A Tunísia, situada no norte da África, é o menor e o mais a leste dos três países que constituem o chamado Magrebe. Sua posição estratégica, na costa do Mediterrâneo, fez com que no decorrer dos milênios a região fosse ponto de passagem para vários impérios.

A história da região sempre foi tumultuada, tendo sido o berço da antiga e poderosa civilização cartaginesa,
que dominou a região por mais de 700 anos, até ser conquistada por Roma. O domínio romano se estendeu por vários séculos, até meados do séc. IX, quando a região se tornou muçulmana – permanecendo assim até os dias de hoje.

Há muitas versões sobre quando os judeus te-riam chegado à Tunísia. Há quem acredite que eles participavam ativamente do comércio da região bem antes da destruição do Primeiro Templo. Evidências arqueológicas e citações literárias indicam que o país abrigou uma rica vida comunitária judaica por mais de 2.300 anos. Escavações feitas em um sítio conhecido como Garmath, próximo às ruínas da Cartago romana, revelaram a existência de cemitério judaico datado do século III desta era. Em outro local, chamado Hamman Lif, foi encontrada uma sinagoga, do mesmo período, em bom estado de conservação, com um mosaico contendo os dizeres “Sancta Sinagoga”. Em Naro também foram encontrados vestígios de uma sinagoga. Em diversos locais encontraram-se inscrições judaicas ou judaizantes, que atestam a presença de judeus na Tunísia desde a Antigüidade. 

A Tunísia é mencionada nas obras do historiador Flávio Josefo, bem como em várias passagens do Talmud. Tanto o Talmud Babilônico como o de Jerusalém reproduzem opiniões dos rabinos Abba e Hanina, de Cartago.

A comunidade judaica da Tunísia, uma das mais antigas da diáspora, foi influenciada pelas diversas etnias que passaram pela região – fenícios, romanos, vândalos, bizantinos, berberes, árabes, espanhóis, turcos, italianos e franceses. Foi essa diversidade que levou o escritor, Albert Memmi, judeu tunisiano, a dizer que em cada quarteirão da Tunísia há uma civilização diferente.

Os fenícios e Cartago

Os fenícios, povo de origem semita, foram a primeira civilização a se estabelecer na região. Desde o século XII a.E.C. haviam fundado, ao longo da costa da África Setentrional, modestas colônias, portos que serviam como ponto de apoio para sua frota de navios e seu comércio no Mar Mediterrâneo. A expansão dessas atividades, em 814 a.E.C., levou os habitantes do reino de Tiro, na Fenícia, a fundar Cartago. A cidade rapidamente se converteu numa potência marítima, dominando o comércio mediterrâneo.

Entre as várias versões sobre o surgimento dos primeiros judeus na África Setentrional, inclui-se uma que remonta ao tempo do rei Salomão. Segundo a lenda, o monarca associou-se com Hiram, rei de Tiro, para realizar expedições em direção a Tarshish. Acredita-se que a esquadra comercial do rei Salomão, além de navegar por todo o Mediterrâneo, tenha criado vários entrepostos comerciais em locais mais distantes, alguns dos quais na costa do norte da África. 

Porém, a maioria dos estudiosos acredita que os judeus formaram os seus primeiros núcleos na região em 586 a.E.C., época da destruição do Primeiro Templo, por Nabucodonosor II. Apesar de a maioria dos judeus terem sido exilados para a Babilônia, outros se espalharam pelo norte da África, marcando o início da vida judaica na diáspora. Esses judeus se teriam unido a outras famílias que viviam com os fenícios, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento de Cartago. Conta-se que alguns dos judeus que foram para essa região, teriam levado consigo uma pedra do Primeiro Templo, que foi utilizada na construção da sinagoga de Ghriba, em Djerba, que data da época. Nessa cidade, existe, até hoje, uma comunidade judaica.

Na época do Império Romano

No séc III a.E.C. Roma surge como nova potência militar e desafia a supremacia e o domínio de Cartago no Mediterrâneo. As duas potências travam, a partir de 264 a.E.C, três guerras que duram mais de 100 anos. As Guerras Púnicas, como são conhecidas, terminam com a vitória de Roma e a destruição de Cartago, em 146 a.E.C. É o fim da hegemonia cartaginense tanto na região como sobre o Mediterrâneo Ocidental e o começo da dominação romana. Cartago é mais tarde reconstruída como cidade romana.

Na chamada África romana, os judeus (assim como outras religiões pagãs) gozavam de um status favorável que lhes permitia seguir seus preceitos religiosos. Há indícios de que a população judaica na região que é, hoje, a Tunísia aumentou consideravelmente durante os primeiros séculos do domínio romano, com muitos judeus vindos da antiga comunidade judaica de Roma, que datava do século II a.E.C. 

Séculos mais tarde, no início da era comum, a comunidade cresceu mais ainda em função de dois fatores. O primeiro e mais importante foi ter acolhido judeus que se refugiaram na região, vindos da Judéia, na época também parte do Império Romano. Fugiam à violência dos exércitos romanos que lutavam contra os judeus que se haviam rebelado contra o jugo de Roma. A primeira dessas levas de judeus rumo à África Setentrional ocorreu em 70 desta era, após as tropas romanas terem abafado a primeira revolta judaica e o exército de Tito ter tomado Jerusalém e destruído o Segundo Templo. O contingente seguinte veio por volta de 132, durante a segunda revolta na Judéia, liderada por Bar-Kochba. Em sua obra, Flávio Josefo testemunha que durante o reinado do imperador romano Tito mais de 30 mil judeus da Terra de Israel foram levados pelos romanos para a Tunísia. Ainda que lhes fosse permitido pela lei romana seguir sua religião em relativa liberdade, a vida dos judeus na Tunísia foi muito dura nessa época, em particular durante o governo dos imperadores romanos Vespasiano e Adriano. 

O segundo fator que contribuiu para o crescimento da comunidade judaica da Tunísia foi a conversão ao judaísmo de tribos berberes que viviam no norte da África. Muitas lendas da região relatam tais conversões.

A situação dos judeus em todo o Império Romano piorou sensivelmente quando, em 392, o cristianismo foi declarado religião do Estado e foram promulgadas as primeiras restrições legais aos judeus. A população judaica viu sua liberdade diminuir gradativamente, sendo excluída dos cargos públicos e proibida de construir novas sinagogas, entre outras medidas discriminatórias. Uma prova concreta da mudança em relação aos judeus pode ser vista no trabalho Adversus Judaeorum, do legislador romano Tertuliano, nascido em Túnis e grande defensor do cristianismo. Em seus textos, ele descreve os judeus como “fugitivos e vagabundos, condenados a viver espalhados pelo mundo como resultado do desrespeito que tiveram com o Salvador” (sic). Conseqüentemente, afirmava, o judaísmo deveria ser erradicado. Sua obra foi usada como “base” para as perseguições contra os judeus e como “justificativa” para o tratamento brutal ao qual eram submetidos. Sinagogas foram transformadas em igrejas e se recorreu à tortura para obrigar os judeus a se converterem.

Mas os dias do império Romano do Ocidente estavam chegando ao fim e os séc. V e VI são palco de profunda crise no mundo romano. Ondas de invasões de bárbaros na Europa e no norte da África levaram à queda do Império Romano do Ocidente, por volta do ano de 476. 

Durante o século V, os reis bárbaros do norte da Europa, dividiram o antigo Império Romano do Ocidente em diversos reinos. Os vândalos – bárbaros de origem germânica – estabeleceram um reino na África do Norte. Durante a dominação destes últimos (439-533), todas as medidas discriminatórias contra os judeus foram revogadas e a comunidade judaica passou a viver um novo período de bonança. 

Esse período de paz e tolerância durou pouco, pois quando os bizantinos (Império Romano do Oriente) retomaram a região, em 533, trouxeram de volta difíceis provações para os judeus. As autoridades cristãs do Império Bizantino aplicaram sobre a população judaica uma política de severa intolerância. Um edito promulgado em 535 pelo imperador Justiniano, além de proibir a prática da religião judaica, excluía os judeus de todos os serviços públicos e os coagia, novamente, a se converterem ao cristianismo. 

Perseguidos nos territórios sob hegemonia bizantina, deixaram as cidades grandes e foram para as regiões montanhosas e para os confins do deserto, mesclando-se às populações berberes, muitas das quais se converteram ao judaísmo.

O Islã conquista o Magrebe

No séc. VII surge o Islã – uma nova força político-militar, além de religiosa, que vai mudar a geopolítica do mundo. Em 632, após a morte do profeta Maomé, seus seguidores iniciam o processo da expansão muçulmana, conquistando a região do Magrebe em 642. 

Em certas regiões do norte da África, os exércitos árabes enfrentaram uma longa e feroz resistência por parte de tribos berberes judaizadas. Segundo uma das tantas lendas da região, quem liderava uma dessas tribos em 693 era a rainha de Aures, conhecida como Kahena. Segundo o historiador árabe Ibn Khaldoun, Kahena era judia e seu nome derivaria da palavra hebraica Cohen. 

Após uma longa luta, os conquistadores árabes acabaram tomando o poder e obrigaram a população pagã a se converter ao islamismo. No entanto, em todos os territórios dominados pelos muçulmanos, estes concederam aos “Povos do Livro”, adeptos do monoteísmo – judeus e cristãos – o direito de praticar sua religião, sob a condição de pagarem uma taxa por “cabeça”, a djezia ou dhimma, em troca de proteção. No entanto, considerados cidadãos de segunda classe, seu status social era inferior ao dos muçulmanos e sua situação dependia muito dos governantes que estavam no poder. Conforme a interpretação que cada dinastia dava à legislação que governava os dhimmis, ou mesmo conforme o capricho de seus governantes, os judeus e os demais dhimmis eram submetidos – ou não – a uma série de humilhações públicas. Entre estas, estava a “chtaka” – uma bofetada dada, em público, uma vez por ano, ao chefe da comunidade judaica. 

Porém apesar de todos os possíveis perigos com a conquista árabe da região, a vida dos judeus melhorou gradativamente, à medida que os novos conquistadores sedimentavam sua presença na nova capital Kairouan, fundada em 670.

Os judeus de Kairouan



Os governantes permitiram o estabelecimento, em Kairouan, de academias de estudos que chegaram a um nível comparável às da Babilônia. A erudição judaica também encontrou campo fértil para seu desenvolvimento. Foram editadas muitas obras, inclusive um famoso livro de gramática, e os judeus da Tunísia chegaram a manter relações com seus correligionários em muitos outros países e até na Terra de Israel. Dois dos mais destacados sábios medievais, os rabinos Jacob e Nissim, por exemplo, estavam na vanguarda dos estudos religiosos bem como dos seculares.

Os judeus, gozando de liberdade para o exercício de várias atividades comerciais, ajudaram a desenvolver o país e praticamente monopolizaram o comércio de diversos produtos, como peles e sedas. As favoráveis condições de vida acabaram atraindo judeus vindos da Itália, Sicília e Espanha, que formaram novas comunidades em cidades costeiras e em portos, como Sousse, Monastir, Sfax e Gabès.

Eles lá viveram e formaram estudiosos como Rabi Isaac Israeli e Rabi Abu Sahl Dunash ben Tamin, este último, médico e autor do tratado místico Sefer Yetzirá (O Livro da Criação). Os estudos talmúdicos floresceram sob o estímulo de Rabi Houshiel b. Ihanan. O médico e filósofo Yitzhak b. Sulayman Israeli, nascido no Cairo, mas que vivia em Kairouan, foi responsável por importantes tratados médicos e obras filosóficas. O sábio Nissim ben Jacob deixou, entre outros, uma compilação de contos intitulada Hibur Yafé me-Hayeshuá (Livro do Consolo) – esta obra é o primeiro livro de contos da literatura judaica medieval.

No séc X, Kairouan já era um importante centro de estudo e atividade econômica judaica. Lá foram encontrados textos que mencionam um bairro judeu chamado “hara al yahoud ”. Uma lenda do século X sobre a criação do bairro judaico conta que, até então, os judeus eram obrigados a viver fora das muralhas de Túnis. Tentando mudar essa situação, pediram a um renomado jurista tunisiano, Sidi Mahrez, que intercedesse em seu favor junto ao soberano: “Quantos vocês são?”, teria perguntado o jurista. E os judeus, temendo assustá-lo, responderam: hara, que significa bairro. Sidi Mahrez então jogou um bastão para longe e disse: “Onde cair meu bastão será o hara de vocês”. Foi assim que, segundo a lenda, teria nascido na Tunísia o primeiro bairro judeu.

Os almorávidas e os almôadas

Durante o século XII, assumiram o poder, no Magrebe, dinastias muçulmanas mais fanáticas. Primeiro foram os almorávidas (1055-1157) e, em seguida, os almôadas. Com a conquista da região pelos almorávidas, os judeus são expulsos de Kairouan, só sendo readmitidos em 1881. 

Tanto os almorávidas quanto os almôadas comandavam tribos berberes do norte da África, recém-convertidas ao islamismo. Fanáticos, tinham como meta estabelecer uma comunidade política, na qual os princípios islâmicos fossem rigorosamente aplicados. Ambas não demonstravam a menor tolerância em relação aos judeus, que enfrentaram mais um período de perseguições. Em muitas ocasiões foram forçados a escolher entre a morte e a conversão ao islamismo. Os que se converteram, no entanto, continuavam a seguir o judaísmo em segredo.
Quando em 1147 os almôadas sitiaram Marrakesh e, em 1172, conquistaram todo o Império Almorávida, a situação dos judeus piorou ainda mais. Os almôadas, ainda mais fanáticos que os almorávidas, determinaram que os judeus do Magrebe usassem vestimentas de modelos e cores diferenciados, para poderem ser facilmente reconhecidos. Um poema de Rabi Abraham Ibn Ezra, uma das grandes figuras do judaísmo medieval espanhol, retrata o sofrimento pelo qual passaram as comunidades de Túnis, Sousse, Mahdia, Sfax, Gafsa, Gabès e Djerba: “O sangue de nossos filhos e filhas foi derramado neste dia de Shabat.”

Os Hafsidas

Em 1269, chega ao fim o domínio dos almôadas no Magrebe e uma dinastia mais tolerante – os Hafsidas, assume o poder. Novamente foi permitido aos judeus praticar abertamente sua religião. Grande parte das leis discriminatórias, no entanto, permaneceram em vigor, inclusive a djezia (imposto para os judeus), a obrigação de usar vestimentas diferenciadas e a segregação em bairros separados, os chamados Harat-al-Yahud (bairro de judeus). 

A dinastia Hafsida, que reina na região até 1574, fez de Túnis sua capital e, além de liberdade religiosa, deu mais uma vez aos judeus o direito de exercer diversas profissões, como ourives, tintureiros e alfaiates. Podiam também exercer cargos públicos. Novamente, os estudos talmúdicos foram beneficiados por essa liberdade que permitia, entre outros, que fossem consultados rabinos da Argélia sobre questões religiosas. As “responsas” dos rabinos da Argélia constituem as melhores fontes de informação sobre os judeus da Tunísia durante o domínio dos Hafsidas.

No final do século XV, a relativa liberdade no país levou à Tunísia diversos eruditos banidos da Espanha pelos Reis católicos, em 1492. Entre eles estava Abraham Zacuto, o astrônomo e matemático de Colombo. Foi em Túnis, em 1504, que Zacuto escreveu o famoso livro de genealogia Sefer Yuhasin. Outros nomes de destaque no período foram os rabinos Abraham Levy Bucrat, que redigiu famoso comentário sobre Rashi, e Moses Alashkar, autor de um celebrado comentário do Talmud.

No século XVI, os judeus se viram no meio da luta entre os turcos e espanhóis, na disputa pelo poder. Sofreram durante os combates entre as duas potências inimigas tanto quanto os demais membros da população local. Quando os espanhóis tomaram o poder na Tunísia, em 1535, numerosos judeus foram presos e vendidos como escravos para muitos países cristãos. Mas, apesar de tão terrível prática, não parece ter havido perseguições sistemáticas aos judeus durante a ocupação espanhola, que durou 40 anos.

Império Otomano

Após a vitória dos turcos sobre os espanhóis, em 1574, a Tunísia tornou-se uma província do Império Otomano, passando a ser governada por uma dinastia muçulmana indicada pelo poder em Istambul – os Bey. 

O domínio otomano foi um período de tranqüilidade e ascensão econômica e cultural para a população judaica, que viu aumentar consideravelmente o número de estudiosos, banqueiros e diplomatas. Os judeus monopolizavam o comércio de atum, coral e fios de lã, a tal ponto que, em 1810, chegaram a exportar mais de 200 mil xales, sendo mais da metade para a confecção de talitot, na Polônia. 

Uma significativa mudança social, no entanto, aconteceu no seio da comunidade judaica tunisiana, dividida em dois grupos: por um lado, o núcleo “nativo”, chamado em judeu-árabe de Tuansa – os tunisianos; e, pelo outro, judeus vindos da Itália, “imigrantes”, que se autodenominavam Gornim, palavra derivada da cidade italiana de Ligorno, atual Livorno. Os Tuansa, por sua vez, os chamavam de Grana. Apesar das diferenças, as duas comunidades, viviam no mesmo bairro – Haral-al-Yahud, porém, os imigrantes tinham seu próprio mercado – o Souk-al-Grana. Cada comunidade tinha suas sinagogas, escolas, açougues, tribunal rabínico, contabilidade e cemitério. Posteriormente, com a ascensão sócio-econômica dos Granas, estes passaram a viver em outras áreas da cidade.

No século XVIII, houve um florescimento dos estudos talmúdicos em todas as comunidades da Tunísia, particularmente em Túnis. No final do século XVIII, o rabino emissário de Hebron, Haim Yossef David Azulay, de passagem pelo país, prestou homenagem aos rabinos de Túnis, “cidade de grandes sábios e escritores”. Foi nessa época que os judeus da cidade foram a Livorno para imprimir as obras manuscritas de vários sábios, apadrinhados por mecenas, como Ros e Chemana. Autoridades rabínicas, como Yitzhak Lumbroso (falecido em 1752), Messaoud El Fassi (falecido em 1774) e Uziel el-Haïk (falecido em 1810) escreveram obras que foram impressas em Livorno muito após sua morte. Em 1768 foi também publicado o primeiro livro hebraico, Zera Yitzhak, do rabino Yitzhak Lumbroso. Mais de cem obras foram publicadas entre os séculos XVIII e XIX, ao ritmo de dois a três volumes ao ano.

A partir do século XIX, aumenta cada vez mais a influência européia sobre a Tunísia. O soberano Ahmed Bey (1837-1855) decide modernizar sua administração e seu exército e instaura uma política de reformas. Sua legislação liberal permitiu a inúmeros judeus ascender a importantes posições econômicas e políticas durante seu governo. Em virtude de um acordo assinado durante o ano de 1846, os judeus da Toscana que vinham estabelecer-se na Tunísia e os que vieram mais tarde obtiveram o direito de conservar sua nacionalidade por tempo indeterminado. Isto encorajou muitos outros a virem se instalar no país e eles constituíram, diferentemente dos livornenses, uma minoria estrangeira sob a proteção do cônsul da Toscana. 

O século XIX foi marcado por um grande interesse das nações européias em relação à África. Em 1830, a França assumiu a Argélia, e uma grande esperança tomou conta dos judeus da Tunísia. O desejo dos judeus de passar a viver sob o domínio das potências européias era incentivado pelas explosões de violência contra os judeus que, às vezes, ocorriam sob os mais diferentes pretextos. Em 1856, um judeu tunisiano, Batto Sfez, falsamente acusado de blasfemar contra o Islã, foi linchado nas ruas por uma turba de muçulmanos enfurecidos.

A influência da Europa atingia também o plano cultural. Os filhos das famílias judias da burguesia tunisiana, à procura de um ensino laico de nível mais alto, freqüentavam escolas protestantes. Com a inauguração, em 1878, da Aliança Israelita Universal em Túnis, as famílias judias de todas as classes sociais puderam lá matricular seus filhos. O currículo incluía história judaica e o ensino do hebraico e os dispensava dos programas das escolas francesas. Desde então, a população judaica iniciou um processo de evolução que se ampliaria sob o Protetorado Francês, instituído em 12 de maio de 1881 pelo Tratado Pardo. 

Protetorado Francês



Os judeus da Tunísia acolheram o Protetorado Francês com entusiasmo, certos de que sua condição melhoraria sob a égide de uma França que havia sido a primeira, na Europa, a emancipar seus correligionários. De fato, a situação econômica da comunidade prosperou em favor da economia colonial, apesar de muitas de suas expectativas num primeiro momento terem sido frustradas. Entre estas, a possibilidade de se tornarem cidadãos franceses. A França não tinha condedido aos tunisianos tal possibilidade, assim como fizera na Argélia.

Sob o Protetorado Francês outras escolas da Aliança Israelita foram abertas em Túnis, Sousse e Sfax. A escolaridade das novas gerações gerou a aculturação da população judaica. As famílias abastadas abandonaram o bairro judeu, o “hara”, para se instalar nos novos bairros “europeus”. Gráficas judaicas foram fundadas, sendo impressos livros de reza e tratados talmúdicos compostos pelos rabinos tunisianos, além de publicações em judeu-árabe.

Uma literatura popular em judeu-árabe, redigida em caracteres hebraicos, desenvolveu-se a partir dos meados do século 19. Foram produzidos aproximadamente 1.200 textos nesse período. Havia também 60 jornais. Em seu apogeu, a literatura local ultrapassou as fronteiras da Tunísia e passou a ser lida em todo o Magrebe, de Bengazi a Casablanca. A adoção da cultura e dos hábitos franceses se intensifica. A ocidentalização se reflete também nos novos costumes familiares e no enfraquecimento das práticas religiosas nas classes consideradas “evoluídas”. As publicações em judeu-árabe são deixadas de lado, em troca de jornais e revistas franceses. Depois da Primeira Guerra Mundial, os escritores judeus tunisianos publicam suas obras em francês.

Logo após a Primeira Guerra Mundial, a comunidade judaica, por um decreto de 20 de agosto de 1921, passou a ter um Conselho de Administração eleito com representação proporcional de “livornenses” e “tunisianos”. Assim, a população judaica era representada em todas as assembléias do país. 

Dois anos depois, uma lei francesa permitiu a concessão da nacionalidade francesa e muitos judeus tunisianos – estima-se que aproximadamente 35 mil, de 1923 a1956 – obtiveram sua naturalização. Preconizada por muitos judeus, a naturalização foi combatida pelos “tradicionalistas”, que acreditavam que acelerava a perda de valores judaicos, assim como pelos sionistas, que acreditavam numa solução nacional para a questão judaica, e também pelos marxistas, que desejavam ver os judeus unirem o seu destino ao de seus compatriotas muçulmanos.

Os laços entre a comunidade da Tunísia e Eretz Israel se mantiveram fortes e o crescimento do movimento sionista na Europa inspirou a formação de diversas organizações sionistas, entre as quais, Agudat Sion, Yoshevet Sion e Terahem Sion que, em 1920, unificaram-se formando a Federação Sionista Oficial. Cursos de hebraico moderno proliferaram e havia um grande interesse pelos problemas sociais, econômicos e políticos da comunidade judaica da então Palestina. Em 1929 foi criado, na Tunísia, um movimento pioneiro, Hashomer Hatzair, seguido, em 1933, do movimento Betar.

A situação dos judeus deteriorou-se novamente quando a França foi ocupada pelos alemães, em 1940, e o governo de Vichy adotou as mesmas leis anti-semitas da Alemanha não apenas em território francês, mas também em todos os seus protetorados. Após a vitória dos aliados em El Alamein, em outubro de 1942, as forças alemãs ocuparam a Tunísia e assumiram o controle sobre o destino de 105 mil judeus. Imediatamente, todas as organizações comunitárias foram abolidas e todos os judeus tiveram que usar a Estrela de David amarela em suas roupas. Cinco mil jovens foram levados a campos de trabalhos forçados e a comunidade teve que pagar uma multa de vinte milhões de francos. Os bens de todos os judeus foram confiscados. 

Felizmente, os alemães derrotados pelas forças aliadas na África deixaram a Tunísia em 1943, meses antes de conseguir implementar seus planos de aniquilação de toda a população judaica, como vinham fazendo na Europa.

Com o fim da ocupação alemã, os direitos dos judeus foram restaurados. Em 1945, os judeus somavam 105 mil pessoas, das quais 65 mil em Túnis. Houve um renas-cimento da vida judaica intelectual e cultural. 

A Tunísia vivia também um momento especial em sua história, com o surgimento de um movimento nacionalista que passou a lutar pela independência do país. Sob o comando de Habib Bourguiba, o grupo começou a se articular em meados de 1930 e contou com a participação de inúmeros judeus, entre os quais André Barouche. A independência foi conseguida em março de 1956 e Bourguiba foi o primeiro presidente do país. Ele incluiu em seu governo o seu companheiro de luta, Barouche. 

A intolerância em relação aos judeus, no entanto, continuava latente, disfarçada sob o manto de uma convivência pacífica. Bourguiba ordenou a dissolução de todas as organizações judaicas e a sua unificação em um único órgão, denominado Conselho Religioso Judaico, cujos membros eram indicados por ele. Determinou também a destruição do antigo bairro judeu, incluindo a mais antiga sinagoga de Túnis. Apesar disso, a Tunísia se destaca entre os países árabes por sua atitude moderada em relação ao Estado de Israel. Mas o crescimento da intolerância em reação aos judeus é proporcional à evolução do conflito árabe-israelense. As manifestações e atos de violência aumentaram consideravelmente durante e depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a Grande Sinagoga de Túnis foi incendiada diante dos olhos da polícia. Centenas de lojas de judeus foram atacadas e destruídas, assim como carros e outras propriedades. Bourguiba fez um apelo pelo rádio, pedindo o fim da violência e lamentando o ocorrido.

Os fatos, no entanto, trouxeram de volta à memória dos judeus o clima de intolerância tantas vezes registrado na história do país, ao longo dos séculos, e a emigração para Israel passou a ser uma séria possibilidade. Dos 105 mil judeus que havia no período da luta pela independência tunisiana, restavam apenas 23 mil, no final de 1967, e nove mil, em meados de 1990. Cerca de 53 mil foram para Israel. Atualmente, há apenas cerca de 1.500 judeus no país, que vivem principalmente em Túnis e em Djerba, uma ilha ao sul, na qual está localizada a sinagoga de Ghriba (Morasha nº 36 ). 

Esta sinagoga, inclusive, foi palco de um atentado terrorista cometido pela Al-Qaeda, em abril de 2002, quando um carro com botijões de gás foi explodido em frente à instituição. Dezoito turistas alemães e dois franceses morreram. Outros atos de terrorismo foram registrados nas sinagogas de Marsa e de Sfax.n


"A vida dos judeus na Tunísia foi muito dura nessa época, em particular durante o governo dos imperadores romanos Vespasiano e Adriano" 


"Uma literatura popular em judeu-árabe, redigida em caracteres hebraicos, desenvolveu-se a partir dos meados do século 19. Foram produzidos aproximadamente 1.200 textos nesse período." 


Bibliografia:

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