Na primeira metade dos anos 60, Ben Shalom Bernanke, filho de Phillip e Edna, era um adolescente que ajudava nos serviços da pequena sinagoga de Dillon, cidade hoje com 6 mil habitantes e encravada no Estado norte-americano da Carolina do Sul nos Estados Unidos.

Quatro décadas depois, Bernanke, considerado por muitos um discípulo do famoso economista e Prêmio Nobel Milton Friedman, assumiu o comando do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos. A missão do novo presidente do Fed, iniciada em janeiro, é desafiadora: além de estar à frente da maior economia do planeta, ele sucedeu Alan Greenspan, que ficou 18 anos no cargo e saiu carregando a aura de ter sido, na opinião de diversos analistas, o melhor profissional a dirigir o banco central norte-americano.

Portanto, as comparações entre Greenspan e Bernanke são inevitáveis, tanto do ponto de vista profissional como pessoal. No campo econômico, o novo presidente do Fed, que herdou uma economia em crescimento desde o final de 2001, prometeu basicamente seguir a abordagem de seu antecessor, destacando, por exemplo, a importância de manter sob controle uma inflação em níveis reduzidos.

O presidente George W. Bush, ao apontar Bernanke, sinalizou que desejava uma transição tranqüila depois do reinado de Greenspan. Escolheu um sucessor com proximidade ideológica, sólida formação acadêmica e uma personalidade marcada pela discrição. O Senado aprovou a indicação com apenas um voto contra. Em cerca de quatro anos, a partir de 2002, o jovem de Dillon deixou o mundo das universidades, dos livros e das pesquisas para mergulhar nas estruturas de poder norte-americanas, chegando, no ano passado, a assumir o comando do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca. Ao ser indicado para o Fed, Bernanke foi descrito, em um texto publicado no "The New York Times", como um economista com excelentes credenciais e "uma boa reputação no Congresso e em Wall Street".

À época da decisão de Bush, outros nomes circularam pela mídia norte-americana como potenciais herdeiros de Alan Greenspan, cuja passagem pelo Fed deixou marcas indeléveis. Um dos cotados ao cargo era Martin Feldstein, economista de Harvard que se destacou como assessor do presidente Ronald Reagan. Outras alas da Casa Branca preferiam Glenn Hubbard, um dos formuladores dos planos de Bush de cortar impostos. E, segundo alguns relatos, Alan Greenspan fazia pressão pela indicação de Donald Kohn, que havia trabalhado no Fed exatamente com o antecessor de Bernanke.

Autor de livros sobre a Grande Depressão dos anos 30 e sobre métodos de combate à inflação, Bernanke passou pelas mais prestigiosas universidades de seu país. Estudou em Harvard, obteve doutorado no MIT, lecionou em Stanford e, em 1985, tornou-se professor de Princeton. Tinha então apenas 32 anos de idade. A carreira em economia foi precedida, na juventude, por planos em se formar em física ou em matemática.

Bernanke sempre se destacou mais como escritor do que como orador. Carrega ainda a fama de negociador habilidoso, especialista em obter consensos. Discreto, contrasta com a figura de Alan Greenspan, saxofonista que, no auge de sua visibilidade como presidente do Fed, chegou a ser compararado a uma estrela do rock. O nome de Greenspan virou quase obrigatório nas principais festas de Washington, onde ele costuma circular com sua mulher, Andrea Mitchell, da rede de TV NBC.

Anna, a mulher de Bernanke, ensina espanhol numa escola particular da capital norte-americana. O casal tem dois filhos, Joel e Alyssa. Dos parentes, o tio Mortimer ainda mora na pequena Dillon, na Carolina do Sul, o Estado que tinha a maior população judaica em parte do século 19, segundo o site nova-iorquino Forward. De acordo com algumas estimativas, à época, cerca de 25% da comunidade judaica norte-americana viviam na Carolina do Sul.

Ben Shalom Bernanke nasceu em Augusta, no Estado da Geórgia, em 1953. Mas, quatro meses depois, a família se mudou para Dillon, onde Phillip se juntou ao pai, que havia chegado da Áustria nos anos 1920, para administrar uma farmácia. Já o avô materno, que observava a cashrut, se tornou a grande referência na formação religiosa de Ben Bernanke. A sinagoga Ohav Shalom, da pequena cidade na Carolina do Sul, não contava com um rabino permanente. Em geral, apenas nas grandes festas. E o futuro presidente do banco central norte-americano ajudava nos serviços, como relatou à Forward o rabino Arnold Stiebel, que esteve em Dillon e hoje vive em Jerusalém.

O mais velho entre três irmãos, Ben Bernanke sempre se destacou como um menino precoce. Começou a ler ainda no jardim de infância. Adorava, por exemplo, estatísticas sobre beisebol. Assim como Greenspan, mergulhou no estudo de música e também tocou saxofone. Numa entrevista ao Atlanta Journal-Constitution, Nathan Goldman, amigo dos tempos de escola, relembrou: "Ele tinha 13 anos e estávamos discutindo cosmologia e o tamanho do universo".

Nas várias narrativas que apareceram na mídia sobre a formação e a infância do atual presidente do banco central dos EUA, uma chamou atenção por vir de sua mãe, Edna, que vive atualmente na cidade de Charlotte, na Carolina do Norte. "Ele pedia que eu lesse para ele o tempo todo", contou ela numa entrevista reproduzida no "The New York Times". "E uma vez, de repente, ele disse: `Mamãe, já consigo ler essa história` e começou então a ler". Mais tarde, em 1971, o jovem Ben Bernanke, nos exames para entrar na faculdade, conseguiu a maior pontuação do seu Estado, o que lhe valeu, como prêmio, uma viagem de duas semanas à Europa, com as despesas pagas.

Começava assim uma sólida e vitoriosa carreira acadêmica. Agora, Ben Shalom Bernanke enfrenta o desafio de ajudar a comandar uma gigantesca locomotiva chamada economia dos Estados Unidos.

O Jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim.