Corajosa é o termo que melhor descreve Sarah Aaronson, uma das heroínas mais amadas de Israel. Foi a mola propulsora do Nili, rede de espionagem organizada por jovens em Eretz Israel, durante a Primeira Guerra Mundial, para ajudar os ingleses a derrotar os turcos.

Sarah Aaronson nasceu em 1890, em Zichron Yaakov, ao norte de Eretz Israel, área na época sob domínio turco. Seus pais eram ricos fazendeiros e faziam parte da aristocracia do Ishuv, denominação usada para definir as comunidades judaicas da região, antes da criação do moderno Estado de Israel, em 1948. Zichron Yaakov, erguido nas colinas do Monte Carmel, foi um dos primeiros assentamentos judaicos na Terra Santa. Recebeu este nome, que significa "Em memória de Jacob", em homenagem ao pai do barão Edmond de Rothschild, que dera apoio pessoal e financeiro ao projeto. Foi o responsável pela introdução do cultivo de vinhedos e subsidiou a pioneira indústria de vinho na região.

Foi lá que Sarah passou sua infância e juventude. Era uma linda jovem. Em 1914, casou-se e foi viver com o marido em Constantinopla, mas não foi feliz. Além de não se adaptar à vida da comunidade judaica da Turquia, passou a receber da família cartas alarmantes sobre os acontecimentos em Eretz Israel. Muito preocupada com as crescentes dificuldades enfrentadas pelos familiares e por todo o Ishuv, Sarah decidiu, no início de 1915, retornar à sua terra natal. Queria estar ao lado de seus entes queridos.

A viagem de retorno foi longa e difícil, deixando marcas profundas em sua personalidade. Viu com seus próprios olhos as atrocidades cometidas pelos turcos, o que aumentou seu temor pela segurança física dos judeus. As notícias sobre os terríveis massacres dos armênios - cometidos pelos turcos em Anatólia - eram perturbadoras. Sarah temia que os turcos reservassem aos judeus de Eretz Israel o mesmo destino dos armênios, quase todos aniquilados como poten-ciais traidores.

De volta ao lar, Sarah contou para seu irmão Aaron tudo o que testemunhara e também o que lhe fora relatado durante a viagem. Revelou-lhe sua profunda preocupação em relação ao futuro de Eretz Israel. Seu irmão era um dos jovens líderes sionistas que permanecera na Terra Santa. Era também agrônomo internacionalmente reconhecido pela descoberta de um tipo de trigo resistente ao mau tempo e pelas pesquisas sobre técnicas agrícolas em regiões áridas. Devido à sua competência, Aaron era sempre convocado pelas autoridades turcas para organizar o combate à peste de gafanhotos que periodicamente “invadiam” a área. 

Primeira Guerra Mundial

A luta dos pioneiros que chegaram a Eretz Israel em 1880 foi árdua. Mas, nem os riscos nem as adversidades impediam a vinda de mais imigrantes. Ao eclodir a Primeira Guerra Mundial, a população do Ishuv já somava 90 mil pessoas, sob o Império Turco. Em outubro de 1914, após a Grã-Bretanha declarar guerra à Turquia - então aliada da Alemanha - tropas turcas foram imediatamente deslocadas para Eretz Israel e a situação dos judeus piorou.

Para os jovens sionistas que lá viviam, a entrada da Turquia na guerra, com a Alemanha, representava uma oportunidade histórica, pois a derrota do Império Turco pelos aliados poderia significar o fim de seu domínio sobre Eretz Israel. Mas sabiam também que o Ishuv era refém dos otomanos e, se estes tomassem conhecimento da intenção judaica de libertar a Terra Santa, massacrariam os judeus. Porém, suas dúvidas se dissiparam diante da atitude dos governantes turcos.

No início das hostilidades alguns dos governadores locais haviam aprovado a criação de uma milícia judaica para defender Eretz Israel dos ingleses. Entre os sionistas que fizeram a proposta estavam David Ben-Gurion e Yitzhak Ben-Zvi, futuros primeiro-ministro e presidente de Israel, respectivamente. Mas o governador de Jaffa, Beha-a-Din, hostil às minorias não-turcas, foi contrário às milícias judaicas e confiscou as poucas armas que os habitantes das aldeias tinham para se defender. E qualquer pessoa flagrada com documentos sionistas seria imediatamente executada.

Em dezembro do mesmo ano, Beha-a-Din ordenou a expulsão dos seis mil judeus russos que viviam na cidade portuária. No mesmo dia, outros 700 judeus foram embarcados em um navio italiano rumo a Alexandria. Atemorizados com os acontecimentos, outros milhares deixaram a região no mês seguinte. A situação piorou quando Beha-a-Din tornou-se Secretário para Assuntos Judaicos. Mais de 12 mil judeus foram expulsos de Eretz Israel e milhares foram enviados pelos turcos para os batalhões de trabalho forçado na Síria. Todas as atividades sionistas foram proibidas, assim como a exposição da bandeira sionista e o uso de nomes de ruas em hebraico.

Os títulos de terra dos judeus foram reavaliados, sendo questionado o direito de posse de suas propriedades. Além disto, os árabes foram incentivados a pilhar as aldeias judaicas. Quando Ben-Gurion e Ben-Zvi tentaram protestar contra as medidas, foram banidos de todo o Império Turco. No exílio, ajudaram a formar uma força de combate judaica para lutar ao lado dos aliados contra os turcos.

A criação da Nili

Após o relato de Sarah sobre os horrores infligidos aos armênios e em vista das atitudes dos governantes otomanos, Aaron Aaronson e seu amigo e poeta Avshalom Feinberg decidiram colocar em prática um plano de ação ousado: criar uma rede de espionagem. Acreditavam que era absolutamente necessária uma vitória aliada (França, Inglaterra e Rússia), pois sob o domínio otomano nem Eretz Israel nem a comunidade judaica ali instalada tinham futuro. Assim, criaram a Nili, acrônimo da frase em hebraico Netzach Israel Lo Ishaker. A eternidade de Israel não será desmentida (Samuel 15:29). Desde o início, a organização contou com a participação de quase toda a família Aaronson, incluindo Sarah.

O grupo decidiu estabelecer contato com os britânicos e oferecer aos aliados informações sobre os movimentos das forças turcas. O fato de quase todos estarem instalados no Ishuv, há anos, colocava-os em posição privilegiada para a obtenção de informações. Respeitados pelas autoridades turcas pelo trabalho que realizavam no combate aos gafanhotos, espe-cialmente Aaron, tinham total liberdade de movimentos, e isto os ajudou. Sarah foi a mola propulsora de uma operação clandestina de inteligência para ajudar os ingleses no seu esforço bélico contra as forças turcas. 

As atividades da Nili, no entanto, não eram bem vistas pelos judeus de Eretz Israel, de modo geral. Para alguns, o trabalho da organização poderia colocar em risco a comunidade, aumentando as represálias das autoridades turcas contra o Ishuv. Mesmo assim, os jovens sionistas, certos da necessidade absoluta de uma vitória inglesa, insistiam em seus esforços para se aproximar dos ingleses e ajudá-los. 

No início, a Nili não foi levada a sério pelos britânicos. Na primeira tentativa de contato, em que Feinberg e um outro irmão de Sarah e Aaron, Alexander, conseguiram alcançar com sucesso os ingleses no Egito, os funcionários britânicos no Cairo demonstraram pouco entu-siasmo em tratar com espiões judeus. Mas a situação foi mudando com o tempo. Em 1917, houve outro fracasso quando Avshalom Feinberg e Yosef Lishanky, ambos da rede, tentaram atravessar o Sinai para fazer contato com as tropas britânicas. O primeiro foi morto e o segundo ferido em combates com uma tribo de beduínos. 

Foi nesse período que a Nili descobriu que o Império Turco estava se reorganizando para uma segunda tentativa de invasão do Canal do Suez. De posse das informações e convencendo as autoridades turcas de que precisava viajar para atualizar seus conhecimentos, Aaron foi à Inglaterra para conversar com funcionários do alto escalão do governo. Poucas horas após sua chegada em Londres, Aaron dava suas informações a Sir Basil Thomsons, chefe da Scotland Yard. Aaron ofereceu provas da vulnerabilidade turca diante de uma invasão inglesa através de Eretz Israel. Assim, de fevereiro a setembro de 1917, os britânicos utilizaram os serviços da Nili.

A partir desse momento Sarah tornou-se peça fundamental no processo. Com seu irmão Aaron no exterior, coube a ela dirigir o trabalho do grupo. Junto com um de seus colegas, Joseph Lishanski, reuniu vastas informações sobre as bases militares e a movimentação do exército otomano. Era responsável pela entrega das mensagens através de um agente infiltrado em um navio de carga, chamado Monegan, que ancorava no litoral de Atlit a cada duas semanas. Ela ficava observando a aproximação da embarcação e, quando não havia riscos, fazia um sinal para que o navio atracasse. Era capaz de atravessar longas distâncias a cavalo, somente para levar e trazer mensagens e relatórios secretos. Sarah também foi a responsável pelo transporte de dinheiro enviado pelos Estados Unidos para prover alimentos aos judeus do Ishuv, nesse período. 

Quando em 1917 Allenby assumiu o comando da Força Expedicionária Egípcia, pediu à organização Nili detalhes sobre as defesas turcas. Sarah cumpriu escrupulosamente sua missão, fornecendo também dados vitais sobre o clima, a localização de fontes de água, as condições das estradas. Foi em parte o audacioso trabalho dos jovens espiões..., escreveu o capitão Raymond Savage, secretário militar de Allenby, que permitiu a Allenby realizar tão efetivamente a sua campanha.

Em outubro de 1917, as autoridades descobriram a rede de espionagem da Nili. A polícia turca prendera um dos membros e a polícia foi desvendando toda a rede de espiões. A maioria dos membros do grupo foi presa, inclusive quase toda a família Aaronson. Há várias versões sobre a prisão de Sarah, apesar de seu destino ser mais do que previsível. Segundo o historiador Howard Sachar, em sua obra "A History of Israel", Sarah se entregou às autoridades para poupar que seu idoso pai, já nas mãos dos turcos, continuasse a ser espancado.

Presa, foi brutalmente torturada durante dias, mas recusou-se a dar qualquer informação ao inimigo. Foi levada até sua casa para mais torturas. No terceiro dia de sua provação, aproveitando a oportunidade de ter sido deixada sozinha durante alguns momentos, certa do triste fim que lhe era reservado nas mãos da polícia secreta turca, ela conseguiu pegar um revólver escondido numa das gavetas de sua casa. Sarah disparou a arma contra si, mas não morreu imediatamente. Paralisada, ainda resistiu vários dias.

Considerada uma heroína na luta pela independência, Sarah é, ainda hoje, uma personalidade da história do moderno Estado de Israel.

Bibliografia:
Slater, Elinor e Robert, Great Jewish Women, Jonathan David Publishers, Inc.