Há quem diga que o Exodus foi um navio que fundou uma nação e este é, inclusive, o título de um livro. Exagero à parte, de fato, a presença de um comitê das nações unidas no porto de Haifa, em 1947, que testemunhou a dramática jornada do Exodus, influenciou o relatório que recomendou à assembléia geral a partilha da antiga palestina em dois estados, um árabe, outro judeu.

A história do navio Exodus tornou-se por demais conhecida no século passado, sobretudo depois da publicação, nos Estados Unidos, do famoso romance “Exodus” do escritor judeu Leon Uris e do filme nele inspirado, dirigido por outro judeu, Otto Preminger. Entretanto, poucos conhecem a extraordinária trajetória de Yossi Harel, o sabra (oriundo da Terra de Israel) que comandou aquele verdadeiro calhambeque marítimo, levando a bordo 4.515 refugiados do Holocausto, mais a tripulação.

Aquela, entretanto, não foi a primeira tentativa de Harel, nem a última, de transportar judeus clandestinamente para a sua única pátria. Ele e muitos outros de igual estatura e idealismo lutaram contra a inamovível determinação do governo britânico de proibir a imigração judaica para a Palestina, sem um mínimo de compaixão por homens, mulheres e crianças, sobreviventes dos campos nazistas de concentração.

Após a 2a Guerra Mundial, os ingleses escolheram um novo primeiro-ministro, preterindoWinston Churchill, o grande vencedor do conflito. O eleito foi Clement Atlee, do partido trabalhista. Em Jerusalém, os líderes da Agência Judaica, em grande parte socialistas, ficaram otimistas. Julgavam que os entendimentos com os novos governantes em Londres, também socialistas, se tornassem mais flexíveis ou, pelo menos, mais cordiais. Sofreram uma contundente decepção. Além das implicações políticas que consistiam em aceitar as exigências dos árabes, o chanceler britânico, Ernest Bevin, era um convicto antissemita. Por sua inspiração e ordens, a marinha de guerra inglesa empenhou-se sem cessar na tarefa de interceptar e confiscar, com inusitada ferocidade, os navios que conduziam judeus. De 63 embarcações clandestinas transportando refugiados, somente cinco conseguiram furar o bloqueio. Os apreendidos foram confinados em acampamentos rudimentares na ilha de Chipre. Embora não sofressem violências, o arame farpado à sua volta em tudo fazia lembrar os campos de concentração nazistas. Questionado sobre as condições de vida dos judeus ali instalados à força, um oficial inglês declarou: “Está bom demais para eles”.

Yossi Harel nasceu em Jerusalém, em 1919. Sua família havia emigrado para a então Palestina no século anterior e o pai era o dono de uma pequena mercearia que apenas provia uma vida apertada. Na adolescência ficou marcado pela leitura do livro “Os Quarenta Dias de Musa Dagh”, do escritor judeu Franz Werfel, que narra a heróica resistência dos armênios contra os turcos nas montanhas da Anatólia. Na verdade, essa leitura ficou incrustada para sempre em seus pensamentos. Certa ocasião, quando um dos navios sob seu comando passou ao largo da costa da Turquia, e ele avistou ao longe o monte Musa Dagh, fez uma imediata associação com a trágica resistência de Massada, que também teve como cenário o alto de uma colina. Aqueles judeus ancestrais haviam preferido o suicídio coletivo a serem dominados pelos romanos. Porém, àquela altura do século 20, refletiu, os judeus jamais voltariam a ser derrotados.

Em 1935, quando a Alemanha nazista promulgou as leis racistas de Nuremberg, um legendário militar judeu chamado Itzhak Sadeh, veterano combatente ao lado dos bolcheviques na revolução russa, chegou a Jerusalém com a missão de recrutar jovens para acolher os milhares de refugiados que chegariam à então Palestina vindos da Alemanha, o que decerto levaria os árabes a ações de hostilidade. Assim, além de absorver os alemães, também era preciso organizar a rapaziada para a luta. Sadeh, comandante da Palmach, força de elite da Haganá (exército clandestino judaico), era um gigante que mereceria um imenso volume só para ele. Seu primo, o célebre filósofo inglês Sir Isaiah Berlin escreveu: “Ele foi o homem mais bravo, mais inteligente, mais corajoso e mais sedutor que conheci em toda a minha vida”. A amizade entre Yossi e Sadeh não somente foi instantânea como também duradoura, apesar de trinta anos na diferença de idade. Meses depois, junto com outros jovens, Yossi foi mandado para treinamento militar no kibutz Hanita.

Ele nunca mais se esqueceu do dia em que ali apareceu, como visita, um oficial inglês de maneiras rudes que, entre outras excentricidades, comia uma cebola como se estivesse comendo uma maçã. Era Orde Wingate. Uma noite, sob a chefia de Wingate, um pelotão de comandos que Yossi integrava entrou em uma aldeia árabe que abrigava terroristas dentro do Líbano. Yossi foi o mais destacado no combate, afugentando um bando de inimigos sobre os quais despejou uma chuva de granadas. Desde então, Wingate passou a chamá-lo de “meu bombardeador”. Os dois se tornaram grandes amigos.

Em 1939, com a 2ª Guerra em curso e justo no dia do aniversário da Noite dos Cristais, o governo britânico emitiu um documento conhecido como White Paper, que selava as portas da então Palestina para os judeus. O Ishuv (comunidade judaica da antiga Palestina) ficou dividido. Parte queria intensificar a luta contra os mandatários britânicos; parte julgava que era prioritário o enfrentamento contra o nazismo. Foi quando Ben Gurion declarou: “Nós vamos apoiar os ingleses como se não existisse o White Paper e vamos lutar contra o White Paper como se a guerra não existisse”. Em Jerusalém, sob ordens de Shaul Avigur, outro gigante dentre os fundadores de Israel, Yossi estava lotado no serviço de inteligência, incumbido de levantar tudo o que fosse possível sobre o contingente militar britânico na Palestina e também de investigar e apontar os colaboracionistas judeus. Mas, ele não queria ficar preso a uma mesa de escritório. A exemplo de outros milhares de judeus do Ishuv, alistou-se no exército inglês para combater a Alemanha nazista. Os chefes da Haganá, a que Yossi pertencia, não aprovaram essa decisão e o classificaram como desertor.

Designaram-no para servir no Egito e ele acabou sendo mobilizado para integrar um comboio de navios, rumo ao norte da Grécia, perto da fronteira da Iugoslávia, onde os alemães desfechavam grande ofensiva. Por causa de um forte bombardeio marítimo, teve o tímpano direito rompido, condição que lhe restou para o resto da vida. Ferido, recebeu uma semana de licença e foi para Tel Aviv onde se encontrou com Sadeh. Conversaram como se tivessem sido separados apenas na véspera e ninguém mais se lembrou daquele ridículo rótulo de desertor. Em seguida, mandaram-no para Bagdá. Dali deveria seguir para o Cáucaso para se integrar ao exército russo. Depois, foi parar em Cingapura para participar da guerra contra o Japão, mas a operação da qual deveria fazer parte foi cancelada à última hora. Voltou ao Egito. Naquele momento da 2ª Guerra Mundial, a situação era dramática.

O Afrika Korps, comandado por Rommel, avançava com ímpeto no norte da África e, caso fosse bem sucedido, poderia chegar até a então Palestina, onde o Ishuv já tomava medidas preventivas de defesa. No fim, a vitória coube aos ingleses, chefiados pelo general Montgomery na célebre batalha de El Alamein.

Ao fim do conflito, Ben Gurion voltou de uma viagem à Europa devastada e, pela primeira vez, os judeus da então Palestina tomaram pleno conhecimento do que havia sido o Holocausto. A premência, então, era continuar a luta contra os ingleses que não abdicavam do White Paper e, ao mesmo tempo, acumular esforços e recursos para trazer os sobreviventes para a Terra de Israel. Yossi foi designado para servir como segurança de Chaim Weizmann, de quem se tornou íntimo amigo. Uma tarde, estava com Weizmann num automóvel quando passaram pela localidade de Guivat Olga, onde os britânicos haviam instalado uma estação de radar destinada a apontar os navios ilegais que, por acaso, estivessem se aproximando da costa. Weizmann, o pacifista, o diplomata, o conciliador, perguntou a Yossi: “Por que o seu pessoal da Haganá não explode isto?” Uma semana depois, quando o radar foi de fato destruído, Weizmann emitiu uma declaração pública condenando aquela ação violenta.

Meses mais tarde, Yossi foi convocado por Shaul Avigur. Recebeu a missão de viajar para a Grécia de onde deveria trazer uma leva de refugiados. O navio de que dispunha chamava-se Anna, construído em 1892, mas foi rebatizado como Knesset Israel. A esta embarcação juntou-se outra, menor, o Atina.

A adaptação daqueles dois cargueiros para transportar seres humanos exigia instalações e providências logísticas que pareciam impossíveis de ser completadas. Os porões dos navios continham oito patamares de beliches e só comportavam algumas poucas privadas que, por sua vez, precisavam de um sistema de esgoto, por mais primitivo que fosse. Em ambos, era necessário, ainda, reservar espaço para estocar água, mantimentos, medicamentos e traçar uma estratégia de circulação através da qual parte dos refugiados pudesse subir ao convés, pelo menos uma hora por dia, para respirar ar fresco. Finalmente, a tarefa mais difícil: contratar uma experiente tripulação de não-judeus para conduzir o navio. O capitão e os marinheiros gregos fizeram exigências absurdas, mas não havia outra solução a não ser atendê-las.

A Yossi coube o comando do Atina. Pouco depois do início da viagem, a embarcação bateu num rochedo onde havia um farol e encalhou. Inexistia o risco de naufrágio, mas o navio teria que ser consertado. Do Pireu, avisada pelo rádio de bordo, a Haganá mandou um rebocador que o retirou do encalhe, colocando o navio em seu rumo para o porto iugoslavo de Split, onde deveria acolher os refugiados. Entretanto, uma inspeção mais meticulosa no casco do Atina revelou que este não teria condições para conduzir as estimadas três mil pessoas. Yossi foi então transferido para o Knesset Israel, como segundo de Byniamin Yerushalmi, destacado ativista do Ishuv. A Split chegou mais um navio da Haganá, o Nisnit, frágil porém em bom estado, com capacidade para 800 passageiros. Os dois navios deveriam transportar um total de 3.800 refugiados. Ao ver aquelas três embarcações alinhadas no porto de Split, Yossi exclamou, entre irônico e comovido: “Agora, sim, temos uma força naval judaica!”

Yossi e Yerushalmi tiveram que se desdobrar para manter um mínimo de ordem no Knesset Israel. A cada refugiado coube um espaço de 50 centímetros quadrados isolado por lençóis. Yossi organizou grupos de jovens incumbidos de ajudar os mais idosos a subir e descer as estreitas escadas que conduziam ao convés. A enfermaria cuidava de doentes, dia e noite, muitos deles acometidos pela sífilis. A bordo era terrível a superlotação e os maiores cuidados eram dedicados às mulheres grávidas, uma das quais deu à luz em pleno oceano. Quando o navio passava ao largo da costa da Turquia, ouviu-se acima o ruído do motor de um avião. O piloto inglês sinalizou, indagando que navio era aquele. Yossi respondeu: “Somos um cargueiro com bandeira panamenha. Estamos navegando para Argel com escala em Alexandria”. Ele pressentiu que uma interceptação da marinha inglesa era iminente.

Os passageiros capacitados improvisaram armas com latas e carvão. Contratorpedeiros britânicos não custaram a aparecer, prontos para atacar o Knesset Israel. Ao receber um ultimato para a rendição, Yossi respondeu pelo rádio: “Estamos transportando sobreviventes de campos de concentração. Temos a bordo mais de três mil homens, mulheres e crianças em condições subumanas. Por que vocês estão-nos perseguindo como se fôssemos animais? Vamo-nos defender sem armas de fogo nas mãos, mas com canos, garrafas, sarrafos e gasolina”. Na entrada da baía de Haifa, os barcos de guerra ingleses chegaram a poucos metros do navio, que atracou no porto. Soldados britânicos começaram a subir na embarcação, através de escadas de cordas, e jogaram bombas de gás lacrimogêneo no convés. Os refugiados se defendiam de forma desesperada, lançando contra os militares tudo que podiam. A certa altura, uma das bombas atingiu o berçário. Yossi conseguiu pegá-la e atirá-la ao mar. Seguiram-se saraivadas de tiros de metralhadoras e os judeus tiveram que capitular.

Yossi embarcou junto com os refugiados em um dos navios rumo a Chipre. No acampamento, encontrou-se com membros da Palmach, que se apresentara como uma equipe médica do Joint Distribution Committee, entidade autorizada pelos ingleses para lidar com refugiados. Sua missão era organizar o acampamento da melhor maneira, atribuindo tarefas às pessoas, além de instalar uma escola, áreas de lazer e uma biblioteca. Manter elevado o moral dos sobreviventes era difícil, mas não impossível. Depois de um mês, os ingleses emitiram 750 vistos de entrada para a então Palestina, um dos quais coube a Yossi. Quanta ironia. Nascido em Jerusalém, Harel era um novo imigrante em sua própria terra.

Em Tel Aviv, logo procurou Sadeh que, poucos dias depois, reuniu uma pequena elite do Ishuv para ouvi-lo. Seu relato provocou ira e perplexidade. Ele reclamou com amargura das lideranças da Haganá e da Palmach que não tinham ido ao encontro do navio para ajudar a defendê-lo. Finda a palestra, Yossi foi para seu apartamento, trocou de roupa e preferiu dormir num banco de jardim em frente ao prédio onde morava. Tinha medo de perder a hora, pois  viriam buscá-lo às cinco da manhã para uma nova e urgente missão: trazer para a Terra Prometida um navio chamado Exodus.
 
Ele viajou para Milão onde se encontrou com Shaul Avigur. Este informou que um bom navio americano, chamado President Warfield, estava ancorado em Portovenere, pequena localidade na região da Ligúria. No entanto, ponderou, os italianos poderiam criar algum problema e era mais seguro que o navio se deslocasse para a França, que tinha como primeiro-ministro o judeu Léon Blum. Enquanto isso, o pessoal da Haganá, pagando caro, conseguira que a embaixada da Colômbia fornecesse vistos para todos que deveriam embarcar formalmente para aquele país. No dia 11 de julho de 1947, o Warfield chegou ao porto de Sète, conhecido como a porta para o mar Mediterrâneo, onde deveriam embarcar mais de 4.500 refugiados.

O navio contava com quatro conveses e poderia abrigar quatro níveis de beliches. Surgiu, então, um problema logístico: como transportar 4.515 pessoas de Marselha e arredores para o porto de Sète, sem chamar a atenção? Para piorar, os camioneiros franceses estavam em greve. Yossi e Avigur foram conversar com os comunistas que lideravam a greve. A troco de um milhão de francos, os comunistas dispuseram 150 motoristas de caminhões que guiariam até o porto, à noite, através de caminhos alternativos.

A instalação dos beliches foi concluída poucas horas antes do embarque e os passageiros deveriam subir ao navio em pequenos grupos. Cada refugiado recebeu uma ração de água e comida para o primeiro dia da viagem.

Enquanto isso, aviões britânicos sobrevoavam o porto, e os franceses, sob pressão, impediram a partida do navio. Yossi, então, deu uma ordem para que fossem queimados os vistos colombianos e declarou à irredutível administração do porto que seus passageiros não tinham documentos, não tinham qualquer cidadania. Não poderiam, portanto, ser conduzidos para lugar algum no planeta. Ao lado de Ike Abramovitch, o americano que comandara o Warfield na viagem até a Itália e a França, ele manteve uma longa discussão com as autoridades francesas, sem, no entanto, conseguir comovê-las, nem mesmo falando das centenas de crianças que se encontravam a bordo. Quando regressou ao navio, recebeu um telefonema de Avigur: o próprio chanceler Ernest Bevin, que se encontrava em Paris, dissera às autoridades francesas que o bloqueio do Warfield era uma questão de honra para o governo de Sua Majestade e que, fiel ao seu antissemitismo, aquela situação era o resultado de uma conspiração dos judeus ricos de Nova York.

A saída do porto de Sète correspondia a um autêntico labirinto. Yossi contratou um piloto a peso de ouro, que se comprometeu a esgueirar o navio para fora da barra, desde que protegido pela escuridão. Passadas as duas horas da manhã, o dito piloto ainda não tinha aparecido. Afirmando assumir total responsabilidade, pediu que Ike assumisse o comando. O americano argumentou que tal manobra estava aquém de suas possibilidades de navegador. Apavorado, posicionou-se no leme. Os motores foram acionados, mas assim que o navio começou a se movimentar, por causa do peso excessivo, a hélice ficou  presa num cabo de aço. Somente um milagre faria o navio zarpar e, de súbito, o milagre aconteceu: o cabo de aço rompeu-se. No momento de passar por dois quebra-mares, o Warfield tomou a direção errada e encalhou. Yossi pediu ao operador do rádio, Azriel Einav (que esteve junto com ele no Rio de Janeiro), que, através de uma ligação Tel Aviv-Roma, desse conhecimento a Shaul Avigur, em Paris, do que estava acontecendo. A única solução era tentar avançar sobre o banco de areia metro a metro. Deu certo.

Em alto-mar, os passageiros procuravam relaxar e, ao fim de cada tarde, uma pequena orquestra improvisada fazia a alegria de todos, indiferentes aos contratorpedeiros britânicos que acompanhavam o navio a pouca distância. Em contato com Tel Aviv, Yossi ficou sabendo que o Ishuv se preparava em massa para recebê-los. O erro cometido com o Knesset Israel não seria repetido. Chegou-lhes, então, um telegrama dizendo que o nome do navio deveria ser trocado para Exodus da Europa 1947. Ele não gostou. Preferia rebatizá-lo de algo como Resistência Judaica. Mas, a liderança do Ishuv não queria irritar ainda mais os ingleses. Yossi deveria obedecer a ordem recebida e ponto final. O Exodus passou ao largo de El Arish, no Egito, e seguiu no rumo norte, enquanto os refugiados já improvisavam armas para a batalha que fatalmente ocorreria. De Tel Aviv, recomendaram a Yossi que tentasse desembarcar os passageiros em Bat Yam, em Eretz Israel, mas ele recusou porque ali a costa era por demais rochosa. Talvez valesse a pena tentar a praia de Tel Aviv, em frente ao Hotel Dan. Para garantir o desembarque, o Palmach faria uma confusão em terra, bloqueando os acessos à costa.

Na madrugada do dia 18 de julho, um barco de guerra britânico iluminou o Exodus com holofotes, ordenando que parasse. Yossi ignorou e seguiu em frente. Os ingleses preferiam o enfrentamento no mar, cientes de que em terra seria mais difícil lutar contra a eficiente Palmach. Mas, era David contra Golias. O Exodus teria que confrontar cinco contratorpedeiros e um cruzador. Não havia como impedir a abordagem dos ingleses. Às cinco da manhã, quarenta deles, fortemente armados, já se encontravam no convés do Exodus. Alguns marujos foram feridos pelos refugiados e outros jogados ao mar. Três invasores conseguiram entrar na cabine do piloto. De acordo com um plano pré-estabelecido, foram trancados lá dentro, enquanto Ike correu para um leme alternativo na popa e manteve o curso do navio.

A batalha durava três horas com os contratorpedeiros colidindo sem cessar de encontro ao Exodus. Foi quando a água começou a entrar pelo casco do navio. Os refugiados nos porões estavam sob risco de morrer afogados. Aqueles que se encontravam nos conveses superiores continuavam atirando tudo o que era possível sobre os ingleses. O navio balançava cada vez mais e as pessoas já não conseguiam se manter de pé. Só restava um último empurrão até o porto de Haifa, onde se consumaria a apreensão por parte do Império Britânico, deixando um saldo de três mortos – dois refugiados e um americano da tripulação.

No cais, bastava ver a aparência destroçada do Exodus para que se tivesse uma idéia do que havia acontecido. Os refugiados foram descendo sob a mira de fuzis e levados para três navios de guerra britânicos. Apenas uma jornalista, a americana Ruth Gruber, teve permissão de subir ao navio enquanto estava ancorado. Anos mais tarde ela escreveu em seu  livro “O navio que fundou uma Nação”: “Centenas e centenas de pessoas seminuas pareciam ter sido jogadas no fundo de um canil. Por um momento, cheguei a ter a horrível impressão de que estavam latindo. Todos gritavam na minha direção nos mais diversos idiomas, vozes cobrindo vozes. Uma jovem mãe aproximou-se de mim e disse: ‘Minha vida acabou’. Respondi-lhe: ‘Não fale assim, você já passou pelo pior’. Ela disse: ‘Tem razão, eu sei que vou acabar chegando à minha terra, eu sei que vou viver’”.

As reportagens escritas por Ruth Gruber e as dramáticas fotografias que tirou, correram o mundo e mobilizaram dezenas de opiniões públicas em favor da causa judaica. Numa atitude de incrível insensibilidade, os passageiros do Exodus não foram conduzidos para Chipre, mas para a França, seu ponto de partida. Eles se recusaram a desembarcar e foram levados numa ação de imperdoável crueldade para campos de refugiados justamente na Alemanha, a origem de seus carrascos. Um porta-voz do almirantado britânico declarou que aquilo tinha sido feito para dar um exemplo e dissuadir outros navios que tivessem a audácia de tentar furar o bloqueio.

Yossi deixou o porto de Haifa disfarçado como operário e seguiu para Tel Aviv. À noite, passando em frente ao teatro Habimah, viu uma aglomeração de pessoas em torno de um homem baixo e gorducho, com voz de megafone, que fazia um discurso exaltando aqueles que tinham arriscado suas vidas a bordo do Exodus. Era Zalman Shazar, que viria a ser o terceiro presidente de Israel. O jovem Yossi Harel, 28 anos de idade, seguiu andando e indagou-se: será que ele estava falando de mim?

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista

Bibliografia:

Kaniuk, Yoram, Exodus, a Odisséia de um Comandante, Imago Editora, 2000, tradução de Nancy Rozenchan.
Gruber, Ruth, The Ship That Launched a Nation, Union Square Press, EUA, 2007.
Mídia: The New York Herald Tribune, The Guardian e Jerusalem Post.

 

Uma conversa com Yossi

Conheci Yossi Harel, através de um amigo comum, há mais de 40 anos, quando ele esteve no Rio de Janeiro para tratar de negócios particulares. Passamos um dia juntos no inescapável percurso turístico Corcovado-Pão de Açúcar-churrascaria. Voltei a encontrá-lo no sétimo dia da Guerra dos Seis Dias, quando eu estava em Israel. Encontramo-nos no deque de uma piscina pública situada em frente à rua Gordon, em Tel Aviv, da qual ele era o dono. Claro que falamos sobre os recentes acontecimentos e, apesar da euforia pela vitória que tinha tomado conta do país, disse-lhe que estava triste pelos rapazes mortos nos campos de batalha e que estava apreensivo quanto ao rumo que aquela situação poderia tomar. O modo de falar de Yossi era conciso e de permanente serenidade. Em resumo, respondeu: “Estão achando que será possível trocar os territórios agora ocupados pela paz. Isto não acontecerá porque os árabes estão sob extrema humilhação e jamais farão qualquer negociação nessas condições. Temos, agora, dois problemas principais. Primeiro: evitar por completo quaisquer atitudes arrogantes. Segundo: mais cedo ou mais tarde eles vão retaliar e, portanto, é necessário incrementar nossa capacidade militar. Isto se faz com dinheiro e, para isto, dinheiro não há de faltar. Uma coisa é certa: se não nos deixarem viver em paz nesta região, ninguém nela vai continuar vivendo”. De fato, a retaliação aconteceu seis anos depois quando os egípcios cruzaram o Canal de Suez na Guerra do Yom Kipur e Israel neutralizou a ofensiva devido à apurada eficiência de suas forças armadas. Um adendo importante: somente anos mais tarde soube que Yossi Harel tinha sido o comandante do navio Exodus. Era impecável sua discrição.