Desde sua inauguração, em 1926, a majestosa sinagoga Maguen Abraham tornara-se símbolo dos judeus de Beirute, uma comunidade dinâmica e florescente, que vivia em paz e tranqüilidade na Paris do Oriente Médio.

Antes ainda da 1a Guerra Mundial, a comunidade judaica decidira ser necessário erguer uma sinagoga ampla e espaçosa, em Wadi Abou Jamil. O projeto amadureceu durante anos, enquanto o conselho comunitário levava a cabo uma campanha de arrecadação de fundos antes e depois da 1ª. Guerra Mundial. Contudo, os recursos arrecadados - cerca de 420 libras libanesas - não eram suficientes para a execução do ambicioso projeto. Foi quando Ezra Anzarut, um dos líderes comunitários, pediu uma doação a Moisés A. Sassoon, de Calcutá. Ele doou 3.000 libras libanesas, verba que viabilizou a conclusão da campanha de arrecadação e o início da construção da sinagoga. Esta foi chamada de Maguen Abraham em homenagem ao pai do grande doador, já falecido, Abraham Sassoon. Como no final da construção ainda faltasse verba para terminar a obra, segundo várias fontes Joseph David Farhi doou os recursos para que fosse concluída a parte interna da sinagoga.

Projetada pelo arquiteto Bindo Manham e erguida em um terreno do bairro de Wadi Abou Jamil, doado por Raphael Levy Stambouli, a sinagoga era a maior de Beirute e, talvez, de todo o Oriente. Seu estilo arquitetônico, uma mescla de Renascentista e Romanesco, refletia o universo cultural da comunidade. Esplendidos candelabros iluminavam seu interior. A Tebá era em mármore, com estrelas de David esculpidas na pedra; o piso e as escadas eram também em mármore. No salão principal, destinado aos homens, enquanto os assentos dos membros mais destacados da comunidade eram colocados entre o Hechal e a Tebá, a maioria dos demais lugares eram alinhados perpendicularmente, um frente ao outro, para oferecer boa visão do Hechal e da Tebá.No andar de cima ficava o balcão das mulheres. Nas paredes da sinagoga havia ganchos especiais para colocar os arranjos de flores, nos casamentos, ofertados pelos convidados aos noivos. Na entrada da sinagoga havia um pátio enorme, onde, no Shabat, crianças e jovens se reuniam.

Inaugurada no dia 26 de agosto de 1926, a Maguen Abraham era o principal marco judaico do Líbano, além de ser considerada uma das mais belas de todo o Oriente Médio. Motivo de orgulho para seus membros, a Maguen Abraham era vista como uma instituição que pertencia a toda a comunidade, independentemente do local onde rezassem, costumeiramente.

Além dos serviços religiosos, a sinagoga era usada para casamentos, comemorações das datas judaicas e atividades culturais, como por exemplo, palestras sobre temas religiosos e laicos. O coral de jovens da sinagoga atraía centenas de judeus, no Shabat. Em seus recintos, duas ou mais vezes por ano, lideranças dos diferentes grupos religiosos do Líbano eram convidados a participar das comemorações. Este costume fomentava o entendimento e um estreito relacionamento entre os diversos segmentos do país.

A vida judaica de Beirute girava em torno da Maguen Abraham, pois era, de fato, o centro da vida comunitária. Além de ser local de orações, a sinagoga exercia um importante papel sócio-econômico. Seus projetos filantrópicos atendiam as necessidades da comunidade.

Num edifício atrás da sinagoga ficava o Talmud Torá Selim Tarrab, considerada uma das principais instituições comunitárias, para cuja manutenção não se poupavam esforços. A pedra fundamental da escola foi colocada em 1926, no mesmo dia em que a se inaugurava a sinagoga. Quase dois anos depois, o prédio estava concluído e as aulas se iniciavam. A área inferior da escola era utilizada por um grupo de mulheres responsáveis pelo fornecimento de uma refeição quente diária para os estudantes.

A sinagoga foi usada, também, como centro para atividades sionistas, tendo servido de refúgio para muitos dos que entravam ilegalmente em Beirute, rumo a Eretz Israel. Jovens e crianças eram escondidos no edifício enquanto aguardavam o melhor momento para partir.

Em 1976, um ano após o início da 2a guerra civil no Líbano, líderes comunitários preocupados com os acontecimentos providenciaram a transferência dos Sefarim da Maguen Abraham para Genebra, entregando-os a Edmond Safra, que os guardou no cofre do banco da família. Posteriormente enviados às sinagogas de diferentes países, na medida em que as famílias que os haviam doado os reivindicaram, o restante foi para sinagogas sefaraditas de Israel.

Logo após a invasão do Líbano por Israel, em 1982, grupos islâmicos intensificaram os ataques contra a sinagoga, que foi praticamente destruída pelos combates, sendo roubado o que restara.

Situação atual

A Sinagoga Maguen Abraham ficou abandonada depois que praticamente todos os judeus libaneses deixaram o país. O projeto do então primeiro-ministro, Rafik Harari, para que a sinagoga fosse restaurada e circundada por um jardim jamais foi levado adiante. E, como a área faz parte de um projeto de revitalização do centro da cidade, o Talmud Torá Selim Tarrab foi demolido para não atrapalhar a vista dos edifícios que seriam erguidos na região.

Desde abril deste ano circula a notícia de que seria demolido o prédio central da sinagoga, ainda de pé, e as construções adjacentes. Uma reportagem publicada pelo jornal israelense Haaretz, no primeiro semestre de 2008, fala da ameaça de demolição como parte de um projeto de revitalização do centro da cidade. Ainda que a Solidere, Empresa de Desenvolvimento de Beirute, encarregada do projeto, e as autoridades libanesas insistam em desmentir os rumores, fotografias clandestinas divulgadas por organizações locais que defendem a preservação da herança judaica, em Beirute, indicam o contrário.

Além de revelar a deterioração da Maguen Abraham, pois pouco resta do magnífico edifício, as fotos mostram alguns prédios da região em processo de demolição e revelam atividades que levam a crer que realmente havia - ou ainda há - um projeto de demolição. Ainda segundo as mesmas organizações libanesas, apesar da sinagoga propriamente dita ainda não ter sido demolida, é apenas uma questão de tempo, mesmo que a área tenha sido designada patrimônio histórico.

Ao desmentir os planos para demolição, a Solidere afirmou: "Nós fazemos questão de preservar o centro da capital como um símbolo da convivência das várias religiões no Líbano". No dia 8 de abril de 2008, a Agência Nacional Libanesa de Notícias divulgou o seguinte desmentido: "A Empresa Solidere tornou público, hoje, um comunicado no qual afirma que as notícias publicadas na mídia sobre a demolição da Sinagoga Maguen Abraham, localizada em Wadi Abou Jamil - no centro de Beirute - não são corretas e não possuem fundamento algum".

Apesar de não haver referências diretas nos planos da prefeitura de Beirute para a área da sinagoga, à possível restauração do edifício, a Solidere chegou a confirmar, recentemente, que a sinagoga será restaurada por judeus de origem libanesa, a exemplo do ocorrido com edifícios religiosos não-judaicos, na mesma área, que foram reformados por suas respectivas comunidades.

A empresa ressalta, ainda, que no momento adequado o projeto de restauração será executado. Complementando, afirma que, a manutenção da sinagoga faz parte do projeto de revitalização do centro de Beirute, região que inclui os principais marcos religiosos, históricos e arqueológicos do país.

Bibliografia:

Kristen E. Schulze,The Jews of Lebanon: Between Coexistence and Conflict, Sussex Academic Press

Artigo de Richard Gottheil e Samuel Krauss,"Beirut, Syria", JewishEncyclopedia.com

Fred Anzarouth, artigo "Les Juifs du Liban", www.farhi.org/

Artigo de Yoav Stern, "Beirut's largest synagogue in danger of being demolished" publicado no jornal Haaretz , 7 de abril de 2008