A presença judaica no território da atual Argélia remonta ao início da Era Comum. Durante grande parte de sua milenar história os judeus estiveram sob domínio islâmico. Vivenciaram alguns períodos de tolerância e crescimento, mas inúmeros outros de humilhações, perseguições e morte. Sua sorte mudou em 1830 quando a Argélia se tornou colônia francesa.

Situada no Norte da África, a Argélia, segundo maior país em extensão territorial do continente africano, faz parte do Magrebe – em árabe, Al-Maghrib, que significa “poente” ou “ocidente”. A região tem sido habitada por povos berberes1 desde o primeiro milênio antes da Era Comum.

Embora não seja possível determinar em que ano e circunstâncias os primeiros judeus se estabeleceram na região, as tradições locais indicam que sua presença remonta à Antiguidade. De acordo com o Prof. Richard Ayoun, judeu argelino e renomado historiador, os judeus já viviam na região no período fenício e cartaginense. Havia judeus na costa mediterrânea, em Hippo Regius (moderna Annaba), Igilgili (Jijel), Iol (Cherchell), Icosium (Argel) e Gunugu (Gouraya), no interior na região de Constantina e, no planalto, em Medéia, nas montanhas Atlas do Tell. Sabe-se que seu número cresceu após terem os romanos derrotado Cartago, em 146 AEC, e estenderem seu domínio sobre todo o Mediterrâneo.

Sob domínio de Roma

No ano 70 de nossa Era, os romanos conquistaram Jerusalém e destruíram o Templo Sagrado. Para os judeus, foram dramáticas as consequências da 1ª Guerra Judaico-romana: milhares foram mortos, outros tantos levados pelos romanos como escravos e outros fugiram. Era o início da Grande Diáspora. Um grande contingente acabou se estabelecendo no Norte da África, inclusive na Argélia. Epitáfios que foram descobertos na região de Constantina confirmam a presença judaica no 1º século EC.

Há um aumento da população judaica na região, no século seguinte, após Roma ter esmagado as revoltas judaicas: em Cirenaica, em 115, a chamada Guerra das Diásporas, e, em 132, na Terra de Israel, a 2ª Guerra Judaico-romana, liderada por Bar Kochba.

Nesse período havia uma importante presença de judeus não apenas no litoral, mas também na região central da moderna Argélia, como revelam as pesquisas do historiador judeu Jacob Oliel, francês de origem argelina, sobre os judeus que habitavam o Saara. Em Touat, por exemplo, os judeus se estabeleceram por volta de 132.

Para os judeus do Norte da África os séculos 1 e 2 foram marcados por turbulência e estagnação. Mas, assim que a Pax Romana foi restabelecida nos domínios de Roma, eles entram em um período de tranquilidade e desenvolvimento. Na Argélia, há um fortalecimento de várias comunidades, com a construção de inúmeras sinagogas, entre outros, nas cidades de Setif, no século 3, e em Auzia (Aumale) e Tipaza, no século seguinte.

Mas, quando o cristianismo se torna a religião do Império Romano, no século 4, a vida judaica entra em retrocesso. Há uma progressiva degradação oficial do judaísmo, que passa de religião “lícita” para meramente “tolerada”.

Na Argélia, como em outras partes do Império, alguns de seus direitos civis são abolidos e algumas sinagogas transformadas em igrejas. Muitos deixam as cidades litorâneas, refugiando-se entre os berberes, nas montanhas Atlas.

Apesar desse retrocesso, nos séculos 4 e 5, a importância das comunidades judaicas argelinas é atestada por dois importantes teólogos cristãos: Agostinho, Bispo de Hipona (Santo Agostinho) e Jerônimo de Estridão (São Jerônimo). Vale ressaltar que ambos nutriam profundo e nocivo anti-judaísmo. Em uma de suas cartas, Jerônimo de Estridão afirma que as comunidades judaicas formavam uma corrente ininterrupta “desde a Mauritânia2, atravessando a África e o Egito até a Índia”.  Registros de historiadores árabes do século 5 também confirmam sua presença no Sudoeste da Argélia.

Com o enfraquecimento do Império Romano, os berberes retomaram o controle da maior parte de seu antigo território no Norte da África, com exceção das áreas onde, no século 5, os vândalos, tribo germânica que invadira o Império Romano, estabelecem um reino.

Sob os vândalos, os judeus vivem em pé de igualdade com o restante da população e podem professar sua fé, sem restrições. Mas o período de bonança chega ao fim quando, em 534, as forças do imperador bizantino, Justiniano I, subjugam o Reino Vândalo. Com o domínio bizantino tem início uma cruel perseguição aos judeus, que são excluídos de todas as funções públicas e, mais uma vez, muitas sinagogas são transformadas em igrejas, como a de Tipaza.

No século 7, apesar das discriminações, a vida judaica na região da atual Argélia é melhor do que na Espanha sob domínio visigodo, e judeus espanhóis que fugiam de perseguições e conversões forçadas pelo rei Sisebuto e seus sucessores, lá se estabelecem, inclusive entre os berberes.

De acordo com historiadores árabes, ao se refugiarem entre os berberes, os judeus converteram muitas tribos ao judaísmo. Ibn Kaldun, historiador árabe do século 14, afirma em suas obras que várias tribos berberes professavam o judaísmo, entre elas as de Jarua e de Jerawa. No entanto, apesar de não descartar totalmente essa teoria, há historiadores que questionam o fato de que “tribos inteiras” se tenham convertido ao judaísmo. Eles apontam para a falta de registros de tais conversões, e o fato de não haver menção a isso em documentos judaicos anteriores ao século 15.

A chegada do Islã

O surgimento do Islã, em meados do século 7, muda a geopolítica e a cultura do Norte da África. Em quatro décadas, vencendo a tenaz resistência berbere, os exércitos árabes dominam todo o Magrebe.

Para a população judaica, a invasão árabe foi um período de muito sofrimento. Um grande número de judeus alia-se aos berberes, organizando uma resistência armada que duraria 25 anos. É desse período a história de Kahena, a rainha judia da tribo de Jerawa, que consegue mobilizar seu povo no Aurès, uma região no leste da Argélia. Principal líder na luta berbere contra as forças árabes, entre 687 e 697, sua morte, em 693, marca o fim da resistência das tribos berberes, que então se submetem ao Islã.

Com o fim dos conflitos, no início do século 8, judeus vindos de todo Oriente Médio se estabelecem no Magrebe e reerguem a vida comunitária. Nas cidades de Bugia, Argel, Orã, Constantina, Mostaganem, Biskra e M’za há comunidades organizadas. Após a conquista da Espanha, em 711, por Tarik ibn-Ziyad, governador do Magrebe Ocidental, as comunidades argelinas estreitam seus laços com a Espanha muçulmana e se tornam parte da tradição babilônico-sefardita.

A história dos judeus da Argélia sob domínio islâmico, um período que se estende por 13 séculos, apresenta tanto similaridades quanto particularidades com a de outros judeus que viviam em Dar al-Islam3. A princípio, os integrantes do Povo do Livro, judeus e cristãos, podiam viver em todo o território sob jugo islâmico sem serem forçados a adotar o islamismo, mediante uma cláusula que lhes concedia o “status protegido” de al-Adhimma. Na condição de dhimmis, eles aceitavam a supremacia do Islã, submetendo-se ao Estado muçulmano, que lhes garantia a vida, a propriedade e o direito de praticar sua religião. Em contrapartida, tinham que cumprir uma série de obrigações e pagar tributos especiais, sendo que o mais importante era um imposto anual, o jizya.

A vida judaica sob diferentes dinastias islâmicas

No decorrer dos séculos seguintes, a região da atual Argélia é palco de períodos de instabilidade política e militar, quando diferentes dinastias tomam o poder. Com isso, os judeus vivenciam curtos períodos de tolerância, seguidos de outros de humilhações, perseguições e destruição. Pois, como o status de al-Adhimma apenas suspendia o direito do conquistador de tomar a vida e propriedade dos conquistados, a vida e bem-estar dos dhimmis ficavam à mercê do humor e dos interesses de cada governante.

Inicia-se um período de perseguições quando a dinastia idríssida passa a controlar a parte ocidental da Argélia. O historiador Ibn-Kaldun, mencionado anteriormente, relata que o fundador dessa dinastia se dedicou a apagar todos os vestígios de judaísmo de seus domínios. A situação volta a melhorar quando, no século 9, os aglábidas4 tomam o poder na região. Para os judeus, inicia-se um período de certa tranquilidade e até mesmo de favorecimento. Os conselheiros dos emires aglábidas Ziyadat Allah I e Ziyadat Allah III, por exemplo, eram médicos judeus, respeitados no reino.

No início do século 10 havia judeus em Mejana e Mesila e nas capitais dos vários reinos berberes, como em Tiaret. Nessa cidade viveu o Rabi Judah ibn Quraysh, autor de um estudo comparativo do hebraico e do árabe ao arameu.

No século 11, o surgimento dos almorávidas, dinastia berbere islâmica, muda, uma vez mais, a dinâmica da região. Os exércitos almorávidas conquistam o Norte da África e o Sul da Península Ibérica. E, apesar de seu rigor em aplicar a lei islâmica e sua intolerância aos não muçulmanos, na região da atual Argélia os judeus foram deixados em paz. Mas, sua relativa tranquilidade termina em meados do século 12, quando toma o poder outra dinastia berbere, a dos almôadas, em árabe al-Muwahhidun, “os monoteístas”.

Os almôadas, que queriam pôr fim à corrupção e à lassidão dos então governantes islâmicos na aplicação das leis do Corão, conquistam o Norte da África: Marrocos, em 1146; Argélia, por volta de 1151; e, em 1160, haviam completado a conquista do Magrebe Central. Ocuparam também grande parte de al-Andalus, Espanha muçulmana, mantendo-se no poder até meados do século 13.

O fundador da dinastia faz dos judeus o alvo de suas perseguições. Seus sucessores adotam a mesma política e o século de domínio almôada é de intenso sofrimento. Relatos da época sobre as comunidades judaicas argelinas descrevem massacres e destruição. Em 1142, a comunidade judaica de Orã é arrasada; em 1145, a de Tlemcen; em 1146, a de Bougie.

A situação piora em 1165, após a adoção de uma política de conversão em massa. Sinagogas e ieshivot são fechadas e, sob a ponta da espada, os judeus são obrigados a escolher entre o Islã e a morte. Em 1198, desconfiando da “veracidade de suas conversões”, os governantes os obrigam a usar um traje especial de cor amarela a fim de distingui-los dos muçulmanos “autênticos”.

Em torno de 1236, com a desintegração do domínio almôada, outra dinastia muçulmana, os zianidas, toma o poder no Noroeste da atual Argélia. Centrados em Tlemcen, seus domínios estendem-se até Argel. Os zianidas conseguem manter certo controle sobre o Magrebe Central até a chegada dos otomanos, no século 16.

A chegada dos sefaraditas

As ligações entre as comunidades judaicas do Magrebe e as da Espanha eram próximas, e não foram poucas as ocasiões em que, alvo de perseguições em determinada região, os judeus saíam em busca de refúgio no país vizinho.

Nos séculos 13 e 14 estreitam-se os laços comerciais entre as cidades costeiras da Argélia e da Espanha. Comerciantes judeus haviam recebido concessões e privilégios por parte de governantes cristãos bem como de muçulmanos. Ademais, os reis da Espanha cristã costumavam enviar judeus como embaixadores para as cortes dos califas e príncipes muçulmanos.

Eram especialmente próximas as relações entre a Coroa de Aragão e os comerciantes judeus de Barcelona e Maiorca, que se haviam estabelecido na Argélia.

Em meados do século 13, Aragão passa a dominar o comércio entre as cidades costeiras de Tlemcen, Orã e a Europa. O controle de Tlemcen era de importância estratégica, pois permitia o controle da rota de caravanas que traziam o ouro do Sudão. A rota era também conhecida como “A estrada judia” devido à predominância judaica no comércio da região.

O fluxo de judeus sefaraditas em busca de refúgio na costa africana aumenta após 1391, quando os judeus de Castela, Aragão e das Ilhas Baleares são alvo de violentas perseguições conhecidas na história judaica como os Massacres de 5151. São poucos os judeus que se estabelecem no Marrocos, que passava por um período de turbulência interna; a maioria se instala em cidades da moderna Argélia, como Tlemcen e Argel, e no litoral.

Os zianidas, como vimos acima, que então dominavam grande parte da atual Argélia, autorizam os judeus ibéricos a se estabelecerem em seus domínios mediante o pagamento de uma taxa de admissão, e alguns dentre eles chegam a ocupar importantes cargos nas cortes. A conexão que havia entre os sefardim e a Península Ibérica foi o que fez com que os governantes muçulmanos os vissem com bons olhos. Em diversas oportunidades os judeus foram usados como diplomatas e intermediários em negociações ultramarinas. Nesse período, de modo geral, as relações judaico-muçulmanas eram boas, sendo que apenas ocasionalmente explosões de fanatismo davam origem a perseguições.

Entre os judeus espanhóis que se refugiaram na Argélia havia grandes rabinos. Em Argel estabeleceram-se duas importantes autoridades talmúdicas: o Rabi Isaac ben Sheshet Perfet (1326 – 1408), conhecido como o Rivash, e o Rabi Shimon ben Zemah Duran (1361 – 1444), o Rashbatz. Em 1394, estes dois sábios redigem os estatutos da comunidade judaica de Argel, que, no século 15, torna-se um grande centro religioso.

Em Tlemcen, se estabelece o Rabi Ephraim ben IsraelEnkaoua (1359-1442). Exímio médico, Rabi Enkaoua consegue curar, após terem falhado vários outros, a filha única do sultão zianida. Em agradecimento, o sultão lhe concede um bairro próximo ao Palácio, onde ele e outros judeus poderiam viver em paz. Nesse bairro, conhecido como Darb al-Yahoud, foi erguida uma grande sinagoga que leva o nome de Rabi Enkaoua.  Gerações de judeus visitavam seu túmulo, anualmente, no mês de maio. Depois da independência da Argélia, em 1962, o governo proibiu acesso ao mesmo.

Edito de expulsão de 1492

Após o Edito de expulsão dos judeus da Espanha, em 1492, mais uma vez há um fluxo judaico em busca de refúgio no Norte da África, mas nessa ocasião, a maioria se estabelece no Marrocos. Não é certo o número de judeus que desembarcaram na atual Argélia. Como exemplo, há registros de que 12 mil chegaram a Tlemcen, enquanto outros afirmam que foram apenas algumas centenas.

Os sefaraditas, chamados de megorashim, “exilados” ou “expulsos”, se estabelecem tanto em cidades do litoral quanto no interior da Argélia. Não foram poucas as vezes em que os judeus locais, chamados de toshavim, tiveram que interceder perante as autoridades islâmicas para que fosse permitido aos sefaraditas lá se estabelecer.

Em suas crônicas, o rabino e historiador Eliyahu Capsali(c. 1483-1555),relata a chegada dos sefaradim a Orã: “Alguns (judeus espanhóis) içaram velas em direção às terras muçulmanas, como Orã, Alcazar e Bougie (…) dezenas de milhares chegaram ao porto de Orã. Os habitantes … ao ver o grande número de embarcações, reclamaram… ‘eles veem como inimigos para destruir-nos e nos levar como escravos... Reúnam-se e vamos para as cidades fortificadas para lutar’... E eles atiraram nas naus… destruindo parte dos judeus. Mas, …quando soube da expulsão, o Califa os recebeu com amabilidade, depois que um mediador, na pessoa de Rabi Abraham, saiu em sua defesa no palácio..., a cidade ficou pequena para absorvê-los. O Califa, então, construiu para eles moradias de madeira fora dos muros da cidade”.

Enquanto a grande massa de judeus autóctones vivia precariamente e, dentre eles, era pequeno o número de abastados, frequentemente os recém-chegados eram de um nível sociocultural e econômico mais elevado. Os sefaraditas passaram a viver em bairros separados, mantendo suas próprias sinagogas, cemitérios e entidades beneficentes. Vestiam-se de forma diferente, continuando a usar boinas ou capuzes. Por essa razão foram chamados de “Ba’alei ha-kapus” ou Kabusiyyin, contrastando com os “Ba’alei ha-miznefet”, os judeus nativos que usavam turbantes.

As relações entre os dois grupos se tornam tensas por inúmeras causas: medo da concorrência comercial, diferenças nos costumes e tradições religiosas e no idioma.

Mas, mesmo seus maiores detratores admitiam que os sefaraditas haviam dado novo elã à vida judaica na Argélia. Suas aptidões nos negócios e ampla rede de contatos haviam impulsionado o comércio, fazendo com que prosperassem mesmo as comunidades judaicas mais remotas. Exportavam penas de avestruz e ouro, bem como cereais, tapetes, lã e peles para a Europa, de lá importando seus produtos.

Sua erudição e devoção ao estudo da Torá fortaleceram as instituições comunitárias e a vida religiosa. Rabinos originários da Espanha lideravam no século 16 quase todas as comunidades judaicas na Argélia, sendo que Argel, Constantina e Tlemcen se tornaram conceituados centros de estudos religiosos.

Apesar de, com o tempo, os dirigentes comunitários locais acabarem adotando a liturgia sefardita, quando se tratava de questões relacionadas aos min’haguim, tradições religiosas, muitas vezes foram os rabinos sefaraditas que se viram obrigados a aprovar o costume local. Os regulamentos específicos a cada uma das comunidades davam-lhes certa individualidade que os judeus locais tratavam de preservar para as gerações futuras. Por exemplo, as comunidades de Tlemcen, Orã e Argel tinham, cada uma, seu próprio Machzor, o livro das orações de Rosh Hashaná e Yom Kipur.

Nos séculos 17 e 18 verifica-se, em Argel, um renascimento dos estudos talmúdicos, com os Rabinos Saadia Chouraqui e Juda Ayache (1690 – 1760), autores do tratado Beit Yehudá (Casa de Yehudá), onde descrevem os costumes dos judeus locais.

Ocupação espanhola

A queda de Granada em mãos cristãs, em 1492, não pôs fim à cruzada dos espanhóis contra os muçulmanos. Com certa facilidade, a Espanha cristã impôs sua influência sobre a costa do Magrebe, construindo postos avançados fortificados ao longo da costa argelina. Assim, pouco a pouco a Espanha foi tomando controle de Mers el Kebir, em 1505; Orã, em 1509; e Bougie, Tlemcen, Mostaganem e Ténès em 1510. No mesmo ano os mercadores muçulmanos de Argel entregaram uma das ilhotas rochosas em torno de seu porto, onde os espanhóis construíram um forte.

A ocupação espanhola em Orã e Bougie trouxe violência e morte na comunidade judaica local. Em 1509, após a tomada de Orã, as forças espanholas caíram sobre os judeus da cidade massacrando os homens e estuprando as mulheres. A sinagoga local foi transformada em igreja. No ano seguinte, ao conquistar Bougie, os espanhóis foram ainda mais brutais com os judeus.

Mas, após algum tempo, os membros influentes da comunidade em Orã convencem os espanhóis de que seu papel de mediadores entre o enclave espanhol e os reinos muçulmanos era indispensável para o bom andamento da economia. Essa “utilidade”, de puro interesse econômico, lhes assegura a proteção da Coroa Espanhola. Durante o século 16 e grande parte do 17, viveu em Orã uma pequena comunidade judaica e, ao contrário do que ocorria em outros lugares sob domínio espanhol, seus integrantes eram abertamente praticantes. Mas, a tolerância chega ao fim em 1669, quando eles são expulsos da cidade e a sinagoga é convertida em igreja.

O temor se alastrou entre os judeus de Argel quando, em 1541, o imperador Carlos V da Espanha tenta conquistar a cidade. No dia em que as tropas espanholas começavam a desembarcar, uma tempestade excepcional afunda no mínimo umas 30 embarcações, destruindo outras 15. A Frota Espanhola bate em retirada. Para a comunidade judaica de Argel, a Mão de D’us tinha intervindo em seu socorro. Portanto, declararam o dia da malfadada tentativa de invasão, 4o dia do mês judaico de Cheshvan, um segundo Purim, chamando-o de Purim Edom – sendo “Edom5” um eufemismo para o beligerante cristianismo espanhol.

Duzentos anos depois, em 1775, a Frota Espanhola volta a ameaçar Argel. O medo toma conta da comunidade judaica, mas a Espanha é mais uma vez milagrosamente vencida. Para celebrar o fato de escaparem ao domínio espanhol, os judeus de Argel declararam o 11o dia de Tamuz como uma outra festividade de Purim, o “Purim Tamuz”. Apesar de que a História atribua essa vitória à corajosa defesa comandada pelo Dey Mohammed Ibn Uman, corre a lenda entre os judeus locais de que as “chamas que subiram dos túmulos dos dois Tzadikim, o Rivash e o Rashbatz, assustaram e fizeram os invasores bater em retirada”.

A Argélia otomana

À época em que a Espanha mantinha poderosos enclaves na atual Argélia, os irmãos corsários Aruj e Khair ad Din – este último conhecido na Europa como Barbarossa, ou Barba Ruiva – agiam a partir da Tunísia governada pela dinastia hafsida. Em 1516, Aruj transfere sua base de operações para Argel. Ao ser morto, dois anos depois, toma seu lugar seu irmão, Khair ad Din. O sultão otomano, querendo anexar a região da atual Argélia ao Império Otomano, dá a ele o título de Beylerbey (comandante dos comandantes), com a função de governador provincial, e envia-lhe um contingente de janízaros (soldados otomanos).

Em pouco tempo Khair ad Din domina a região costeira entre Constantina e Orã. Apenas a cidade de Orã permanece em mãos espanholas até 1791. Em 1525, ele passa a governar a chamada Regência de Argel. Também chamada de Argélia Otomana, esta se torna o centro de poder otomano no Magrebe. Em 1710, ainda que Argel permanecesse como parte do Império Otomano, os Dey6 da Argélia se tornam os governantes de facto.

Vida judaica sob os otomanos

A sorte dos judeus na Regência de Argel foi bem pior do que em outros países governados pelos otomanos – pior ainda do que havia sido sob as dinastias islâmicas anteriores. A relativa tolerância do mundo islâmico em tempos medievais fora substituída por profundo desprezo que fomentava expressões de escárnio e abuso. Acusados de incitar o povo contra as autoridades, os judeus viviam sob constantes ameaças.

As massas judaicas eram desprezadas, sujeitas a um tratamento vil, forçadas a pagar pesados impostos. Eram forçados a residir em um bairro restrito, chamado de diferentes nomes: “harrah” e “sharah”, nas províncias de Argel e Constantina; e “mellah”, na de Orã. E, a usar uma roupa especial: um “shachiah” – gorro de tecido escuro, um albornoz cinzento e sapatos sem salto (tcharpi ou bettim) e as mulheres, um caftan, sem o tradicional véu das mulheres muçulmanas para cobrir o rosto. Em Mzab (Sul da Argélia), deviam vestir-se de preto quando em público.

Entrar nas mesquitas era totalmente proibido a eles e, em frente a certas mesquitas, eram obrigados a andar descalços. Tampouco podiam andar a cavalo. Se um muçulmano decidisse acusar um judeu de ter proferido uma palavra desrespeitosa contra o Profeta Maomé, não havia defesa possível. Como se não bastasse, eram forçados a alojar os janízaros em suas residências. Se reclamassem, eram punidos com o maior rigor e, até mesmo, queimados vivos, em alguns casos.

Ainda por cima, os judeus estavam expostos a atos arbitrários por parte de dirigentes locais de baixo escalão. O Pashá de Tuggurt, Mohammed al-Akhal ben Jallab, por exemplo, quis converter os judeus ao Islã pela força, e não foram poucas as vezes que os Deys de Argel permitiram ao populacho saquear as residências judias. Como escreveu o Rabi Solomon ben Simeon Duran, no século 15: “Assassinatos de judeus são uma ocorrência frequente que passa solenemente sem punição, e seus assassinos andam livremente, gabando-se de seus atos”.

Por outro lado, os governantes adulavam os judeus da classe alta, entre os quais escolhiam seus conselheiros, médicos, banqueiros e diplomatas, bem como advisors competentes e influentes. Esses cargos, de extrema confiança, eram confiados em geral aos judeus abastados e influentes de Leghorn, Itália, os chamados Gorenim. Estes haviam-se estabelecido na Argélia nos séculos 17 e 18, especialmente em Argel. Sua própria riqueza e atividades comerciais haviam enriquecido os governantes. Os Gorenim setornaram os banqueiros dos Dey e os intermediários entre estes e a Europa, ficando encarregados da difícil atribuição de manter relações com as nações europeias – tarefa complicada pelos assaltos repentinos dos piratas às embarcações europeias e sempre “perdoados” pelos governantes argelinos.

Mas, mesmo para os judeus influentes e com altas posições, a vida na Argélia otomana era perigosa. Em 1805, é morto um dos principais assessores do Bey, Naphtali Busnach, principal dirigente da comunidade judaica de Argel, em uma das insurreições populares que arrasavam bairros judeus. O assassinato foi seguido de um grande massacre comunitário, segundo testemunho do Cônsul francês, Dubois Thainville, que abriu as portas de seu Consulado, salvando cerca de 200 judeus. Em 1815, o Grão-Rabino de Argel, Rabi Isaac Aboulker, é decapitado em uma dessas revoltas.

Quando os franceses desembarcam em 1830 na Argélia, vivem no país entre 15.000 e 17.000 judeus, em meio a uma população total de 3 milhões de habitantes.

A vida da população judaica muda drasticamente após a conquista do país pelos franceses. O período da colonização francesa não foi um mar de rosas para os judeus, mas a França os salva dos sofrimentos e humilhações que faziam parte de sua vida, da opressão dos Deys, da tirania dos funcionários otomanos.

Os judeus abraçam a França como sua pátria. Tornam-se cidadãos, adotam sua cultura e idioma. E apesar das desilusões com “la Patrie”, com a saída dos franceses da Argélia em 1962, 90% dos judeus locais partem para a França. Hoje não há mais nenhum judeu na Argélia.

1Os berberes (que chamam a si próprios Imazighen, ou seja, “homens livres”) constituem o conjunto de povos do Norte de África que falam línguas berberes. No uso corrente, chama-se berbere ao conjunto de populações do Magrebe.

2Mauretania (ou Mauritânia) é a palavra latina para uma região do antigo Maghreb, que se estendia, à oeste, da região central da atual Argélia até o Oceano Atlântico, passando pelo Norte do Marrocos e as Montanhas Atlas, ao Sul.

3Dar al-Islam, “a terra do Islã”, se refere ao território onde prevalece a religião islâmica e onde é aplicada a Shaaria, lei islâmica.

4Os aglábidas foram uma dinastia muçulmana, vassalos dos abássidas, que reinou de 800 a 909 sobre a maior parte do Norte da África.

5Edom que advém da palavra hebraica, Adom, “vermelho” é um dos nomes de Esaú assim como Israel é o nome de nosso Patriarca Jacob. Esaú é também chamado de Edom porque nasceu ruivo. Além disso, a cor vermelha, que representa o sangue, está associada ao seu nome pelo fato de ele ter sido um homem guerreiro e violento. Nossos Sábios ensinam que o Império Romano e o Ocidente são os descendentes físicos ou espirituais, de Esaú.

6Dey - título dado aos governantes da Regência de Argel e depois, da Argélia, antes da colonização francesa, em 1830.

N.R. Não há sinagogas em atividade, na Argélia. Todas as imagens modernas de sinagogas, neste artigo, são de antigas sinagogas que foram transformadas em mesquitas após 1962.

BIBLIOGRAFIA

Gilbert, Martin, In Ishmael’s House: A History of Jews in Muslim Lands. eBook Kindle

Bertrand, Jean Marc, Algeria Pre -colonial History, Colonial Era, and self-governance: Religious information, ethnic groups, government and politics . eBook Kindle

Masters, Bruce, Christians and Jews in the Ottoman Arab World: The Roots of Sectarianism. eBook Kindle