religiosa dentro das instituições sionistas que decidiam o destino das colônias.

Bibliografia:
“Êleh Massaei”: Reshimat Massá Harabanim bereshutam shel Harav Avraham Itzhak Kook veharav Yosef Chaim Sonnenfeld lemoshavot hashomron vehagalil behoref 5674 (1913). Keren Raam. Jerusalém 5771 (2010), págs. 269-272. (Texto hebraico).

O Prof. Reuven Faingold é historiador e educador, PHD em História e História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É professor titular da pós-graduação no Departamento de História da Arte da FAAP em São Paulo e Ribeirão Preto, sócio-fundador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil e, desde 1984, membro do Congresso Mundial de Ciências Judaicas de Jerusalém.