Em 11 de janeiro deste ano Israel perdeu um de seus grandes líderes. Figura lendária e controvertida, Ariel Sharon personifica, para muitos, o destino de Israel. Mesmo seus adversários o comparam aos heróis bíblicos. De militar a político, foi um defensor corajoso e intransigente da segurança de Israel. A história de sua vida está intimamente ligada à existência do Estado Judeu.

Arik, como é chamado no país, é o arquétipo do ideal sionista, do sabra, do agricultor-guerreiro, profundamente ligado à Terra de Israel. Lutou em todas as suas guerras sempre na frente da batalha. E, após entrar na política, defendeu seu povo e sua Terra com igual coragem e determinação. Tendo ocupado praticamente todos os altos postos do governo, inclusive o de primeiro- ministro, em janeiro de 2006 sofreu um grave derrame do qual nunca se recuperaria.

Muitas vezes descrito como um “falcão” de linha-dura, suas ações e decisões, tanto militares quanto políticas, sempre foram guiadas por um único parâmetro – a segurança e sobrevivência de seu povo. Acreditava que o Povo Judeu, “tantas vezes vítima de injustiça e perseguições, deve ter um Estado em que pode ser independente e livre, sem medo de ninguém e igual a todos os outros”. 

Mas é a imagem do guerreiro, do comandante destemido, do herói de guerra, que permanece na memória de toda uma geração de judeus que viu Israel lutar por sua sobrevivência. Para o próprio Sharon, como revela o título de sua autobiografia, Warrior1, ser um guerreiro de Israel era o que mais almejava. É essa parte da vida de Sharon que pretendemos esboçar nessa matéria.  O destemido “rebelde” do Tzahal, Forças de Defesa de Israel (FDI), considerado um dos maiores estrategistas militares do mundo, obteve vitórias espetaculares e sofreu derrotas, mas nunca seu espírito guerreiro se deixou abater, jamais deixando de crer que Israel sairia vitorioso.

Sua juventude

Arik nasceu Ariel Scheinerman, em 26 de fevereiro de 1928, no Moshav Kfar Malal, a 25 km de Tel Aviv. Seus pais – Samuel e Vera Scheinerman – haviam fugido da Rússia e desembarcado no porto de Tel Aviv em 1922.
O sionismo e o amor a Eretz Israel corriam nas veias de Samuel, líder do Partido Poalei Zion e agrônomo recém-formado. Após a Revolução Russa de 1917, Samuel sabia que seria preso por suas atividades sionistas. Vera, mulher de uma imensa força interna, abandonou tudo para se casar e embarcar com ele para a então Palestina. Algum tempo após sua chegada, o casal filia-se ao Moshav que passaria a se chamar Kfar Malal. Lá nascem seus dois filhos, Dita e Ariel. Os primeiros tempos foram difíceis, mas o casal era persistente e dotado de uma vontade de ferro, duas qualidades que Arik vai incorporar.

O futuro general cresce solitário, pois havia uma constante tensão entre seus pais e outros membros de Kfar Malal. Sendo todos eles sionistas trabalhistas que haviam ido a Eretz Israel para estabelecer uma sociedade socialista em seu Lar Nacional, não viam com bons olhos o individualismo de Samuel e Vera.

Em Kfar Malal a tensão era constante; os árabes haviam praticamente destruído o Moshav em 1921 e os judeus viviam sob a ameaça de um ataque. Mas, como relata Sharon, mesmo em 1936 quando começou a chamada Revolta Árabe, “Nunca percebi medo neles. Ninguém tinha uma dúvida sequer sobre seu direito àquela Terra. (...). Ninguém ia forçá-los a abandoná-la”.  Arik cresce apreciando música e literatura russa, mas é um aluno medíocre; prefere trabalhar com o pai e sonha em um dia ser fazendeiro. Mas os pais querem que ele tenha uma boa educação e o enviam para o Liceu Geula, em Tel Aviv.

Na época, os olhos do Ishuv estavam voltados para a Europa e para a Alemanha nazista. Em 1941, cresce na então Palestina a ansiedade por uma possível invasão nazista e os conflitos entre árabes e judeus também se tornam ainda mais violentos. Com apenas 13 anos, Sharon já monta guarda no Moshav com um cassetete e um punhal, presente do pai no seu bar-mitzvá. Durante as noites de guarda solitária aprende a tomar decisões.

Sharon começou sua carreira militar no Gadná2. E, aos14 anos, se une à Haganá, que, prevendo a luta que os judeus teriam que enfrentar, intensifica os treinamentos. Arik torna-se instrutor, insiste em treinar os jovens a seu modo, autorizando ações que outros não permitiam, como, por exemplo, enviá-los em operações noturnas para patrulharem vizinhanças hostis. É nessa época que ele muda de sobrenome, adotando “Sharon”, o nome da planície ao norte de Tel Aviv.

Ele tinha 17 anos quando termina a  2ª Guerra Mundial. Apaixonado por uma judia romena, Margalit Zimmerman, “Gali”, estava ansioso para começar uma vida a dois; mas teria que esperar. Enquanto nas esferas políticas, os sionistas se mobilizam para estabelecer um Estado Judaico na então Palestina, os acontecimentos no Oriente Médio sinalizavam que, para estabelecer seu Lar Nacional, os judeus do Ishuv teriam que enfrentar os exércitos de seis países árabes.

Guerra da Independência

Israel nasceu à meia-noite do dia 15 de maio de 1948. Horas depois, foi atacado pelos exércitos do Egito, Arábia Saudita, Síria, Líbano, Iraque e Jordânia.

Quando a Guerra de Independência eclodiu, Sharon, então com apenas 19 anos, comandava um pelotão de 50 homens da Brigada Alexandroni, das recém-criadas FDI. Destemido e ousado, seus superiores sabiam que, apesar de jovem, possuía a presença física e as qualidades necessárias para liderar homens em combate.

Arik participa de inúmeros embates, mas o mais difícil e que lhe deixaria marcas profundas seria a batalha por Latrun. Essa colina estratégica controlava a estrada de Tel Aviv a Jerusalém e estava em mãos da Legião Árabe Jordaniana. Sitiados pelos jordanianos, os judeus na Cidade Velha de Jerusalém estavam sem água e alimentos. Para que um comboio de suprimentos conseguisse chegar até eles, a estrada precisava estar em mãos das FDI. Repetidamente atacado por Israel, Latrun tornou-se o campo de batalha mais sangrento da Guerra de Independência.

O pelotão de Sharon participou no primeiro ataque, em 26 de maio. Tudo deu errado. Seus homens foram apanhados em campo aberto. Uma depressão no terreno lhes deu certa proteção contra o fogo jordaniano, mas a situação era crítica. “Todas as nossas forças tinham batido em retirada. Eu temia que os habitantes das aldeias árabes viessem matar os feridos, como era seu costume”.

Arik vê seu pelotão sendo dizimado e ele é gravemente ferido no ventre, mas consegue arrastar-se, com a ajuda de dois companheiros, até as linhas israelenses. É imediatamente levado para o hospital. Recuperado em alguns meses, volta à linha de frente. Em julho de 1949 é assinado um armistício entre Israel e seus inimigos.

Os erros cometidos em Latrun e a morte de seus homens deixam profundas marcas no futuro general: “Se ao menos, não tivéssemos sido abandonados... Se houvesse alguém lá para tomar a decisão”...

Muitas de suas atitudes futuras iriam ser moldadas pelas lições apreendidas em Latrun, principalmente a necessidade de sempre haver um oficial comandante no teatro de operações, capaz de tomar decisões de acordo com o desenrolar da situação. E a obrigação de que nenhum soldado de Israel, ferido ou aprisionado, seja deixado para trás. “Todo soldado deve saber que seus companheiros farão o humanamente possível para resgatá-lo.”

Na primavera de 1953, Sharon deixa o serviço ativo nas FDI e se casa com Gali. O casal se muda para Jerusalém e Sharon passa a estudar na Universidade Hebraica. Escolhe História do Oriente Médio. Pela primeira vez na vida sentiu-se feliz, deleitando-se com a experiência de ser apenas um jovem universitário. Mas, no verão de 1953, o dever o chama.

Unidade 101

O terrorismo já se havia tornado um instrumento da política árabe, e fedayin vindos de Gaza e das áreas controladas pela Jordânia infiltravam-se pelas fronteiras de Israel, para atacar. Em 1951, 137 israelenses foram assassinados; em 1952, 162; e, em 1953, foram registrados mais de 3 mil ataques terroristas e 160 mortes. O Alto Comando das FDI decidiu então criar uma unidade especial antiterror – a 101, a primeira unidade de elite para operações especiais atrás das linhas inimigas.

Sharon foi convocado e aceita a incumbência, pois acreditava que Israel não podia aceitar que os ataques fossem “parte inevitável de nossas vidas”. Para ele, o Estado Judeu, com sua pequena população e recursos limitados, não podia criar um equilíbrio de poder que permitisse a coexistência com seus inimigos. A única alternativa era convencer os árabes de que qualquer agressão militar contra Israel lhes traria apenas humilhação e destruição. Era preciso criar nos árabes a “psicologia da derrota”: vencê-los tão arrasadoramente, a cada vez, até ficarem convictos de que jamais poderiam vencer. Sharon reuniu 45 jovens para executar operações rápidas de retaliação através da fronteira.

Treinou-os até o esgotamento e inculcou-lhes a confiança de que poderiam atuar onde quer que  fosse necessário, sob as mais  adversas condições. Nos cinco meses em que atuou, a 101 se tornou uma lenda. Teve um impacto fundamental no esforço do país em sua luta  contra o terrorismo, pois os israelenses provaram a seus inimigos, e aos amigos também, que eram capazes de encontrar os responsáveis pelos ataques e atingir alvos muito além das linhas inimigas. Nesse período, Arik se torna cada vez mais próximo de David Ben-Gurion, que tem grande admiração pelo jovem oficial.

Em 1954, Moshe Dayan, então chefe do Estado-Maior das FDI, integra a Unidade 101 a um grupo de paraquedistas, criando a 202. Sharon, ainda no comando, faz dela uma unidade de elite pronta para reagir de imediato e implementar com sucesso qualquer ação militar.

A Campanha do Suez

O ano de 1956 foi difícil para Israel, com a escalada militar egípcia e a intensificação das ações terroristas originadas em Gaza e na Cisjordânia. Em julho, Gamal Abdel Nasser, que assumira a presidência do Egito em 1954, nacionaliza o Canal de Suez.

Vendo seus interesses econômicos ameaçados, ingleses e franceses se unem a Israel para derrubar Nasser. Os três países elaboram um plano: Israel atacaria de surpresa o Egito e, quando suas tropas se aproximassem do Canal de Suez, ingleses e franceses fariam um “apelo” para cessar os combates. Contando com a recusa de Nasser, Inglaterra e França entrariam na guerra.

Sharon recebe um papel importante na execução do plano. Em 28 de outubro, paraquedistas de sua brigada saltam no lado oriental da Passagem de Mitla4, na parte oriental do Sinai. Liderando uma brigada de tanques, ele segue para lá para se unir aos paraquedistas e assegurar o controle da passagem. Em 24 horas derrotou os egípcios e chegou a Mitla. Pede a Dayan permissão para atacá-la, mas seu pedido é negado. Obtém, porém, permissão de enviar um pelotão de verificação, mas é alertado para não iniciar um embate. Após adentrar a passagem, surpresos por intenso  fogo egípcio, seus homens ficam presos. Sharon decide atacar e, em  24 horas, o inimigo é derrotado – mas 38 israelenses são mortos e muitos ficam feridos. Dayan fica furioso com Sharon. Para seus superiores, a atuação e obstinação de Arik nas batalhas beiravam a insubordinação.

Entretanto, a Campanha do Suez se transformara em crise mundial e a ONU exige o imediato cessar-fogo. Pressionado pelos Estados Unidos, Israel concorda em sair do Sinai; não podia ficar isolado na arena internacional.

Logo após o término da guerra, em dezembro de 1956, Gali dá à luz a seu primeiro filho, Gur. Mas a felicidade do casal dura pouco. Em maio de 1962 Gali morre em um acidente de carro. Lily, sua irmã mais nova, vai morar com Sharon para cuidar do pequeno Gur, com quem era muito ligada. Um relacionamento estreito nasce entre Sharon e a cunhada. Acabam se casando e têm dois filhos, Omri e Gilad. Lily vai ser uma grande influência na vida de Sharon.

A carreira de Arik, que havia sido posta na “geladeira” após a Campanha do Sinai, volta a avançar quando, em 1963, Yitzhak Rabin se torna chefe do Estado-Maior das FDI. Após certa hesitação, Rabin ofereceu-lhe o cargo de chefe do Comando Norte. Quatro anos mais tarde, após se formar em Direito, Sharon é promovido a general, recebendo o comando de uma Divisão de Reserva de Blindados.

Guerra de 1967

Considera-se o dia 5 de junho de 1967 como sendo a data do início da Guerra dos Seis Dias. Mas, na realidade, ela se iniciara dois anos e meio antes, quando Israel colocou um ponto final no projeto árabe de desvio de dois afluentes do Rio Jordão – o Hasbani e o Banias. Nos anos seguintes cresce a tensão na região. A partir do Golã a artilharia síria bombardeia kibutzim e vilarejos e cresce o número de ataques terroristas realizados pela OLP de Arafat com bases na Jordânia e no Líbano.

A situação torna-se ainda mais tensa no início de maio de 1967. Após receber informações falsas da União Soviética sobre uma concentração de forças israelenses nas fronteiras, Nasser concentra tropas no Sinai. E, no dia 21, proíbe todos os navios com destino ou provenientes de Israel de passarem pelo Estreito de Tiran. Para Jerusalém, é um ato de guerra. Àquela altura, já havia 100 mil soldados e mil tanques egípcios no Sinai. Israel mobiliza seus reservistas. E, um dia após o avanço egípcio, Sharon já estava com a sua Divisão no Neguev.

Pessimistas, Yitzhak Rabin, chefe de Estado-Maior, e o primeiro ministro Levi Eshkol hesitam em lançar uma operação preventiva. Mas, assim como outros generais, Sharon tinha total confiança na vitória. Ele sempre acreditou que a melhor forma de defesa era o ataque e, ao ser consultado por Eshkol, responde: “Esta guerra está sendo forçada sobre nós, e nossa situação está-se tornando mais perigosa a cada minuto... A única opção é atacar e, neste momento, somos capazes de derrotar todo o exército egípcio”.

Os dias de espera enchem o país de inquietação. No dia 1º de junho é formado um novo governo de União Nacional e Moshé Dayan é nomeado ministro da Defesa. No dia 4 é tomada a decisão de atacar preventivamente. No dia seguinte, dia 5 de junho de 1967, às 7h44min, 300 aviões israelenses atacam bases aéreas egípcias e sírias. Em três horas, os árabes perdem cerca de 80% de seus aviões. Em seguida, Israel ataca por terra.

Na Guerra dos Seis Dias, a mais decisiva campanha militar dos tempos modernos, Sharon teve um papel crucial. Sua Divisão de Blindados avança no Sinai rapidamente, conquistando duas passagens-chave, Mitla e Gide. Sua missão era tomar a estrada que levava de Beersheva a Ismailia, mas para tanto precisaria tomar as bases egípcias de Abu Agheila e Kusseima. Os analistas militares de Israel e os estrategistas do mundo todo dão o crédito a Sharon por ter concebido e executado o mais espetacular plano de batalha da história militar israelense, a batalha noturna por Abu Agheila.

A batalha foi decisiva, pois, ao saber da queda de Abu Agheila, o Egito ordenou a retirada, em um único dia, das forças egípcias para a margem ocidental do Canal. No dia 8 de junho, a maior parte do Sinai já estava em mãos israelenses e a Divisão de Sharon foi a primeira a chegar ao Canal de Suez. Simultaneamente, outras forças israelenses haviam derrotado os exércitos da Jordânia e da Síria, conquistando toda Jerusalém e as Colinas do Golã. As FDI estavam a caminho de Damasco quando, no dia 10 de junho, entrou em vigor um cessar-fogo.

A rápida vitória deixou toda Israel eufórica. Mas para Sharon o sentimento durou pouco. Apenas quatro meses mais tarde, dia 4 de outubro, Rosh Hashaná daquele ano, a tragédia o atinge. Ele estava em casa enquanto seu primogênito, Gur, brincava com amigos do lado de fora. Sharon não sabia que estavam com um antigo rifle que ele recebera de presente. Um dos garotos apontou a arma para a cabeça de Gur e disparou. Ao ouvir o tiro Sharon correu e encontrou seu filho gravemente ferido. O menino morreu a caminho do hospital. Sharon ficou desesperado. Ele escreveu: “Pela primeira vez na minha vida, eu me senti diante de algo que não conseguia superar, e ao qual não conseguiria sobreviver”.

A linha Bar-Lev

Logo após o término da Guerra dos Seis Dias, forças israelenses ao longo do Canal de Suez passam a ser alvo de ataques egípcios. Certo de que o Canal se tornaria uma frente de batalha ativa, Israel precisa traçar uma estratégia de defesa. Sharon e Bar-Lev, então chefe do Estado-Maior, apresentam soluções diferentes. O general Bar-Lev queria a construção, na margem oriental do Canal, de uma maciça parede de areia apoiada por outra de concreto e, imediatamente atrás, postos fortificados com guarnições. Estrategista nato, Sharon era totalmente contrário, pois acreditava que tal solução tornaria as posições de Israel alvos estáticos apenas a 300 metros das posições egípcias. Acreditava que no caso de ataque os israelenses deveriam lutar em profundidade. Sua defesa deveria basear-se na linha natural das colinas e dunas que correm em paralelo ao canal, e, numa segunda linha a ser criada a cerca de 25 km do canal, que serviria de base para forças móveis que iriam circular ao longo do canal.

Sharon abandona a reunião após qualificar a decisão de adotar a proposta de Bar-Lev de “perigosa e estúpida”. O chefe do Estado-Maior decide, então, afastá-lo.

Aturdido, ele precisa pensar no futuro. Quer continuar a servir a seu país e sente-se atraído pela política. Sharon sonda o terreno, não no Partido Trabalhista do qual faz parte praticamente todo o exército, mas no campo adversário, no partido nacionalista Herut de Menachem Begin. Mas, é tempo de eleições e os trabalhistas não querem perder um trunfo eleitoral como Sharon e fazem com que o exército volte atrás da decisão de afastá-lo.

A Guerra de Atrito

A chamada Guerra de Atrito entre Israel e Egito está no auge quando, em 1969, Sharon assume o Comando Sul. Israel não pode ficar parado diante dos ataques egípcios. Sharon decide instalar novos postos de observação, cria patrulhas que circulam ao longo do Canal, e intensifica também a ação do Tzahal e da aviação israelense, que já vinham efetuando ataques em território egípcio. O recado de Sharon para Nasser é claro: “Israel pode atacar os pontos vitais do Egito”.

Em agosto de 1970, após 17 meses de combates diários, entra em vigor um cessar-fogo. Passado um mês, morre Nasser. Anwar el-Sadaté o sucessor.

Sharon aproveita o cessar-fogo para voltar suas atenções à Faixa de Gaza e inicia uma verdadeira caçada a terroristas e à OLP de Arafat. Traça planos e prepara pontos de travessia ao longo da Linha Bar-Lev para que, em caso de uma ofensiva egípcia, Israel tivesse condições de, rapidamente, contra-atacar e atravessar o Canal.

Depois de 25 anos de uma fulgurante carreira militar, após ter-se tornado evidente que ele não iria ser indicado para o cargo de chefe do Estado-Maior, Sharon deixa a farda, passando para a reserva com a patente de general. É indicado comandante da 143ª Divisão Reserva de Blindados, apesar da oposição do então chefe do Estado-Maior, o general Elazar. Sharon contou com o apoio de Dayan, que acreditava que era melhor ter um general por demais agressivo do que um que não fosse agressivo o bastante. Um dia antes de seu desligamento, Sharon pede a Dayan que o deixe mais um ano como comandante do Comando Sul, dizendo-lhe que era grande a possibilidade de uma guerra com o Egito e que sua experiência em batalhas no Sinai não devia ser desprezada. Mas Dayan foi categórico: “Não haverá guerra no próximo ano”. 
Nos três meses seguintes, Sharon entra na politica e é a força motora por trás da formação do novo partido de direita, o Likud, liderado por Begin. E, enquanto aguarda as eleições legislativas, realiza um velho sonho comprando uma fazenda abandonada no norte do Neguev.

Guerra de Yom Kipur

Às 14 horas do dia 6 de outubro de 1973, Yom Kipur, Egito e Síria atacam Israel. Algumas horas após a eclosão do conflito, perante as alarmantes notícias sobre a situação das forças israelenses no Canal e no Golã, Zeev Amit, melhor amigo e irmão de luta de Sharon, chega a lhe perguntar: “Como vamos sair dessa?” Sharon respondeu: “Nós vamos atravessar o Canal de Suez e a guerra terminará lá”.

A ousada travessia do Canal de Suez, por Sharon, em outubro de 1973, é bem conhecido por todos, mas algo precisa ser dito sobre seu impacto na Guerra do Yom Kipur. Não resta dúvida de que seus preparativos para um contra-ataque através do Canal do Suez, quando ainda era comandante geral do Comando Sul, sua habilidade intuitiva de rapidamente avaliar complexas situações militares e sua atitude determinada e confiante durante a guerra foram fundamentais para a vitória israelense.

Nessa matéria vamos apenas pincelar os acontecimentos da Guerra de Yom Kipur, pois, nas últimas duas edições, Morashá trouxe artigos sobre o desenrolar dos eventos: os que antecederam a eclosão da guerra e sobre as duas frentes de batalha - Golã e Sinai. 

Às 3h de domingo, 7 de outubro, viajando em uma pick-up emprestada, Sharon estava à caminho de sua quarta guerra no deserto. Antes de seguir viagem passara pelo quartel-general de sua Divisão, a 143ª Divisão Reserva de Blindados, para ordenar a todas as unidades que seguissem para o Sinai o mais rápido possível.

A mera presença física de Sharon tinha o poder de eletrizar, incutir confiança e respeito entre soldados e oficiais. Sempre na frente das batalhas, onde quer que fosse, os homens sob seu comando iam atrás dele, nas mais audaciosas batalhas da história militar de Israel. Apesar de não ser mais o comandante-geral, quando, após chegar a Refidim, a principal base no Sinai, Sharon entra na sala de guerra subterrânea, instintivamente, todos os presentes se levantaram como se ele, e não o general Gonen que o substituíra, fosse o seu chefe supremo. Ao vê-lo, o próprio General Avraham Mendler, comandante da única Divisão de Blindados do Sinai, sente-se aliviado. Ao ouvir o relato de Mendler, Sharon se deu conta de que seus piores pesadelos se haviam concretizado. Os egípcios haviam conseguido penetrar rapidamente pelas trincheiras de areia e concreto da Linha Bar-Lev e já se encontravam a oito quilômetros a leste do canal. Israel sofrera pesadas baixas. Grande parte de seus tanques haviam sido atingidos.

Sharon sabia que o fator psicológico é fundamental na guerra. Era evidente que o desânimo e choque haviam tomado conta do Gabinete da Golda Meir e do Alto Comando. E, nos soldados, ele percebia que havia “não medo, mas perplexidade... Pela primeira vez em sua vida um exército israelense estava sendo obrigado a recuar e os soldados não conseguiam entender o que estava acontecendo”. Era vital contra-atacar com força total e alterar imediatamente o andamento da guerra e de suas perdas iniciais.   Era vital as forças israelenses reassumirem a iniciativa. Era necessário devolver aos israelenses sua confiança na vitória e tirar dos egípcios o gosto do sucesso.

A esperança de mudar rapidamente o rumo da guerra foi por terra após o fracassado contra-ataque israelense realizado no dia seguinte, 8 de outubro, pela manhã. Sharon acreditava que era possível vencer os egípcios, mas precisaria de uma ação radical. Acreditava ainda que a única forma de garantir a derrota dos Segundo e Terceiro Exércitos egípcios era cruzar o Canal, e ele passa a pressionar incansavelmente o Alto Comando.

Ainda no dia 8 uma informação o anima. Homens de sua divisão haviam esbarrado sobre uma “fenda” entre o Segundo e o Terceiro Exércitos. A área permitiria sua divisão avançar até o Canal sem ter que abrir caminho através das cabeças-de-ponte egípcias. Por sorte, a “fenda “ chegava até o Forte Matsmed, onde Sharon, enquanto comandante-geral, preparara uma área para uma travessia do Canal. Conhecido como o “Pátio”, o local havia sido adequado para abrigar os equipamentos pesados e volumosos das pontes que seriam utilizadas para, a travessia.

Após Israel vencer a Batalha do Sinai, no dia 14 de outubro,o general Elazar deu o sinal verde para a travessia do Canal. A divisão de Sharon vai liderar a operação: tomar o Pátio, proteger o local e abrir as estradas de acesso até então em mãos egípcias para que as pontes necessárias para a travessia possam chegar até lá.

Na noite de 15 para 16 de outubro, enquanto brigadas de sua divisão travavam violentos embates para abrir as estradas, Sharon ordena ao coronel Dani Matt que atravesse com seus homens o Canal de Suez. Vendo que nem a ponte rolante pré-fabricada, idealizada para a travessia do Canal, nem as pontes de pontões chegariam a tempo, Sharon mandara trazer botes anfíbios.

À 1h35, já do lado egípcio do Canal, Matt transmite pelo rádio uma única palavra: “Acapulco”, o código para “sucesso”. Logo após, blindados da Divisão de Sharon juntam-se a eles para dar início a uma ousada operação militar para liberar os céus para a aviação israelense. Antes do amanhecer do dia 18, duas brigadas do general Adan estavam no lado egípcio. Para o Alto Comando, a fase da guerra de sobrevivência já terminara para Israel.

Após a ponte rolante pré-fabricada, medindo 200 metros, ficar operacional nas primeiras horas do dia 19, a travessia toma novo ímpeto, pois as FDI decidiram deslocar para a África todas as forças de combate disponíveis. Depois de ter cruzado o Canal, a Divisão de Sharon dirigiu-se ao sul em paralelo à de Adan, para depois atacar ao norte. Ainda no dia 19, duas divisões dos generais Adan e Magen iniciam seu avanço para isolar o Terceiro Exército egípcio enquanto brigadas da Divisão de Sharon prosseguem para o norte, ao longo da margem ocidental do Canal, para isolar o Segundo Exército.

O resto da história é conhecido. Quando o cessar-fogo entrou em vigor, o Terceiro Exército estava cercado no Sinai pelas FDI. Uma importante realidade estratégica tinha sido imposta ao front egípcio, com implicações de longo alcance. Para Israel era uma reafirmação de força após o mais severo teste de sua história.

Ao término da guerra, enquanto Golda Meir e Moshe Dayan são alvos de uma série de acusações e vários generais são destituídos, Sharon é aclamado como herói e em todo Israel vê-se escrito em tanques e muros : “Arik, melech Israel (Arik, rei de Israel)”.

Após o término da Guerra, Sharon deixa o exército e lança sua carreira política. Nessa nova fase de sua vida terá que enfrentar novas lutas, conseguirá inúmeras vitórias e algumas derrotas. Vai ocupar praticamente todos os ministérios: em 1977 da Agricultura; de 1981 até 1983 da Defesa; em 1984 da Indústria e Comércio; de 1990 até 1992, da Construção e Habitação, e faz parte da comissão ministerial para Imigração e Integração dos novos imigrantes; em 1996, da Infraestrutura e, em 1998, das Relações Exteriores. Em fevereiro de 2001 Sharon torna-se primeiro ministro de Israel. Em 4 de janeiro de 2006, o então premiê sofre um grave derrame cerebral permanecendo em coma profundo até vir a falecer no dia 11 de janeiro de 2014, um Shabat, aos 85 anos de idade.

Um Guibor Israel –  um herói dos Filhos  de Israel

Ariel Sharon foi uma lenda viva, uma figura Bíblica moderna, um herói destemido sempre pronto a se levantar para proteger nosso povo de nossos inimigos. Mesmo seus mais ferrenhos oponentes concordam que era um comandante de campo excepcional – o melhor que Israel já teve, um estrategista nato, ousado e criativo, que inspirava suas tropas e podia interpretar uma batalha à medida que a mesma se desenvolvia.

Mas, Sharon não foi apenas um comandante militar. Foi um grande líder que deixou sua marca na história. Esteve envolvido em praticamente tudo de importante que ocorreu no Estado Judeu. Lutou as guerras, derrotou os inimigos, cultivou a terra, desenvolveu a agricultura, construiu casas, fechou acordos diplomáticos, traçou novas fronteiras e, finalmente, liderou o país. Nenhuma outra figura israelense fez tanto, por tanto tempo, pela Mediná.  E, como todo grande líder, tomou decisões difíceis – muitas delas polêmicas e impopulares. Mas mesmo seus maiores críticos e inimigos não têm como negar seu papel fundamental – seu heroísmo e brilhantismo – em defender o Povo e o Estado de Israel

A memória de Arik está gravada no coração de nosso povo. Ele foi um verdadeiro Guibor Israel – um herói dos Filhos de Israel. Um homem que não temia nada nem ninguém, um guerreiro que encarou a morte diversas vezes sem sequer piscar. Mas, acima de tudo, foi um judeu que amava seu povo. Shimon Peres, atual Presidente de Israel e amigo pessoal de Ariel Sharon, resumiu sua vida com as seguintes palavras: “Arik amava seu povo e seu povo o amava”.

Arik, que sua memória seja abençoada para sempre – você, que foi nosso maior general e o mais valente, temido e destemido filho do Povo de Israel.

1 As citações utilizada nessa matéria foram tiradas de Warrior: an autobiography. A obra, de autoria do próprio Sharon e David Chanoff, foi publicada em 1989.

2 Gadná - programa militar israelense que prepara os jovens para o serviço militar nas FDI. Este serviço foi criado antes da fundação do Estado e passou a ser sustentado por lei em 1949.

3 Mitla é uma passagem de 32 km no Sinai, entre as cordilheiras ao Norte e Sul, localizada a cerca de 50 km a leste de Suez. É famosa por ter sido o local de importantes batalhas entre as forças egípcias e israelenses em 1956, 1967 e 1973.

Bibliografia:
Sharon, Ariel e Chanoff, David, Warrior:  An Autobiography, Kindle edition   Dan,Uri, Ariel Sharon: An Intimate Portrait, Ed. Palgrave Macmillan, 2007   Eytan, Freddy, Sharon, o braço de ferro,  Ed. Barcarolla  Worth, Richard, Ariel Sharon  (Major World Leaders), Kindle edition