Rebecca Gratz, mulher de visão, acreditava que as mulheres eram responsáveis por assegurar a preservação da vida judaica na América.

Fundadora das primeiras organizações filantrópicas femininas da Filadélfia e do primeiro orfanato judaico, Rebecca dedicou sua vida em prol do próximo, atuando com a mesma energia e empenho tanto dentro da comunidade judaica quanto entre a população geral da Filadélfia. Crianças e viúvas eram suas maiores preocupações. Rebecca acreditava que era responsabilidade da comunidade olhar pelo bem-estar de cada judeu em termos materiais, morais e religiosos.

Rebecca Gratz nasceu em Lancaster, na Pensilvânia, em março de 1781. Foi a sétima de doze filhos. Seus pais, Miriam e Michael Gratz, judeus ortodoxos, eram membros ativos da pequena comunidade judaica da Filadélfia e estavam entre os fundadores da primeira sinagoga da cidade, Mikveh Israel. O pai, Michael, era abastado comerciante de origem alemã, que descendia de uma longa linhagem de respeitados rabinos.

Rebecca, assim como seus irmãos, foi criada em um ambiente onde a educação e os valores judaicos eram fundamentais. Não freqüentou cursos universitários - como seus irmãos - e pouco se sabe sobre sua educação formal. No entanto, sabe-se que era uma mulher interessada e autodidata e que continuou a estudar, por conta própria, os textos judaicos com os quais não tinha muita familiaridade. Rebecca amava escrever; suas poesias entusiasmavam seus amigos e familiares que a encorajaram a publicá-las. Porém, sem interesse na fama, usou seus dons literários em correspondência prolífica e relatórios organizacionais anônimos.

Jovem determinada

A família Gratz fazia parte da elite social e cultural da Filadélfia e durante sua adolescência, Rebecca, uma jovem educada e articulada, conheceu muitos dos importantes pensadores da época, com os quais se correspondia. Entre eles, personalidades como Washington Irving e Henry Clay. Artistas da época também faziam parte do círculo de amizade da jovem e de sua família, como os pintores Thomas Sully, Edward Malbone e Gilbert Stuart, que pintaram retratos dos membros da família Gratz.

Bonita e charmosa, Rebecca era uma mulher gentil e bondosa. Vestia-se sempre de preto, com um colarinho fino branco, um boné sobre os cabelos cacheados castanho-escuro. Culta e elegante, não era uma feminista radical, mas uma mulher judia que buscava desenvolver sua própria identidade. Um dos eventos que marcaram profundamente a vida de Rebecca foi o casamento de sua tia, irmã de sua mãe, com um não-judeu, e as conseqüências deste fato no seio de sua família.

Em 1801, Rebecca, sua mãe, a irmã e 21 outras mulheres fundaram a primeira instituição de assistência social não-sectária - "Associação Feminina da Filadélfia" - dedicada a ajudar mulheres e crianças carentes. Seu contato com o sofrimento dos órfãos e viúvas fez com que, em 1815, ela ajudasse a fundar mais uma instituição não-sectária, o Orfanato da Filadélfia.

Rebecca e a "Casa de Israel"

Com a morte prematura de seus pais, Rebecca herdou a responsabilidade e o desafio de dirigir a casa e cuidar dos irmãos. Quando sua irmã faleceu, aos 40 anos, passou a criar os seus nove sobrinhos, sendo que o mais velho tinha 16 anos. O judaísmo fazia parte de seu cotidiano. Procurava transmitir seus valores e suas tradições a todos que a cercavam, abrindo mão inclusive de sua vida pessoal em prol da unidade familiar.

A morte da irmã fez com que ela se envolvesse cada vez mais em assuntos de ordem religiosa. A socie-dade americana do século XIX era basicamente cristã e o aumento do fervor religioso no seio dessa comunidade levou Rebecca a perceber o quanto era necessário uma educação religiosa judaica para os judeus que viviam como minorias naquele meio. Se para os rapazes a única forma de receber uma educação religiosa eram aulas para Bar-mitzvá ou tutores particulares, para as meninas nada havia.

O trabalho desenvolvido por Rebecca em instituições não-sectárias mostrara-lhe também a necessidade premente de criar instituições judaicas que cuidassem exclusivamente dos judeus carentes da Filadélfia. Ela acreditava que as mulheres eram particularmente aptas para cuidar da "Casa de Israel".
Em 1819 a comunidade judaica da Filadélfia procurou-a para criar a Associação Feminina de Beneficência Israelita. Até então, apenas algumas sinagogas dos Estados Unidos dedicavam-se à assistência social.

Rebecca e o romance "Ivanhoé"

Aos 19 anos Rebecca apaixonou-se por Samuel Ewing, um advogado cristão, que a cortejou por vários anos. A ruptura familiar ocorrida após o casamento de sua tia, levou-a a rejeitar o pedido de Ewing, que se casou, então, com outra mulher. Rebecca jamais se casou.

Conta-se que sua vida inspirou Sir Walter Scott a escrever o romance "Ivanhoé" (1819), leitura obrigatória nas escolas americanas durante muitos anos. A história se passa no século XII na época das Cruzadas e de Ricardo, Coração de Leão. Na obra de Scott, Rebecca, uma linda judia, é uma das figuras principais. Rebecca se apaixona e ajuda o herói Ivanhoé, um cavalheiro saxão que, posteriormente, salva-a de ser queimada, acusada de ser bruxa.

O autor tomou conhecimento da existência e da personalidade de Rebecca através do escritor Washington Irving, quando ela cuidou com muita devoção de sua noiva Matilda Hoffman, em Sarotaga Springs, Nova York. Impressionado pela atitude de Rebecca, Irving fez vários relatórios a Scott sobre sua gentileza, charme e beleza. Após a publicação de "Ivanhoé", Scott escreveu para Irving, perguntando-lhe: "O que você achou da sua Rebecca? Será que a Rebecca que eu criei é comparável à original?".

Em 1838, preocupada com a educação judaica das crianças que cresciam sem receber educação religiosa adequada, Rebecca decidiu fundar a primeira escola de ensino não formal que oferecia aulas de judaísmo, aos domingos, a Hebrew Sunday School dos Estados Unidos. Para isso, contou com a ajuda e o apoio de Isaac Lesser, chefe espiritual da Congregação Mikveh Israel. Esta instituição educacional serviu de modelo para todas as similares que se seguiram. Desde sua criação, a Hebrew Sunday School contou com muitos alunos. Inovadora, diferentemente das escolas européias nas quais havia apenas professores, a escola de Rebecca introduziu também professoras.

Ela mesma ajudou na criação dos programas de ensino, compôs hinos e preparou textos da Bíblia utilizando interpretações disponíveis em inglês para facilitar a compreensão das crianças. Obteve recursos para traduzir a Torá ao inglês e foi pioneira também na tradução e publicação de livros religiosos infantis. Fundou a primeira Sociedade de Publicações Judaicas da América. Seus esforços na elaboração de um currículo básico foram reconhecidos em todos os Estados Unidos e o modelo espalhou-se por Richmond, Charleston, Savannah, Baltimore e Nova York. Durante 26 anos, Rebecca dedicou-se à escola, atuando como presidente e supervisora, até se aposentar em 1864, aos 83 anos.

Em 23 de fevereiro de 1860, Rebecca escreveu uma carta a Maria G.Gratz, na qual afirmava: "Sinto-me gratificada pelo aproveitamento comprovado do conhecimento religioso judaico de um grande número de crianças, principalmente quando isso influi em seus modos e conduta e se reflete na consideração e respeito por seus pais."

Rebecca morreu em agosto de 1869, com 88 anos. Primeira ativista judia americana, foi um exemplo para todas as mulheres que trabalharam para o bem-estar das comunidades, antes que os profissionais do sexo masculino dominassem o setor.

Em outubro de 1869, seis semanas após sua morte, o sucessor de Isaac Lesser na Congregação Mikveh Israel, Sabato Morais, prestou-lhe uma homenagem através de um comovente discurso perante os professores e alunos da Escola Dominical Hebraica: "Ela dedicou o que tinha de melhor dentro de si em prol dos necessitados e empenhou-se na formação das novas gerações. Amava seu povo e prezava sua religião acima de todos os objetos terrenos".

Uma de suas sobrinhas fez a seguinte afirmação sobre Rebecca: "Minha tia era uma velha senhora solteira, pelo menos na concepção vulgar do termo. É verdade que ela nunca se casou, mas ela foi mãe de órfãos e abandonados, ajudou amigos e oprimidos, pobres, necessitados e pecadores...".?

Bibliografia:

Slater, Elinor & Slater, Robert, Great Jewish Women
Abraham, Karp, The First Jewish Sunday School
History of the Jews in America
Osterweis, Rollin G. Rebecca Gratz: A Study in Charm, NY: Putnam, 1935.
Philipson, David, Letters of Rebecca Gratz, 1894, Philadelphia: Jewish Publication Society.