Mulher bela e determinada, Yolande Gabai de Botton atuou como agente da Inteligência israelense no Egito na década de 1940 e no início dos anos de 1950. Sua atuação foi fundamental nos meses que precederam e seguiram a criação do Estado de Israel.

A vida de Yolande foi glamorosa e cheia de perigos. Loira, de traços finos, culta e elegante, ela transitava com desenvoltura nos círculos mais restritos da alta sociedade do Cairo e no meio diplomático do país. Agia como uma jovem que amava se divertir, rir, beber e dançar, sem muitas outras preocupações. No entanto, sob esta máscara, escondia-se uma mulher inteligente, decidida e destemida, disposta a utilizar o grande fascínio que exercia sobre homens de todas as idades para obter informações vitais para a causa sionista e o Estado de Israel.

Apesar de Yolande ter atuado com alguns dos homens que viriam a ocupar posições lendárias nos anais da Inteligência sionista, até pouco tempo atrás, sua história não era muito conhecida. Ian Black e Benny Morris lhe dedicam um curto capítulo em seu livro Israel’s Secret War. Mas, foi graças ao documentário intitulado Yolande: an Unsung Heroine,produzido por sua netaMiel de Botton Aynsley, que sua trajetória e bravura foram reveladas. O documentário, dirigido pelo israelense Dan Wolman, narra a história de Yolande através de depoimentos de seu filho, Gilbert de Botton1, e de entrevistas com pessoas que a conheceram. Entre os entrevistados estão Teddy Kollek, a esposa de Reuven Shiloah e a filha de Moshe Sharret.

O documentário foi exibido, em 2011, em Washington (EUA), no The Spy Museum e no Festival de Cinema Judaico na mesma cidade, no Festival de Cinema do Museu Judaico no Lincoln Center, em Nova York, e no Festival de Cinema Judaico em Boston.

Sua vida

Yolande Gabai nasceu em Alexandria, no Egito, em 1913. Como tantos outros judeus egípcios, recebeu uma educação francesa. Seus pais a enviaram à França para estudar no Lycée des Jeunnes Filles, em Saint Germaine, onde absorveu a cultura e a história francesa. Assim que completou o Lycée, a jovem se viu obrigada a voltar para o Egito, pois seus pais não consideravam necessário que ela continuasse os estudos. Queriam que ela se casasse logo, o que de fato aconteceu. Aos 17 anos casou-se com Jaques de Botton, em Alexandria. Gilbert, único filho do casal – e de Yolande – nasceu em fevereiro de 1935. Quatro anos mais tarde, Yolande e Jaques se separam.

No verão de 1942, a vida de Yolande dá uma reviravolta. Com o avanço do exército alemão de Rommel sobre Alexandria, ela decide, como tantos outros judeus, deixar o Egito. Com o filho, parte para Jerusalém. Lá conhece Enzo Sereni e passa a abraçar de corpo e alma a causa sionista e a necessidade da criação de um Estado judeu na então Palestina. Através de Sereni, Yolande acaba conhecendo outros líderes sionistas que vão desempenhar um importante papel em sua vida. Entre eles, Moshe Sharett, então secretário do Departamento Político da Agência Judaica; Teddy Kollek, na época vice-diretor da Inteligência da Agência Judaica; Eliahu Sasson, judeu nascido em Damasco e especialista em assuntos árabes, que estava à frente do Departamento Político da Agência Judaica. Conheceu, também, Reuven Shiloah, que dominava o árabe e era um especialista em assuntos do Oriente Médio. Íntimo amigo de Ben Gurion, ele estava engajado em questões políticas e de defesa e era o encarregado das missões secretas. Em 1949, Shiloah é nomeado por Ben Gurion como o primeiro diretor do Mossad.

Aqueles eram tempos decisivos para o futuro do Estado Judeu. Os líderes do Yishuv, como era chamada a comunidade judaica que vivia em Eretz Israel antes da criação do Estado, sabiam ser imprescindível montar uma rede de Inteligência nos países árabes, onde o nacionalismo crescia par a par com o antissemitismo e o antissionismo. Sabiam serem inevitáveis os confrontos entre as populações árabe e judaica – apenas uma questão de tempo. Tornara-se, portanto, essencial obter informações, saber contra quem iriam lutar. No entanto, na época, o orçamento destinado à Inteligência ainda era irrisório e sua rede de agentes, precária.

De volta ao Egito, Yolande retoma sua vida de “socialite”. Para todos os efeitos, era uma jornalista que colaborava com jornais estrangeiros enviando matérias sobre personalidades egípcias. Dirigia, também, um escritório que era a sede da JTA (Jewish Telegraphic Agency) no Egito, de onde enviava informações “oficiais” sobre a situação no país. Volta a circular na alta sociedade do Cairo enviando informações sobre o que via e ouvia. Como afirmou Teddy Kollek em depoimento para o documentário, mesmo o repasse de informações sobre o dia-a-dia da elite era bastante arriscado e, se fosse descoberta, Yolande sofreria sérias consequências. 

Durante uma visita de Moshe Sharett ao Egito, Yolande foi recrutada por ele e Eliahu Sasson para atuar como agente operacional no recém criado Departamento Político para Países Árabes, da Agência Judaica. Eles queriam manter o Egito sob constante vigilância. O rei egípcio Faruk e o monarca da Arábia Saudita haviam fundado, no Cairo, a Liga Árabe. Outros países árabes – o Emirado da Transjordânia, o Iêmen, o Iraque, o Líbano e a Síria – haviam entrado como membros da Liga. Os sionistas queriam monitorar as ações da Liga e sua posição antissionista. Um dos primeiros atos do Conselho da Liga foi exigir que, nos países-membros, fossem boicotados todos os judeus que tivessem negócios na então Palestina.

Rapidamente, Yolande se tornou a mais importante agente no Egito, realmente um elemento indispensável. No livro Israel’s Secret Wars ela é descrita como “provavelmente a melhor espiã de Israel em 1948”. O próprio Ben Gurion, ao visitar o país, encontrava-se com ela. Era ela quem ia buscá-lo no aeroporto. E, membros da Haganá, da Agência Judaica e de outras organizações a procuravam quando iam ao Egito. Em certa ocasião conseguiu, segundo depoimento no documentário de Levy Abraham, chefe da Haganá no Egito, encontrar um esconderijo seguro para as armas que estavam sendo secretamente compradas para serem enviadas à então Palestina.

Sua habilidade e seu charme a ajudaram a infiltrar-se ainda mais a fundo nos altos escalões da sociedade egípcia. Um dos entrevistados conta que, em certa ocasião, almoçava com Yolande em um hotel do Cairo quando o rei Faruk entrou no local e ocupou uma mesa com outros membros da corte. Decidida a conseguir um contato, ela se levantou e, com desenvoltura e rindo alto, foi até a mesa do rei Faruk: “O senhor pode mandar me prender, se assim o desejar, mas esta foi a única maneira que encontrei de falar com Sua Alteza”. A seguir, explicou ao rei que trabalhava como correspondente para jornais estrangeiros e, há tempos, buscava uma oportunidade de conversar com ele. “Inúmeras vezes tentei contatá-lo, mas não consegui. Eu preciso enviar um artigo sobre Sua Alteza para um jornal internacional, mas se não conseguirmos conversar, o que poderei escrever?”. Encantado, o Rei se levantou e lhe estendeu a mão, prometendo recebê-la.

Em Israel’s Secret War, os autores revelam que informações sobre a atuação de Yolande no Egito chegaram até nós graças a um relatório, de maio de 1948, que Moshe Sharett recebeu de Eli Peleg, um emissário clandestino que foi àquele país para fazer contatos com o movimento juvenil sionista.

Esse relatório Peleg confirma que Yolande mantinha estreitos vínculos com editores do jornal egípcio de maior circulação, o Al-Ahram, assim como com vários membros da cúpula dirigente do país e do corpo diplomático. Ele também relata que entre os inúmeros homens fascinados pelo charme dela incluía-se Taked-Din as-Sulh, braço direito de Abdul Rahman Azzam Pacha, Secretário Geral da Liga Árabe entre 1945 e 1952 e futuro Primeiro Ministro do Líbano. No documentário, vários depoimentos, inclusive o de seu filho Gilbert, atestam que Taked-Din as-Sulh, apaixonado por Yolande, procurava estar sempre ao seu lado e a levava consigo a jantares e reuniões com líderes árabes.

O filho do Grão Mufti do Cairo, Mahmoud Mahlouf, também fazia parte da longa lista de admiradores de Yolande, assim como o embaixador sueco no Egito, Karateka Bagge. Ainda segundo o relatório Peleg, o Embaixador, apaixonado por Yolande, mudara sua posição em relação à causa sionista: “Há vários meses, ele era indiferente à nossa causa, mas hoje é um sionista entusiasmado e algumas das informações sobre o exército egípcio nos foram dadas por ele”. Peleg informou, ainda, que Yolande poderia ter desenvolvido contatos semelhantes com outros diplomatas, principalmente os norte-americanos e os franceses.

O relatório de Peleg ainda traz inúmeras informações sobre a situação no Egito, enfatizando que os recursos da Inteligência sionista no país eram quase inexistentes e que a atuação de Yolande era fundamental. Ele acreditava que se poderia conseguir mais informantes profissionais por somas modestas. No entanto, tudo isso esbarrava na falta de recursos e de instruções claras. A transmissão das informações também representava um sério problema. Yolande possuía um radiotransmissor, mas não havia ninguém para operá-lo, por isso, em várias ocasiões, as informações chegavam defasadas.

Yolande conseguiu repassar ao Yishuv importantes informações estratégicas. Entre outros, obteve textos das resoluções aprovadas pela Liga Árabe em dezembro de 1947 e fevereiro de 1948. As minutas das reuniões eram retiradas do cofre da Liga e imediatamente traduzidas para o inglês ou francês. Em seguida recolocadas imediatamente no cofre. Levy Abraham, chefe da Haganá no Egito, conta no documentário que, em várias ocasiões, teve acesso às resoluções antes mesmo do Secretário da Liga.

Foi também ela quem repassou a informação de que Jamal Husseini, o Mufti de Jerusalém, persuadira o Conselho da Liga Árabe a preparar a resistência armada contra os judeus do Ishuv, e que chegara, inclusive, a prometer fundos e a garantia de liberdade de movimento. E, através de seus contatos, ela descobriu que, pela primeira vez, os chefes militares dos países membros haviam participado de uma reunião do Conselho da Liga e que, após uma série de encontros, os governos membros concordaram em “sacrificar todos os interesses políticos e econômicos do mundo árabe para salvar a Palestina” e fazer o que “fosse necessário”. Após essa resolução, foram enviadas ordens para que as unidades sírias assumissem posições ao longo da fronteira da então Palestina.

Em janeiro de 1948, Yolande conseguiu obter os planos militares dos egípcios e dos outros países árabes. Seus informantes haviam exigido em troca 300 libras esterlinas, uma soma considerável para a época. Após o próprio Ben Gurion ter aprovado a transação e já de posse dos planos, Yolande os costurou nas ombreiras de seu casaco e tomou um avião para Eretz Israel. Ben Gurion enviou um carro blindado para buscá-la no aeroporto. Temerosos por sua segurança, Sharett, Shiloah e Sasson, assim como o próprio Ben Gurion, pediram que ela não voltasse ao Egito – mas ela se recusou. Respondeu que seu filho estava no Cairo e que ela não teria nenhuma utilidade ficando em Israel.

Um de seus maiores êxitos foi infiltrar-se na Embaixada dos Estados Unidos e copiar telegramas secretos enviados pelo Encarregado de Negócios, Jefferson Patterson, ao Departamento de Estado. Um desses despachos, que acabou nas mãos do Ministério das Relações Exteriores de Israel, em agosto de 1948, continha informações militares sobre o número de tunisinos e argelinos que se haviam juntado às forças árabes para lutar contra Israel.

Yolande acabou despertando as suspeitas das autoridades egípcias. A partir do final de 1947, com a Partilha da Palestina, o clima no Egito contra os judeus tornara-se bastante tenso. A polícia secreta egípcia passou a investigar as atividades de organizações sionistas no país, que até então ainda eram legais. Naquele fevereiro, Yolande conseguiu uma “lista negra” de ativistas elaborada pela policia secreta. Como comprovam as declarações de seus amigos no documentário, Yolande estava ansiosa e preocupada, principalmente depois que a polícia secreta começa a fazer indagações sobre ela aos ativistas sionistas. Mesmo assim, em maio de 1948, quando a maioria dos líderes sionistas já estavam presos, ela continuava em liberdade, circulando entre as elites – e mandando informações para Israel, como sempre fizera.

Seu filho revela no documentário que, na época, ele estava muito preocupado que a proteção de “seus amigos” árabes poderia vir a desmoronar perante a pressão de grupos mais radicais, principalmente por parte de membros da Irmandade Muçulmana que haviam começado a questionar publicamente o fato de que uma mulher que se sabia ser uma espiã israelense ainda circulava livremente. E Gilbert estava certo.

Em julho de 1948, Yolande foi presa. Por possuir nacionalidade espanhola, como tantos outros sefaradim do Egito, foi enviada para uma prisão especial, uma villa onde eram mantidas mulheres estrangeiras. As provas de sua atuação eram muitas. Sua agenda com os codinomes de seus contatos e amigos não a ajudou, tampouco suas anotações, do tipo “o profeta não estava agindo corretamente”, “o assistente estava preocupado com sua própria pele” e outras similares. Mesmo assim, o tratamento que lhe foi dispensado na prisão era prova de que seus amigos não a haviam esquecido. No documentário, duas judias egípcias que estiveram presas com ela relatam que Yolande recebia diariamente comida de um dos mais refinados restaurantes do Cairo, bem como jornais, que podia ler onde quisesse e podia usar o telefone quantas vezes e para onde quisesse. Contudo, ela acabou adoecendo na prisão.

Shiloah recebeu suas mensagens dizendo que estava muito mal. Ao ser informado, Eliahu Sasson logo entrou em ação, seguindo para Paris para tentar fazer um acordo para tirá-la da prisão, mediante a interferência de um oficial egípcio de alto escalão. Ela foi libertada um mês após ser presa.

Yolande deixou o Egito em setembro e foi para Paris com seu filho a pedido de Sasson, que assumira o cargo de diretor do Departamento do Oriente Médio no Ministério das Relações Exteriores de Israel. Ele abrira um escritório em Paris para coordenar contatos com os países árabes e queria que ela trabalhasse com ele. Como disse Sharett em várias ocasiões, “ninguém sabia fazer contatos como Yolande”.

O escritório de Paris contava com agentes que se tornaram verdadeiras lendas, como Touvia Arazi, um ex-oficial da Haganá, comprador de armas na Europa; Salim Bechor e Zlama Zeligson (ou Shmuel Divon). Esses dois últimos representavam a Divisão Política do Ministério das Relações Exteriores e sua função era estabelecer contatos nos países árabes, visando acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, propor negociações de paz, além de contatar grupos com o objetivo de desestabilizar o esforço árabe de guerra.

Assim que chegou a Paris, Yolande restabeleceu seus contatos com as lideranças árabes no Egito, mantendo correspondência com seus amigos e contatos no Cairo. Procurou fazer novas amizades com oficiais egípcios que estavam em Paris. Durante a 3ª Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em 1948 na capital francesa, ela fazia parte da delegação israelense. Os egípcios sabiam de sua lealdade a Israel, mas segundo seu filho Gilbert, queriam crer que ela tinha uma afeição sincera por eles. Assim, ainda era bem-vinda entre líderes e oficiais árabes, sendo comumente vista em sua companhia.

Yolande estava há poucos meses em Paris quando adoeceu gravemente, sendo hospitalizada. Os médicos temiam que ela pudesse falecer, mas conseguiu recuperar-se após se submeter a uma delicada operação. Após cinco meses internada no hospital, recebe alta e retorna, logo em seguida, ao Egito.

O Departamento Político da Agência Judaica estava por trás desse retorno. Era no mínimo bizarro que alguém que fora presa sob suspeita de espionagem e fora vista com a delegação israelense ainda pudesse voltar e viver como antes. Mas, ninguém – nem mesmo sua família nem seus amigos árabes, consideraram sua volta algo “impensável”. E ela retomou a vida do ponto em que a deixara. Gilbert retornou à escola e ela recomeçou suas “atividades”. Ainda recebida de braços abertos por seus amigos árabes e oficiais do governo, ela voltou a colher informações para o Mossad.

Certa vez, um de seus agentes no Egito a viu num restaurante com o chefe da Inteligência no Cairo, Shusha Bey. Teve receio de ela ter sido descoberta, mas ela fez contato no restaurante conseguindo lhe dar seu telefone. O agente acabou se encontrando com Yolande, que lhe transmitiu importantes informações. Nos três anos em que ficou no Egito, Yolande entrou e saiu várias vezes do país, mas já sabia que sua vida no país terminaria em breve. A hostilidade contra os judeus aumentava a cada dia. Em 1951, deixou o país com seu filho e sua mãe, emigrando para Israel. Lá, mudou seu sobrenome para Har-Mor ou Harmer.

Vivia em Jerusalém, em um pequeno apartamento, e trabalhou na área de protocolo do Ministério das Relações Exteriores. Apesar de ter sido enviada várias vezes em missões especiais a Paris e a outras capitais europeias, sua saúde não permitia grandes esforços e ela sentia que de certa forma havia sido posta de lado e relegada a trabalhos sem grande importância. A verdade é que sua utilidade acabara ao sair do Egito e não se encaixava na Israel de 1948. Era por demais elegante e sofisticada para aqueles tempos pioneiros.

Yolande acabou adoecendo novamente. O câncer se havia espalhado e ela foi internada. Dessa vez os médicos não conseguiram salvá-la e ela faleceu em Jerusalém, em 1959.

Bibliografia:
Black, Ian e Morris, Benny, Israel's Secret Wars: A History of Israel's Intelligence Services, Grove Press
Yolande: An Unsung Heroine, 2010, direção, Dan Wolman, produção Miel de Botton Aynsley. 2010