Historiador com doutorado em História Medieval Judaica, o escritor Benzion Netanyahu morreu em 30 de abril de 2012, aos 102 anos. Sionista apaixonado, o Prof. Benzion foi o braço direito de Jabotinsky e um dos líderes do sionismo revisionista. Mas será lembrado, acima de tudo, pela forte influência que exerceu na forma de seu filho Bibi Netanyahu ver Israel e o mundo.

Benzion (“filho de Zion”) nasceu em 25 de março de 1910, em Varsóvia, quando a Polônia ainda fazia parte do Império Russo. Seu pai, o rabino ortodoxo Nathan Milikovsky, sionista fervoroso, era o diretor da escola secundária judaica de Varsóvia. Prolífero escritor, em seus artigos o Rabi Milikovsky utilizava ocasionalmente o nome Netanyahu para assinar os textos.

Em 1920, quando Benzion tinha 10 anos, a família Milikovsky emigrou para a então Palestina sob Mandato Britânico. Para o Rabi Nathan, a Terra de Israel era o único lugar onde um sionista poderia viver. Logo depois de lá se estabelecer, a família Milikovsky muda o sobrenome para Netanyahu, que, em hebraico, significa “dado por D’us”. Em pouco tempo, o Rabi Nathan tornou-se uma figura importante na Organização Sionista Mundial, viajando pela Europa e Estados Unidos para fazer palestras em apoio ao sionismo.

Apesar da grande influência que o pai teve sobre Benzion, o jovem opta por uma vida secular, acadêmica. Cursa a Escola de Formação para Professores David Yellin e, posteriormente, especializa-se em História Medieval na Universidade Hebraica de Jerusalém, em 1933. Enquanto cursava a Universidade Hebraica, Benzion se envolveu com o movimento Sionista Revisionista, aproximando-se de seus líderes, entre os quais, Vladimir Ze’ev Jabotinsky e Abba Acheimer.

Em 1923, devido a divergências de opinião entre Chaim Weizmann e Jabotinsky, este último funda o novo Partido Revisionista, que foi chamado de Aliança Sionista Revisionista, com seu braço juvenil, o Betar (acrônimo, em hebraico, de “Liga de Joseph Trumpeldor”). Ele seria o precursor do atual partido Likud. Segundo Jabotinsky, a Organização Sionista tinha uma posição por demais moderada e conciliatória no tocante às autoridades britânicas que governavam a então Palestina, pois não podia se conformar com o descumprimento inglês do que fora acordado aos judeus, em 1917, na Declaração Balfour.

Benzion abandonou uma promissora carreira acadêmica para se tornar o principal assessor e secretário de Jabotinsky. Ambos eram contrários a David Ben-Gurion e à visão sionista trabalhista. Os revisionistas divergiam política e economicamente dos sionistas socialistas. Acreditavam que o futuro Estado Judeu devia incluir as duas margens do Rio Jordão e que seria necessário criar uma “Cortina de Ferro” entre o Estado Judeu e os países árabes até que estes reconhecessem como permanente a presença judaica na região. Em termos econômicos, enquanto os socialistas acreditavam que o novo Estado devia basear-se em uma economia planificada, os revisionistas pretendiam a fundação de um estado liberal, baseado na economia de mercado.

Na década de 1930, convencidos de que os judeus da Europa corriam perigo mortal, Jabotinsky e Benzion Netanyahu tentam, sem grandes resultados, persuadir os judeus da Europa Oriental a deixar a região.

Em 1939, Benzion convence Jabotinsky a deixar seu escritório central em Londres e se instalar nos EUA, onde poderiam buscar apoio americano para a criação de um futuro Estado Judeu, e ter uma influência mais efetiva e ampla em sua construção. Com a morte de Jabotinsky no ano seguinte, Benzion se torna o líder do Movimento Sionista Revisionista nos EUA, cargo que manteve até 1948.

Dedica-se de corpo e alma, de forma apaixonada, ao lobby pela criação de um Estado Judeu, junto a Dean Acheson, secretário de Estado de Harry Truman, e a Dwight Eisenhower, futuro presidente dos Estados Unidos (de 1953-1961). Elaborou, ainda, uma série de anúncios de forte apelo, de página inteira, que foram publicados no The New York Times e em outros jornais, a favor da criação de um estado judaico.

Rafael Medoff, diretor do Instituto David S. Wyman para Estudos do Holocausto, em Washington, em carta enviada ao The Jerusalem Post, em 2005, revela que Benzion foi quem persuadira o Partido Republicano a incluir o apoio a um Estado judaico em sua plataforma de 1944. Era a primeira vez que um partido politico norte-americano adotava tal postura, sendo posteriormente seguido pelos democratas.

O Sionismo Revisionista defendia um Estado Judeu com território maior, que incluiria a atual Jordânia, sendo, portanto, originalmente, contrário à divisão da Terra de Israel entre judeus e árabes. No entanto, mesmo não concordando com a Resolução de 1947 das Nações Unidas, que decidira a Partilha da então Palestina, Benzion Netanyahu foi instrumental na consecução do apoio norte-americano para declaração do Estado Judeu em 1948.

Embora fosse sionista fervoroso, Benzion nunca se envolveu na política israelense e, ao retornar a Israel depois de 1948, aceitou Menachem Begin, ex-líder do Irgun, como líder político do Sionismo Revisionista.

Um acadêmico

A partir de 1949, Benzion se dedica à vida acadêmica, aprofundando-se na pesquisa da história do Povo Judeu, principalmente na época da Espanha quinhentista. Em 1950, quando ainda vivia em Israel, tornou-se editor da Enciclopédia Judaica.

Apesar de grande erudito e pesquisador, Benzion não foi incorporado pelo establishment acadêmico israelense, declaradamente de esquerda. Nem mesmo sua alma mater, a Universidade Hebraica de Jerusalém lhe estendeu, na época, um convite para lá trabalhar como docente. Suas ideias políticas eram consideradas demasiadamente “de direita”.

Em 1956, citando a discriminação por parte da intelligentsia israelense, Benzion decidiu emigrar com a família para os EUA e, ao longo das décadas seguintes, a família Netanyahu dividiu seu tempo entre os dois países.

Benzion viveu grande parte de sua vida nos EUA. Durante os primeiros anos fez o doutorado no Dropsie College, atualmente conhecido como Center for Advanced Judaic Studies, na Filadélfia. Sua tese foi sobre o Rabi Don Isaac Abravanel – estadista e financista, filósofo e comentarista da Torá – que viveu na Península Ibérica no século 15.

Começou sua carreira no Dropsie como Professor de Língua e Literatura Hebraica, sendo, mais tarde, convidado para chefiar esse departamento (1957–1966). Em seguida assumiu a cátedra de História Judaica e Literatura Hebraica Medieval (1966–1968). Em 1968 foi para a Universidade de Denver, como professor de Estudos Judaicos. Volta a Nova York em 1971, onde deu aulas de Estudos Judaicos na Universidade de Cornell, tornando-se Chairman do Departamento de Línguas e Literatura Semitas (1971–1975). Enquanto vivia em Nova York, editou, em inglês, a Enciclopédia Judaica e a História Mundial do Povo Judeu.

Autor de inúmeros livros sobre tópicos sionistas, o último trabalho editado focalizava os fundadores do sionismo e incluía Theodor Herzl, Leon Pinsker, Max Nordau, Israel Zangwill e, obviamente, Ze’ev Jabotinsky. Ele escreveu, também, extensamente, sobre a Inquisição espanhola e a história desse país nos séculos 15 e 16. Grande estudioso e pesquisador da chamada Idade de Ouro da história judaica na Espanha Medieval, ele é reconhecido por seu trabalho de 1.400 páginas, “As Origens da Inquisição na Espanha do Século 15”.

O Professor Benzion discordava da visão tradicional, segundo a qual os judeus espanhóis que se tinham convertido ao cristianismo haviam sido forçados a fazê-lo, permanecendo, no entanto, judeus em segredo. Em sua pesquisa, Netanyahu mostrou que a maioria desses judeus fizeram-no porque quiseram se aculturar e integrar à sociedade cristã. Segundo o pesquisador, na Espanha do século 15 era forte o preconceito contra os judeus e, com raras exceções, quem quisesse ser aceito pela sociedade maior se via obrigado a abrir mão de sua religião e, consequentemente, a se converter.Segundo sua teoria, a maioria dos “conversos” converteu-se ao cristianismo voluntariamente, querendo assimilar-se. Alegava o professor que o pequeno número de “conversos” que continuavam secretamente a seguir o judaísmo foi usado de forma propagandística pela Inquisição para alegar um movimento mais amplo de resistência.

O estudioso ainda aponta o fato de que a sociedade espanhola cristã não aceitava os judeus convertidos – os chamados cristãos-novos. Após as maciças conversões dos judeus, surgiu na Espanha a crença de que o judaísmo hereditário – ou “mala sangre” – era um “problema” que nem mesmo o batismo conseguia alterar. Em outras palavras, com o surgimento da obsessão pelo “sangue puro”, cristão e espanhol, nem mesmo a conversão seria suficiente para “redimir” os judeus. Basicamente, os espanhóis odiavam a ideia do sangue judeu misturado ao seu.

Netanyahu conclui afirmando que as ações contra os judeus não eram motivadas por razões religiosas; eles foram perseguidos, muitos queimados vivos nos autos-de-fé, sem dúvida. Mas o foram mais por serem vistos como uma “raça do mal” do que por suas crenças ou por suas atitudes. Em seu livro, “As Origens da Inquisição na Espanha do Século 15”, o Professor Benzion traça o caminho percorrido pelo “ódio ao judeu” desde o Egito antigo até a Espanha quinhentista.

Para ele, a Inquisição foi uma espécie de avant-première do Holocausto. Ele acreditava que atos concretos de antissemitismo são sempre precedidos por anos de retórica de ódio, cujo objetivo é dessensibilizar o mundo para o massacre vindouro. Infelizmente, nossa História o comprova.

Embora elogiado por suas ideias, o livro foi também criticado por ter ignorado fontes e interpretações tradicionais. Seus críticos afirmam ainda que ele via a História através das lentes do Holocausto.

Para o Prof. Netaniyahu, no entanto, a “História Judaica é uma história de holocaustos” e o genocídio perpetrado por Hitler diferiu dos demais apenas em escala. Sua conclusão foi que somente a existência de um Estado de Israel pode salvar os judeus da Diáspora.

Muitas vezes, em suas palestras e aulas, perguntavam-lhe o que poderia explicar o milagre da sobrevivência do Povo Judeu, ao longo dos milênios, apesar de toda a perseguição de que foi alvo. Sua resposta sempre surpreendia: “Na verdade, os judeus não sobreviveram. Há 1.900 anos, em uma população mundial de aproximadamente 300 milhões de pessoas, 9 milhões eram judeus. Hoje, a população mundial é de 7 bilhões de pessoas e há apenas cerca de 13 milhões de judeus. Como se explica que o número de judeus tenha permanecido basicamente estagnado, enquanto a população mundial cresceu exponencialmente?”

As perseguições, ele explicava, levaram os judeus à sua quase extinção. Milhões dos nossos foram assassinados, outros tantos forçados a se converterem ao cristianismo e ao islamismo, centenas de milhares escolheram a assimilação como uma defesa contra o ódio e o isolamento. Os judeus de hoje, dizia, são os remanescentes dos remanescentes. Não foi apenas o Holocausto alemão, mas “uma história de holocaustos” o que fez com que o Povo Judeu chegasse à sua atual situação.

Os filhos de Benzion

Em 1944, Benzion se casou com Tzila Segal, filha de Benjamin e Hannah-Malka Segal, que haviam emigrado para a então Palestina vindos dos EUA, em 1911. Tzila estudou Direito na Gray’s Inn, em Londres, e conheceu Benzion quando ele estudava em Israel.

O casal teve três filhos. O primeiro filho, Yonathan, nasceu em 1946, ex-comandante da Unidade Especial das Forças de Defesa de Israel – Sayeret Matkal, comandou a Operação Entebbe, em 1976, durante a qual foi morto. O segundo filho – Binyamin, atual primeiro-ministro de Israel, nasceu em 1949. O caçula, Iddo, nasceu em 1952, é médico-radiologista, dramaturgo e escritor.

Em uma entrevista à televisão israelense, há dois anos, o Primeiro Ministro Netanyahu, relembrou o maior trauma da vida de seu pai – a morte de Yoni, como Yonathan era chamado. Contou que ele e os pais viviam nos EUA, na época, e como ele viajara para contar-lhes sobre a morte do irmão durante a Operação Entebbe. “Desde então, a vida de nossa família mudou drasticamente. Hoje, tudo se resume à vida antes e depois da morte de Yoni”, afirma o primeiro-ministro.

Como seu irmão, Binyamin também serviu na Sayeret Matkal, onde chegou à patente de capitão das Forças de Defesa de Israel. Após servir no exército, estudou Administração de Empresas e Ciências Políticas no Instituto de Tecnologia de Massachusets (Massachusets Institute of Technology – MIT) e na Universidade de Harvard. Escritor, diplomata e político, Binyamin foi ministro das Relações Exteriores, das Finanças e duas vezes primeiro-ministro de Israel.

O mais jovem dos irmãos, Iddo, nasceu em Jerusalém, mas passou parte de sua infância nos Estados Unidos. Deixou a Universidade Cornell em 1973 para lutar na Guerra de Yom Kipur. Como seus dois irmãos, também serviu na Unidade de Forças Especiais das Forças de Defesa de Israel, Sayeret Matkal. Estudou Medicina na Universidade Hebraica de Jerusalém, fazendo o Pós Doutorado e a Residência no Hospital Universitário Georgetown, em Washington, D.C., e no Centro Médico Monte Sinai, em Nova York. Atualmente trabalha parte do ano como radiologista no Hospital James Mercy, em Nova York, e reside a maior parte do ano em Israel, onde se dedica a escrever peças de teatro e livros.

Influência sobre Bibi Netanyahu

Apesar de suas inúmeras realizações pessoais e profissionais, Benzion Netanyahu se tornou mais conhecido pela forte influência que exerceu, ao longo da vida, em seu filho Bibi.

Foi um sionista inflexível, que insistia na necessidade constante de cuidado e vigilância na defesa dos direitos dos judeus. Seus críticos acusavam-no de ter dissuadido o primeiro-ministro de fazer a paz com os palestinos, afirmando, inclusive, que a visão deste último em relação à questão do Irã é um reflexo da forma como seu pai via o mundo.

Em 1996, Benzion viu seu filho ser eleito, por estreita margem, primeiro-ministro de Israel, cargo que manteve até 1999. Um ano antes, em 1998, não hesitara em criticá-lo publicamente por devolver à Autoridade Palestina o controle parcial sobre Hebron.

Várias vezes Bibi defendeu seu pai das acusações de extremismo, ressaltando ainda que suas próprias visões eram diferentes e descartando conjecturas sobre a influência dele em suas decisões como sendo “psicologismo barato”.

No entanto, a admiração do filho pelo pai era evidente. Em uma entrevista, Bibi disse certa vez: “Meu pai é um homem muito, muito sagaz. Esta capacidade maravilhosa lhe permitiu inúmeras vezes perceber coisas que os outros não percebiam”. Disse, em outra ocasião, que a lição mais importante que tinha aprendido com o pai fora: “Quem não conhece seu passado, não pode entender seu presente, consequentemente, não pode planejar seu futuro. Meu pai previu ataques islâmicos contra os Estados Unidos, como o das Torres Gêmeas, no início dos anos 1990. Previu, ainda, a ameaça representada pelas tentativas dos regimes islâmicos tiranos de obterem armas nucleares”.

Em entrevista publicada no jornal israelense Haaretz, em 1998, Benzion previu que o país passaria por um período de dificuldades em decorrência da combinação da ameaça árabe com as posições da opinião pública israelense. Ele acreditava na paz verdadeira na região, mas recusava-se a qualquer retirada de Israel de territórios ocupados. Finalmente, negava exercer qualquer influência sobre as decisões de seu filho, o primeiro ministro.

Benzion Netanyanu morreu em sua residência, em Jerusalém, 35 dias após completar 102 anos, sendo enterrado no Cemitério do Monte Hamenuhot.