O Cáucaso, área montanhosa com localização estratégica entre os mares Negro e Cáspio, carrega a fama de ser a 'Montanha das Mil Línguas', por conta da sua impressionante diversidade étnica. O mosaico da região abriga também uma das mais antigas comunidades judaicas da Diáspora, ainda existentes: os judeus georgianos, com sua história milenar.

Atualmente, a Geórgia, uma ex-república soviética independente desde o começo dos anos 1990, abriga cerca de 12 mil judeus, a maioria vivendo na capital, Tbilisi.

Cerca de 23 mil judeus emigraram da Geórgia, um país de maioria cristã, para Israel, desde 1989, segundo dados da Agência Judaica. Há também comunidades de judeus georgianos nos Estados Unidos - uma de suas principais sinagogas se localiza em Queens, Nova York - e em países europeus, como a Bélgica.

No começo dos anos 1990, duas regiões movidas por seu nacionalismo buscaram separar-se da Geórgia, a Abkhazia e a Ossétia do Sul. As últimas quase duas décadas registraram momentos de crises agudas e conflitos militares, como o vivido em agosto por Rússia e Geórgia, que levou praticamente toda a comunidade judaica da Ossétia do Sul a emigrar. Eram cerca de 2 mil pessoas antes de 1991, e, no início da guerra em 2008, havia apenas cerca de 20 judeus vivendo em Tskhinvali, capital da Ossétia do Sul.

Existem ainda populações judaicas em outros pontos do Cáucaso, como no Azerbaijão, com cerca de 20 mil judeus. Na Armênia, a comunidade reúne pouco mais de 100 integrantes. Na parte do Cáucaso que pertence à Rússia, existe presença judaica, por exemplo, em Derbent, na região do Daguestão, e em Vladikavkaz, capital da Ossétia do Norte.

Os conflitos nacionalistas que eclodiram na fase terminal da União Soviética encontraram campo fértil no Cáucaso, devido à imensa diversidade étnica e à longa história de disputas na região. Além dos choques entre grupos locais, contribuíram também para a volatilidade da região os interesses de grandes potências e impérios, destacando-se nos últimos séculos as presenças russa, otomana e persa.

No século 21, o Cáucaso e seu cadinho de etnias, com localização geográfica estratégica e nos mapas de oleodutos e da produção de petróleo, atraem interesses políticos, econômicos e militares de países como Rússia e Estados Unidos. A região volta a viver o dramático roteiro de conflitos bélicos, tão presentes em sua história milenar. A história judaica na Geórgia, uma das regiões do Cáucaso, também atravessa milênios e testemunhou a presença de diversos regimes que se lá se instalaram. Na antiguidade, Babilônia e Assíria, por exemplo, colocaram em suas zonas de influência solo georgiano.

Uma teoria para a origem da presença judaica na Geórgia aponta para a chegada à região após o exílio na Babilônia, provocado depois de Nabucodonosor conquistar Jerusalém, há cerca de 2.600 mil anos. Há também quem sustente a tese de que os judeus georgianos são descendentes das Dez Tribos de Israel, exiladas durante o período assírio, cerca de 200 anos antes da destruição, pela invasão babilônica, do Primeiro Templo em Jerusalém.

Muito tempo depois, por volta do século 6 da era comum, judeus chegaram a porções ocidentais da Geórgia, banhadas pelo mar Negro e então dominadas pelo Império Bizantino. Cerca de 3 mil integrantes dessas comunidades, segundo texto da Jewish Virtual Library, buscaram fugir de perseguições e se mudaram para o lado oriental da Geórgia, então sob domínio dos persas. Há peças arqueológicas do período, como lápides com inscrições em hebraico e aramaico, encontradas na região de Mtskheta.

A saga do Cáucaso de presenciar invasões prosseguiu na segunda metade do século 7, com a chegada dos árabes, que dominaram boa parte da região até 1122. No século 13, os mongóis invadiram aquele território estratégico e sua presença levou populações judaicas do sul e do leste da Geórgia a se moverem para a parte ocidental, às margens do mar Negro, que conseguiu manter independência.

A história judaica georgianaentra em mais um capítulo. A partir do final do século 14 e por cerca de 500 anos, as estruturas do feudalismo se cristalizaram na região, o que significava, por exemplo, o controle de senhores feudais sobre servos. E a servidão englobava setores menos favorecidos, entre eles, comunidades judaicas.

Gershon Ben-Oren, em texto publicado no site do Congresso Mundial dos Judeus Georgianos, explicou como funcionava o sistema medieval: "Como regra, os judeus pertenciam à classe dos servos (kamani), ou seja, pessoas que tinham um senhor. A classe incluía camponeses, artesãos e pequenos comerciantes. Servos judeus, como os outros, eram divididos em diferentes tipos, cada um com seu próprio status econômico, direitos, obrigações e direito de dependência em relação ao seu senhor". O autor escreveu que os judeus permaneceram, sobretudo, como pequenos comerciantes e mascates, embora houvesse até mesmo aqueles que eram proprietários de pequenos lotes de terra, nos quais cultivavam frutas.

Segundo Ben-Oren, os "direitos e obrigações dos servos", fossem judeus ou não, variavam. Ele relatou que havia judeus que até mesmo buscavam um senhor feudal, em troca de proteção. E que, por conta de sua posição econômica, alguns deles chegaram a ser senhores feudais na Geórgia.

Guerras e rebeliões continuaram a sacudir o Cáucaso durante o feudalismo. Nos séculos 17 e 18, por exemplo, houve invasões persas em território antes controlados por georgianos. E em 1801, o Império Russo começou a dominar a Geórgia, num movimento que, entre suas várias conseqüências, trouxe mudanças também à vida judaica local.

Entre 1864 e 1871, o czarismo trouxe o fim da servidão, mas representou uma onda de intensificação de anti-semitismo, conforme escreveu Gershon Ben-Oren. A vida judaica na Geórgia também começou a mudar com a chegada de asquenazitas no começo do século 19, vindos juntamente com a presença russa.

Judeus georgianos e asquenazitas mantinham relações bastante tênues, por conta de suas diferenças, como as idiomáticas e os hábitos religiosos. Mas, em 1897, o sionismo emergiu como elemento de aproximação entre os dois grupos, impulsionada pela fundação da primeira organização sionista da Geórgia, na capital Tbilisi, por Mikhail Shtreicher. Apesar da repressão política, o movimento sionista prosperou na região, e Tbilisi se tornou o principal centro de mobilização no Cáucaso, a ponto de hospedar, em 1901, o Primeiro Congresso dos Sionistas do Cáucaso. Entre o final do século 19 e o início do século 20, a liderança do sionismo na Geórgia esteve nas mãos do rabino David Baazov, que também chegou a viajar à Basiléia, em 1903, para participar de um congresso sionista mundial.

O começo do século 20 assistiu também ao enfraquecimento do czarismo. Em 1917, os bolcheviques chegaram ao poder, com a Revolução Russa. Em 1918, a República da Geórgia proclamou sua independência. Nesse período, o movimento sionista no Cáucaso se intensificou. Entre suas conquistas esteve a criação, em Tbilisi, de uma escola com ensino de hebraico, dirigida por Nathan Eliashvili, reflexo de um esforço em educação decidido em congresso sionista do Cáucaso, realizado em Baku, no Azerbaijão, e que contou com a presença do rabino Baazov. Na cidade georgiana de Kutaisi, surgiu então o primeiro jornal sionista no idioma local, chamado Khma Ebraelisa (Voz Judaica).

A declaração de independência da Geórgia, de 1918, contou com a assinatura de integrantes da comunidade judaica, como Moshe Davarashvili e Yosef Eligoulashvili. No começo de 1921, a invasão do Exército Vermelho colocou ponto final na etapa independentista georgiana e, à época, entre 1,5 mil e 2 mil judeus deixaram a região, em sua maioria para fazer aliá. Outros se dirigiram a Istambul, onde existia uma comunidade de judeus georgianos desde o final do século 19.

O período soviético na Geórgia representou uma onda crescente de repressão ao sionismo, que teve suas atividades proibidas naquela república da URSS, em 1924. O anti-semitismo também deixou suas marcas. De acordo com Joanna Sloame, autora do texto sobre história judaica na Geórgia no site Jewish Virtual Library, os judeus eram punidos de forma mais severa pelas autoridades soviéticas do que o restante da população.

Judeus georgianos desempenharam papel de destaque na luta pelo direito de partir para Israel, durante o período soviético. Momentos importantes vieram depois da Guerra dos Seis Dias (1967), quando várias famílias judaicas da Geórgia pediram autorização para emigrar, ou em 1971, quando, em plena era Brejnev, um grupo de judeus georgianos promoveu uma greve de fome em frente a uma agência dos correios em Moscou. Durante a década de 1970, estima-se que cerca de 30 mil judeus georgianos tenham conseguido fazer aliá.

Os anos de chumbo do regime criado e liderado por Vladimir Lênin e Josef Stálin (nascido na cidade georgiana de Gori) acabaram dando lugar à Perestroika de Mikhail Gorbatchev, em meados da década de 1980. Em 1991, a União Soviética se desintegrou e a Geórgia recuperou a sua independência.Três anos depois, o então presidente georgiano, Eduard Shevardnazde (que havia sido um dos principais auxiliares de Gorbatchev em Moscou no começo das reformas soviéticas), lançou um decreto para proteger monumentos históricos e religiosos da comunidade judaica, no país.

Israel e Geórgia também promoveram acelerada aproximação, nos últimos anos. Mas o recente conflito entre tropas russas e georgianas levou o governo israelense a buscar um maior equilíbrio nas suas relações com Tbilisi e com Moscou. Afinal, Israel sabe que tem afinidades ideológicas com a Geórgia, forte aliado dos EUA, mas também guarda interesses estratégicos numa relação estável com a Rússia, país que conta ainda com importante influência no Oriente Médio.

O jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim.