Atenas ainda gosta de sonhar. Quando a lua cheia surge sobre a Acrópole e inunda o Partenon em luz etérea, é quase possível transportar-se, através da imaginação, à glória que um dia a Grécia conheceu. As antigas ruínas permanecem majestosas, cercadas, no entanto, pela realidade do século XXI. Foi em Atenas, no ano de 776 a.E.C., que foram realizados os primeiros "Jogos Olímpicos" da Antigüidade. Mais uma vez, neste ano de 2004, esta cidade milenar sediará os Jogos Olímpicos.

E os judeus de Atenas? Apesar de, hoje, a maior parte dos judeus da Grécia viver em Atenas, nem sempre foi assim. Até o início da 2ª Guerra Mundial, a maioria dos judeus vivia em Salonica. Atualmente, há 3 mil na capital grega. Se, individualmente, os judeus atenienses estão bem integrados na sociedade grega, o mesmo não acontece em termos de comunidade.

Como estrelas distantes de uma galáxia histórica, a constelação Jerusalém-Atenas-Roma, embora enfraquecida, ainda transmite luz. Desse antigo triunvirato surgem as pedras fundamentais da civilização ocidental. É óbvio que os povos da tríade mantiveram contatos, assim como é igualmente óbvio que foram rivais e, às vezes, inimigos. E, enquanto os atenienses viam os Yerushalmis como os filósofos do Oriente, seus concorrentes, os Yerushalmis - cuja filosofia de vida, é sem dúvida, diametralmente oposta à judaica - viam os gregos, no mínimo, com desconfiança.

Os primeiros contatos entre atenienses e judeus datam da época do exílio babilônico (586-539 a.E.C.). Moedas cunhadas durante a ocupação persa da Judéia trazem a inscrição "Yahud" e a imagem perfurada de uma coruja semelhante àquela do dracma ateniense.

O profeta Ezequiel relata sobre mercadores gregos vindos de "Yavan" (Iônia) e o historiador grego Heródoto, também chamado "Pai da História", escreveu que havia judeus na frota persa que invadiu a Grécia, em 480 a.E.C. Também é provável que houvesse judeus nas cidades gregas desde o exílio babilônico, mas as evidências de uma primeira comunidade organizada só aparecem no início do século V a.E.C.

Em meados do IV século a.E.C., após a conquista da Terra de Israel por Alexandre da Macedônia, aumentaram os contatos entre atenienses e judeus. Comunidades judaicas floresceram na Grécia durante o reinado de Alexandre, o Grande, e no período helenístico. Sabe-se que em 300 a.E.C. imigrantes judeus se estabeleceram ao longo da costa do Mar Egeu e dentro da península. O primeiro que se tornou conhecido foi "Moschos, filho de Moschion, o judeu" mencionado em uma inscrição, datada de 300-250 a.E.C., encontrada na pequena cidade marítima de Oropos, localizada no litoral entre Atenas e Boécia.

O encontro entre o mundo grego e judaico levou ao confronto entre a cultura e filosofia grega e a religião e tradição judaica. O primeiro de muitos ocorreu na Terra de Israel durante a Guerra dos Macabeus (170-161 a.E.C.). Nessa ocasião, os macabeus - judeus que não queriam adotar hábitos e costumes gregos, nem quiseram deixar de seguir os preceitos da fé judaica - enfrentaram os gregos e os judeus helenizados. Durante a guerra, muitos judeus foram aprisionados e levados como escravos para a Grécia, onde acabaram integrando-se às comunidades judaicas locais.

Nos séculos posteriores, os judeus continuaram a se estabelecer na Grécia e a formar comunidades em várias cidades. Atenas é mencionada em inúmeras ocasiões e em vários contextos nos textos judaicos. Sabe-se que os atenienses mantiveram ligações com o estado judaico dos Hasmoneus porque, em 105 a.E.C., Atenas homenageou Hircano, Sumo Sacerdote e legislador judeu. Foi-lhe ofertada uma coroa de ouro e um artefato em bronze confeccionado em sua honra ficou guardado no Templo de Demos. Flávio Josefo - o controvertido historiador das "Guerras dos Judeus" - relata em sua obra o relacionamento amigável que existia entre Atenas e Heródes, rei da Judéia.

Enquanto isso, o Império Romano se tornara poder dominante em todo o Mediterrâneo e em grande parte da Europa, inclusive da Grécia. Em 66 E.C., Roma, que não tolerava rebeliões em seu domínio, envia seus exércitos à Judéia para debelar a Grande Revolta Judaica. Jerusalém cai em mãos romanas e, em 70 E.C., é destruído o Grande Templo. É o inicio da Diáspora, quando milhares de judeus são obrigados a se estabelecer fora da Terra de Israel. Alguns se dirigiram às Ilhas do Mar Egeu, Anatólia, Peloponeso e Ática e se juntaram aos que lá viviam desde tempos bíblicos.

Há informações concretas de uma comunidade em Atenas a partir do início do primeiro século a.E.C., quando Agripa I escreveu a Calígula, contando que havia judeus em Ática. Na mesma época, o apóstolo Paulo - nascido Saul, um judeu, em Tarso - pregava os novos ensinamentos cristãos em uma sinagoga de Atenas. Aproximadamente em 580 E.C., Atenas sofreu seu primeiro grande ataque por parte dos povos eslavos. Acredita-se que nessa ocasião tenha sido destruída uma sinagoga que havia no Ágora e construída uma outra em Egina, logo a seguir.

No decorrer dos séculos seguintes, Atenas sofreu inúmeros ataques por terra e por mar, até o século XI, quando os bizantinos voltam a controlar a região. Não se sabe quantos ou mesmo se algum judeu ficou na cidade, durante o período, mas tudo indica que tenha partido, porque quando Benjamin de Tudela chegou à Grécia, no século XII, citou a existência de comunidades em Halkis, Corfu, Patras, Corinto, Tebes, Salonica e em outros lugares, mas não fez menção a Atenas.

Com a queda de Constantinopla, em 1453, os turcos otomanos passaram a ter domínio sobre toda a Grécia. A partir da expulsão dos judeus da Espanha, em 1492, muitos buscaram refúgio nas áreas sob domínio do Império Otomano, pois os turcos viam com bons olhos a vinda dos judeus sefaraditas. Embora a maior parte escolhesse cidades como Salonica, Istambul ou Izmir para se estabelecer, alguns foram para Atenas.

Até a vinda dos judeus sefaraditas, havia no país apenas judeus de origem romaniota, sendo assim denominados os judeus que viviam na Grécia ou na região dos Balcãs, desde a Antigüidade. Um dos traços distintos do min'hag desenvolvido pelos romaniotas era o uso da língua grega em sua liturgia, muitas vezes escrita com caracteres hebraicos. O costume teve origem no século VI E.C., quando Justiniano, Imperador do Sacro Império Romano do Oriente (Império Bizantino), baixou uma lei que obrigava os judeus gregos a ler a tradução grega da Torá, ao invés da original, em hebraico ou aramaico.

Com o passar do tempo, os sefaraditas, muito apegados às suas tradições, à língua hebraica e ao ladino, acabaram impondo seus rituais aos judeus romaniotas. O min'hag dos romaniotas acabou desaparecendo, prevalecendo o sefaradita.

Há poucas informações sobre a comunidade judaica de Atenas e, tanto no Talmud da Babilônia como no de Jerusalém, há apenas vagas referências. Em 1620, um viajante francês relatou ter encontrado, 15 a 20 famílias em Atenas. Em 1650, Shabetai Zvi, o falso messias, visitou Atenas e permaneceu algum tempo com a comunidade judaica da cidade.

Durante a guerra de independência grega (1821-1823), quando os gregos se revoltaram contra os turcos, milhares de judeus, considerados pela população aliados dos turcos, foram massacrados ou induzidos a fugir, terminando com a presença judaica em várias áreas da Grécia, principalmente no Peloponeso. Quando o sul da Grécia se tornou independente e, em 1834, Atenas foi nomeada capital do país, uma comunidade judaica de origem ashquenazita começou a se desenvolver na cidade. Vários estrangeiros se transferiram para Atenas, juntamente com o rei Oto I, da Bavária, primeiro rei da Grécia. Entre eles, o líder financeiro Max de Rothschild, membro da renomada família de banqueiros. Outros judeus alemães o seguiram, marcando o início da contemporânea comunidade judaica de Atenas, que, segundo algumas fontes, possuía 30 famílias por volta de 1840.

A primeira tentativa de construir uma sinagoga foi tumultuada e não deu resultado. O projeto contava com o apoio de uma mulher excêntrica que, apesar de não ser judia, nutria profunda simpatia pelo judaísmo: Sophie Marbois - Duquesa de Plaissance. Após herdar a fortuna do marido, a duquesa mudara-se para Atenas, passando a investir sua fortuna em imóveis. Em 1840, Sophie se compromete a ajudar Max de Rothschild no projeto e doa um terreno para a construção da futura sinagoga. Entretanto, apesar dos esforços, o projeto não foi adiante em grande parte porque não se conseguiu arrecadar os fundos necessários.

Em 1878, cerca de 60 judeus viviam em Atenas. Com a vinda de outros contingentes, de toda Grécia e de outras regiões da Ásia Menor, as características da comunidade foram mudando e a população judaica aumentou, chegando a ter 300 pessoas em 1887. Diferentemente dos judeus alemães, que se estabeleceram na cidade nas primeiras décadas do século XIX, estes não eram "emancipados"; tinham formação judaica tradicional e consideravam muito importante viver em uma comunidade judaica organizada. Em 1890, Charles de Rothschild, filho de Max, consegue o reconhecimento oficial da comunidade pelas autoridades gregas e a permissão de construir um cemitério. Era o primeiro passo para a criação de uma comunidade, mas o terreno para construção da primeira sinagoga só seria adquirido em 1903. Quando, finalmente ficou pronta a primeira sinagoga, as diferenças de costumes e rituais entre os judeus sefaraditas e romaniotas fez com que uma segunda fosse criada logo a seguir.

Após a Guerra dos Balcãs (1912-1913), quando as cidades do norte de Ioanina e Salonica tornam-se parte da Grécia e com a melhoria na situação econômica de Atenas, judeus de várias partes do país se instalam na capital. Após a 1ª Guerra Mundial, já se fazia necessária a construção de uma terceira sinagoga, mas esta foi completada apenas às vésperas do início da 2ª Guerra Mundial.

 

Bibilografia:

Stavroulakis, Nicholas P, The Jews of Greece, An essay, Talos Press, Athens.

Stavroulakis, Nicholas P., De Vinney Timothy J., Jewish Sites and Synagogues of Greece, Talos Press, Athens.

Elias V. Messinas, Archives.