Por ocasião de sua visita a São Paulo, o Grão Rabino Chefe da Grã Bretanha e Commonwealth concedeu esta entrevista à Morashá.

Morashá: Como Rabino Chefe, o que o Sr. considera terem sido suas maiores conquistas? E seus maiores desafios?

Rabino Chefe Jonathan Sacks: O judaísmo britânico se transformou nos últimos 22 anos. Isto constitui uma genuína conquista comunitária, na qual estão envolvidas milhares de pessoas. Os três pontos dos quais me orgulho: primeiro, o drástico crescimento nas escolas judaicas integrais, algo sem precedente na história de nossa comunidade.  Durante este período, o percentual de crianças judias que frequenta nossas escolas cresceu de 25% para quase 70%. Segundo, o fato da comunidade ter-se tornado verdadeiramente criativa nos campos da educação de adultos, atividades culturais e instituições beneficentes. Terceiro, constatar que a voz judaica se tornou uma parte importante e altamente respeitada no diálogo nacional.

O maior desafio nos primeiros anos foi a política interna da comunidade judaica, mas creio que encontramos uma forma de resolver isso com respeito e integridade.

M: Quais foram as pessoas que mais influenciaram sua vida, seu trabalho, seus escritos e suas crenças?

Rabi Sacks: Tive o privilégio de conhecer, enquanto aluno da graduação, o Lubavitcher Rebe, Rabi Menachem Mendel Schneerson, o maior líder judeu de nosso tempo, e o Rabi Joseph B. Soloveitchik, o maior pensador judeu de nossa era. Ambos tiveram uma imensa influência sobre minha pessoa.

A influência mais importante durante os anos de minha formação como Rabino foi de meu mestre, o Rabi Nachum Rabinovitch, com quem estudei durante 10 anos. Ele era um homem de imensa coragem moral e intelectual. Como filósofo, as influências mais importantes que tive foram de meus professores, Sir Bernard Williams e o Professor Roger Scruton.

M: O Sr. é, sem dúvida, um dos líderes judeus mais influentes, respeitados e celebrados no mundo, atualmente. Quais os seus planos para o futuro?

Rabi Sacks: Estudar, ensinar e o fazer em uma plataforma global. Desejo, na medida do possível, ter uma participação no ensino da próxima geração de líderes judeus; rabinos, educadores, profissionais comunitários e da liderança voluntária. Tentarei, também, desenvolver as possibilidades da Internet como um veículo para a educação judaica e a espiritualidade.

M: À luz do Holocausto e das expulsões e discriminações sofridas pelo judaísmo europeu ao longo da História, é sensato que os judeus vivam na Europa? Quanto a Europa mudou desde a 2ª Guerra Mundial?

Rabi Sacks: A situação dos judeus na Europa, hoje, é desafiadora. Há uma ampla hostilidade contra Israel. Os universitários sentem-se intimidados nas faculdades.  A Shechitá e o Brit Milá (o abate casher e a circuncisão) estão sendo atacados. A meu ver, não há razão para temer, mas, sim, todas as razões possíveis para defender nossa identidade e nosso estilo de vida com confiança, humildade e vigor. Não devemos esquecer que as forças hostis aos judeus e a Israel, também são hostis aos valores ocidentais da liberdade, democracia e dos direitos humanos. Portanto, nesta luta, teremos aliados bons e fortes.

M: Qual o maior desafio com que se depara o judaísmo mundial, atualmente?

Rabi Sacks: Infelizmente, as duas forças mais vigorosas na vida judaica, hoje, são a assimilação, por um lado, e a segregação – o fechamento da ortodoxia para seu interior– pelo outro. Parece que muitos judeus estão optando por se conectar com o mundo e se desconectar do judaísmo, ou então, envolver-se com o judaísmo ao custo de se desligar do mundo. Há que haver um outro caminho. Ser um judeu comprometido requer o envolvimento com o mundo; e somente se o fizermos enquanto judeus orgulhosos e comprometidos estaremos dando nossa singular contribuição à humanidade, de modo integral. Todo o meu empenho nos próximos anos será no sentido de atuar, com a voz a mais vibrante possível, na direção desta abordagem à identidade judaica.

M: Qual a maneira mais eficaz de se combater a assimilação judaica?

Rabi Sacks: Fazendo com que as pessoas tenham orgulho de serem judeus. Há centenas de formas diferentes de sentir orgulho e temos que promover todas.

M: O Sr. é um respeitadíssimo erudito, tanto no campo religioso quanto secular. Como educar as crianças judias, de forma eficaz, nessas duas áreas? Qual a sua definição de uma educação judaica ideal?

Rabi Sacks: Minha filosofia de educação judaica é uma combinação de Torá e Chochmá. Chochmá é a herança universal da humanidade. Inclui as ciências naturais – o universo como a Obra de D’us – e as ciências humanas – tudo o que nos permite ver o ser humano como a imagem de D’us. A Torá é o legado particular e único do Povo Judeu. Vejo muito pouco conflito de princípios entre esses dois aspectos, e quanto mais abrangente for nossa educação secular, mais profunda será nossa percepção e nosso aprofundamento na Torá. Um judeu instruído deve ser igualmente letrado em ambos os campos.

M: O que o judaísmo tem a ensinar ao mundo não judeu?

Rabi Sacks: Primeiro, a dignidade da diferença. Não precisamos ser iguais a nenhum outro para fazer nossa singular contribuição à humanidade. O judaísmo é uma rara combinação de respeito pela universalidade da condição humana e pela particularidade da identidade. Segundo, o judaísmo é um exemplo convincente das estruturas necessárias para uma sociedade livre, famílias fortes, comunidades apoiadoras e um compromisso com Tzedacá e Chessed. Terceiro, chamo o judaísmo de “a voz da esperança no diálogo da humanidade”.

O Povo Judeu é uma testemunha viva da capacidade de um povo muito pequeno de sobreviver à tragédia, sobreviver a grandes impérios e contribuir de forma desproporcional a seus números.

M: Qual o papel que a religião deve desempenhar no Estado de Israel? Deveria a religião moldar as leis do país, de alguma maneira?

Rabi Sacks: Há elementos da Lei Judaica – tais como o Shabat ser o dia do descanso – que denotam a identidade de Israel como um Estado judeu. Fora isso, eu falaria com muita cautela de uma legislação religiosa.
O verdadeiro lugar do judaísmo é em uma sociedade, não em um Estado. Se fosse possível, eu gostaria de ver a religião separada da política – e a política separada da religião.

M:Por que o mundo é tão crítico do Estado de Israel? Por que culpa Israel por tudo, mesmo por defender seus cidadãos contra os ataques, enquanto ignora as atrocidades cometidas em outras partes do mundo, mais notada e recentemente, na Síria?
Rabi Sacks: Durante mil anos, os judeus foram perseguidos por serem o arquétipo do “outro” em uma
Europa cristã. Hoje, estamos sob ataque por sermos o arquétipo do “outro” em um Oriente Médio islâmico. Os judeus foram atacados porque eram diferentes, mas a diferença é parte essencial de nossa condição humana. Portanto, qualquer região que não tenha lugar para os judeus, não tem lugar para a humanidade.

O Estado de Israel continua a ser um modelo de como se criar uma sociedade livre, uma economia dinâmica e notáveis conquistas científicas, médicas e tecnológicas. Mais cedo ou mais tarde, seus críticos terão que aceitar esses
fatos ou terão que aceitar que têm mentes tacanhas e preconceituosas. Contudo, essas críticas não
nos devem desmoralizar.
Qualquer judeu que reflita seriamente sobre a História entenderá que é melhor ter um Lar judeu e ser criticado do que ser fraco e destituído de sua Pátria, e atrair a compaixão do mundo. Graças a Israel, todos os judeus andam com a cabeça mais erguida, ainda que não tenham consciência disto.
 
M: Quais o Sr. considera serem os desafios mais grandiosos que o Estado de Israel precisa enfrentar nos anos e décadas por vir?

Rabi Sacks: O desafio mais extraordinário com que Israel se depara é o crescente divisor de águas entre os israelenses seculares e o movimento cada vez maior de fechamento de grande parte do público religioso em seu interior. Este desafio não é difícil de ser vencido, mas requer uma liderança corajosa e sensível, de ambas as partes.

M: Com a proximidade de Pessach, qual a sua definição de liberdade?

Rabi Sacks: Pessach não é uma festividade independente. A Contagem do Omer a conecta com Shavuot. Juntas, essas duas festas representam os dois elementos da liberdade, como foi definido pelo saudoso Sir Isaiah Berlin. Pessach representa a liberdade negativa, Chofesh em hebraico. Trata-se do tipo de liberdade que um escravo adquire ao ser libertado. Significa que ninguém pode forçá-lo a fazer o que você não deseja. Shavuot representa a liberdade positiva, Cherut em hebraico.  É a liberdade coletiva desfrutada pelos membros de uma sociedade governada pela justiça e o Estado de direito. É a liberdade de fazer o que você deve fazer, para que minha liberdade não seja comprada ao custo da sua. No final das contas, precisamos de ambas.