Uma das palavras referentes aos judeus cujo uso tem causado maior perplexidade é 'gueto'. Sua etimologia é obscura e há, sobre o termo, muitas teorias. Porém, a maioria são meras hipóteses.

Alguns filólogos até presumem que a palavra "gueto" derivou-se do hebraico guet (isto é, separação ou divórcio). Outros acreditam que provém do italiano borguetto (quarteirão). Há também aquem considere que a palavra toscana guitto, que significa sujo, seria mais convincente como origem. Ou talvez o termo alemão gittei (barras). Qualquer que seja a etimologia, as características físicas dos vários guetos eram quase sempre as mesmas.

Uma das primeiras citações do termo "gueto" pode ser encontrada no preâmbulo do Código das Leis Canônicas esboçado pelo Concílio da Igreja, realizado em Wroclaw (Breslau), sob a orientação do Vigário Guido, em 1266. Neste documento estava expresso o temor da Igreja de que, como o povo polonês tinha sido recentemente convertido ao cristianismo, pudesse ser influenciado pelos judeus. 

Este receio foi expresso da seguinte forma: "Havia um perigo sempre presente de que o povo polonês cedesse facilmente aos hábitos supersticiosos e maus dos judeus que viviam em seu meio... Por essa razão, nós (isto é, o Concílio da Igreja) determinamos que os judeus residentes na Diocese de Gueseu não vivam lado a lado com cristãos, mas sim separados, em casas vizinhas ou geminadas, em qualquer parte da cidade ou da vila. A parte habitada pelos judeus deverá ficar separada do local de residência dos cristãos por uma cerca viva, uma parede ou uma fossa". Nos primeiros documentos da Igreja não há menção ao nome de "gueto" e sim à antiga designação descritiva bizantina de "Vicus Judaeoran" - que significa, em latim, bairro judeu.

Na Espanha, os judeus viviam, pelo menos desde o século XIII, em "juderias" providas de muros e portões de proteção. No século XV, os frades na Itália começaram a pressionar no sentido de uma segregação efetiva dos judeus. Em 1555, o papa Paulo IV ordenou que os judeus nos Estados papais fossem coagidos a viver em quarteirões separados, o que foi imediatamente implementado em Roma e tornado regra, em toda a Itália, no decorrer da geração seguinte. 

A primeira concentração que teve o nome de "gueto" foi, precisamente, a de Veneza. Por estranha coincidência, estava situada perto de uma fundição de ferro ou de canhões, que em italiano tem o nome de gueta. Além do mais, até épocas relativamente modernas, o bairro judeu era chamado de outro nome. Na Espanha chamava-se juderia; em Portugal, judiaria; na França, juiverie; na Provença, carrière des Juifs; na Alemanha e na Áustria, Judenviertel" ou "Judengasse"; e na Inglaterra, "Jew's Street". No Marrocos, Argélia e Tunísia, "hara-mellah". Na área sob controle do Império Otomano, as autoridades simplesmente ignoravam os bairros judaicos.

A lei muçulmana não estipulava áreas de residência para aqueles que não seguiam o islamismo. A degradação veio no século XVIII, quando os judeus foram obrigados a se afastar da vizinhança das mesquitas e ficaram restritos aos limites de suas casas. Com o declínio econômico, muitos dos quarteirões judeus transformaram-se em favelas. No Oriente muçulmano, por exemplo, na Pérsia, o fanatismo xiita impôs a formação de quarteirões judeus separados, fechados durante a noite e no Shabat. Esta medida foi estendida, também, ao Iêmen e ao Marrocos, onde os guetos foram chamados, respectivamente, de Qa at al-Yahud (ou Masbatah) e Mellah. Muitos guetos marroquinos ainda hoje são habitados.

Os judeus jamais esquecerão o período do gueto, não porque queiram lembrar-se dos sofrimentos que lhes impuseram, mas porque é mais um exemplo da força do espírito judaico na adversidade, essa força que sustenta a vida no judaísmo. Aquele período, no entanto, endureceu o espírito de muitos, pois a influência das circunstâncias degradantes nas quais foram obrigados a viver, durante gerações, levou-os a desenvolver certas características. Timidez, constrangimento, desconfiança de seus vizinhos tornaram-se atitudes comuns ao judeu do gueto.

O termo "gueto", além de uma denominação física, passou também a representar uma atitude mental que se estendeu aos judeus de outras terras, à medida que as condições de gueto passaram a se estender para além da Itália e da Alemanha, a outras partes da Europa. Fazia com que os judeus fossem considerados "proscritos sociais".

Os judeus sempre preferiram viver perto, uns dos outros, como fazem todos os que compartilham de algo que consideram essencial. O que tornava um gueto diferente das outras ruas ou bairros judaicos onde não existisse, era o fato de ser compulsório. Os judeus não podiam viver em nenhum outro lugar enquanto que os cristãos podiam viver em qualquer lugar, menos lá. Era estabelecido por lei como o bairro legalmente aprovado para residência judaica. Durante mil anos a Igreja vinha incitando os cristãos a terem o menor contato possível com os judeus.

Diversas foram as razões que levaram ao estabelecimento dos guetos, mas por trás de todas estava o desejo comum das autoridades de mantê-los fisicamente isolados do resto da população, mas partícipes em algumas etapas do processo econômico. Houve casos em que, depois de terem sido expulsos de algumas nações e ter sua entrada proibida até naquelas onde já haviam vivido, foram convidados pelos mesmos governos para lá retornar. Submetidos a grandes privações para sobreviver, muitos judeus passaram a mascatear ou a emprestar dinheiro a juros, uma atividade proibida aos cristãos pela Igreja.

Sendo assim, interesses econômicos fizeram com que os judeus fossem readmitidos, voltando a viver nas cidades onde gerações de seus antepassados tinham vivido, por séculos. Mas uma das principais condições impostas para a sua volta foi a de que vivessem juntos, em uma determinada área apenas, separados do restante da população. Freqüentemente, as ruas que conduziam ao bairro judeu eram fechadas por barreiras. Após o anoitecer, os judeus não se arriscavam a ser encontrados fora do bairro, nem os cristãos dentro dele. Com o decorrer do tempo, o termo "gueto" começou a ser usado em referência a esse bairro. 

O estabelecimento legal de um bairro separado refletia o nível exato da exclusão social dos judeus da sociedade maior. A sociedade e o governo precisavam deles simplesmente como "agentes econômicos", como meio de obterem dinheiro e não como seres humanos. Os pesados impostos a que eram submetidos jamais os deixariam enriquecer. Tinham de trabalhar arduamente, emprestando a juros um dinheiro que no fim acabaria sendo-lhes confiscado. Pior ainda, a atividade despertava contra eles o ódio da classe média e dos trabalhadores, pois as classes altas usavam o dinheiro usurpado dos judeus para seu próprio enriquecimento. Quando, em 1380 e 1390, as classes pobres se rebelaram, os judeus foram os primeiros a ser atacados e, novamente, ocorreram massacres de judeus sob a acusação de serem a origem de todos os males.

Foi nos países católicos que surgiram os primeiros guetos, em conseqüência da hostilidade acumulada contra os judeus, ao longo dos séculos, e da histeria das massas cristãs desenvolvida durante as Cruzadas (séculos XI, XII e XIII) e na época da Peste Negra (1348-49). Os resultados foram terríveis massacres e intensas perseguições. Foi no decorrer desse período que os judeus foram levados para dentro de guetos cercados, em cidade após cidade, nos estados alemães, na Áustria, na Boêmia, na Polônia, na Itália, na França, em Portugal e na Espanha. Neste período, o clamor por "sangue judeu" ainda não atingira a Rússia. Isto porque a religião da Rússia, apesar de cristã, era greco-ortodoxa e não católica, e também porque a agitação antijudaica ainda não atingira o estágio de levante popular.

Todas as perseguições, pogroms, fugas e restrições drásticas impostas aos judeus na Rússia aconteceram nos "Dias da Ilustração", a partir do século XVIII, quanto reinavam os últimos czares. Uma lei de 1772 e, em seguida, um estatuto em 1804, definiram as áreas nas quais os judeus russos poderiam viver. Eram obrigados a viver em uma área demarcada em amplas zonas da Ucrânia, na Rússia Branca, na Lituânia e nas províncias polonesas anexadas por Catarina II na partilha da Polônia. O sentido da criação de uma "área de estabelecimento", que podia ser descrita como um amplo "gueto geográfico", era o de manter, na medida do possível, a "Santa Rússia" e seu povo livres racial e religiosamente de judeus - a mesma idéia do "Judenrein" nazista.

O gueto de Veneza

Veneza era uma cidade comercial. Seus dirigentes, cientes das vantagens que os judeus poderiam trazer, permitiram-lhes permanecer na região por volta de 1515-16. Mas o Estado decidiu segregar toda a comunidade judaica, confinando-a em uma área específica da cidade. O local escolhido foi uma antiga fundição de canhões, conhecida como o Gueto Nuovo. A nova fundição localizava-se em uma ilha ligada por canais, com altos muros e todas as janelas fechadas por tijolos. 

Os dois portões de entrada eram guardados por quatro vigilantes cristãos; seis outros vigiavam dois barcos de patrulha e o soldo de todos os dez ficava a cargo da comunidade judaica. Impostos especiais deveriam ser pagos pelos judeus, que eram também obrigados a pagar aluguel perpétuo pela propriedade onde viviam a preços um terço superiores aos de mercado. Desta forma, Veneza "maximizava" sua vantagem econômica ao aceitar a presença judaica no Estado, enquanto assegurava que os judeus tivessem o mínimo de contato social com os demais habitantes. Com efeito, era-lhes permitido realizar seus negócios durante o dia, a uma distância conveniente, sendo trancados à noite dentro dos portões.

O Gueto Nuo-vo original abrigava judeus italianos e, sobretudo, de origem alemã. Em 1541, judeus do Levante foram deslocados para o Gueto Vecchio. Finalmente, em 1633, a área foi ampliada com o acréscimo do Gueto Nuovissimo para abrigar judeus vindos do ocidente. Os judeus de Veneza pagavam caro para viver assim isolados. O Estado cobrava-lhes não só os impostos e direitos alfandegários comuns aos demais cidadãos, mas também um imposto anual especial de 10 mil ducados, além de outras taxas impostas aleatoriamente.

O gueto de Roma e outros

O destino dos judeus de Roma dependia em grande parte da personalidade e das características do Papa. Antes das expulsões da Península Ibérica, havia 50 mil judeus na Itália. Assim, o Papa Paulo III (1534-49) aceitou a vinda de marranos, prometendo-lhes proteção contra a Inquisição. Em seguida, veio o período da Contra-Reforma e da eleição de diversos papas que reagiam ao crescimento do protestantismo, mostrando grande zelo pela autoridade da Igreja Católica Romana. Foi uma época de relativa tolerância com a população judaica.

No entanto, em maio de 1555, o cardeal Caraffa, grande inquisidor e flagelo dos judeus, dissidentes e heréticos, foi eleito Papa e assumiu com o nome de Paulo IV. Ele imediatamente inverteu a política da Igreja Católica referente aos judeus. Para ele, o judaísmo e sua possível influência sobre os cristãos consistiam uma ameaça mortal para a fé cristã. Dois meses depois aplicou em Roma a solução adotada por Veneza e os judeus da cidade foram empurrados para a margem esquerda do rio Tibre e cercados por um muro. O rio transbordava muito freqüentemente, deixando uma camada de sujeira insalubre.

A partir do século XVI, a Itália foi palco de rivalidades entre a Espanha, França e Áustria. Os judeus italianos foram confinados em seus guetos até serem libertados pelas tropas francesas, invasoras, após a Revolução Francesa de 1789. 

Na Toscana, o gueto foi introduzido em 1570-1; em Pádua, em 1601-3; em Verona, em 1599; e em Mântua, em 1601-3. Os duques de Ferrara recusaram-se a aceitar tal medida, mas concordaram em negar aos judeus o direito de imprimir livros. Livorno foi a única cidade que não criou um gueto. Uma última e triste consideração sobre os guetos italianos: a despeito dos inúmeros esforços judaicos, seus membros não conseguiram livrar suas comunidades de serem aprisionadas dentro dos guetos, após a expulsão de seus irmãos da Espanha e Portugal.

Um novo período

A Revolução Francesa exigia igualdade para todos os franceses. Em setembro de 1791, concedeu-se a cidadania francesa a todos os judeus, qualquer que fosse sua origem. Os judeus franceses agora eram livres e o relógio jamais poderia voltar atrás. Além disso, no território papal de Avignon (1791), Nice (1792) e na Renânia (1792-3), os guetos e os bairros judeus fechados foram finalmente arrombados.

A disseminação da revolução para os Países Baixos e a fundação da República Batava concederam aos judeus da região direitos plenos e formais por lei. 

Em 1796-8, Napoleão Bonaparte liberou muitos guetos italianos. Tropas francesas, em cada um dos ducados ocupados pelas tropas napoleônicas, literalmente queimavam e destruíam os muros dos guetos, quase sempre sob acompanhamento de música, fogos de artifício e aplausos da multidão. Os oficiais franceses escoltavam pessoalmente os indecisos e assustados habitantes dos guetos, através de buracos abertos nas muralhas, trazendo-os à luz do dia e destruindo com as mãos os velhos muros em ruínas. Em todo o território ocupado pelos franceses, a igualdade dos judeus perante a lei, bem como a igualdade legal para todos os habitantes, ia sendo institucionalizada. Os judeus tinham finalmente liberdade de exercer ofícios e profissões liberais e cargos públicos.

Após a derrota de Napoleão, o Papa reinstaurou o gueto de Roma, que só foi extinto quando Roma uniu-se ao Reino da Itália, em 1870. O gueto foi finalmente demolido em 1885.

O gueto no séc. XX 

O nome e conceito de gueto judeu adquiriram uma nova e trágica dimensão durante a Segunda Guerra Mundial. Os guetos estabelecidos pelos nazistas na Europa (1939-1942), durante o Holocausto, não foram formados em caráter permanente, como bairros de judeus: eram parte do plano de extermínio e visavam concentrar, isolar e alquebrar o espírito e o ânimo de seus ocupantes, antes de sua aniquilação total. Entre 1939 e 1942, os judeus da Polônia, Alemanha, Checoslováquia e de outras regiões foram transferidos principalmente para as áreas de Varsóvia e Lublin.

Guetos foram instituídos em vários pontos. O de Lodz, por exemplo, tinha 200 mil judeus, com uma densidade de 5,8 habitantes por cômodo. Era em si um centro de extermínio, com 45 mil pessoas morrendo por dia de doenças e inanição (nos guetos de Minsk, Vilna, Cracóvia, Riga, Bialyshok, Sosnowiec e em muitos mais). O Gueto de Varsóvia tinha, no mínimo, 445 mil judeus: somente neste, 83 mil morreram de fome e doença em menos de 20 meses. 

O plano nazista era simples: reunir os judeus, concentrá-los nos guetos, onde iam ser dizimados por "causas naturais", como fome, doenças, patrulhas e franco-atiradores nazistas em busca de "diversão". Os judeus que conseguiam resistir e permaneciam vivos eram mais uma vez agrupados e atirados em trens, que os levariam à morte.

Internamente, os guetos eram pequenas tiranias, governadas por ditadores - a única lei que imperava era a vontade nazista. O controle estava em mãos da Gestapo e dos SS. O gueto possuía "centros industriais"; os judeus ainda aptos e mais qualificados trabalhavam para a Alemanha num regime de escravidão, na ilusão de que o trabalho fosse um "passaporte para a vida".

Mas, a despeito da indigência e da desmoralização a que foram submetidos, dentro de todos os guetos os judeus mantinham intensa atividade cultural e escolar, e praticavam a máxima judaica do auxílio mútuo. Médicos judeus, mesmo sem recursos, tentavam cuidar da população afligida por doenças como tifo e tuberculose. Dessa resistência moral, nasceram os levantes.

O extermínio metódico dos guetos começou com a sucessiva remoção de grupos para o seu aniquilamento, em 1941. O Gueto de Varsóvia foi extinto em 1943 e os restantes, por volta de 1944.

Os judeus haviam aprendido que o mundo civilizado não merecia a sua confiança. Como lição do Holocausto levaram a certeza de que era imperativo ter seu lar nacional, permanente e soberano, no qual, se necessário, a totalidade da comunidade judaica poderia encontrar segurança diante de inimigos. A Primeira Guerra Mundial tornou possível o Estado Sionista; a Segunda Guerra Mundial tornou-o um imperativo.

Bibliografia:
Attias, Jean Christophe; Benbassa, Esther, Dictionaire Civilizacion Jüive.
Comay, Joan, The Diaspora Story
Johnson, Paul, História dos Judeus.
Encyclopedia Judaica.