Annie Nathan nasceu em 19 de fevereiro de 1867 no seio de uma das mais antigas e tradicionais famílias sefaraditas de Nova York e que era profundamente envolvida na vida comercial e cultural da cidade desde a Revolução Americana. Annie era prima de Emma Lazarus, a poetisa americana cujo poema foi gravado no pedestal da Estátua da Liberdade.

Alguns meses antes de sua deportação, apesar de acreditar que de alguma forma sobreviveria à Shoá, disse a um amigo que escondia seus quadros: "Se eu perecer, não permita que o mesmo aconteça com minhas obras, mostre-as ao mundo".

Sua obra foi praticamente esquecida durante 25 anos, como se tivesse tido o mesmo destino de seu criador. A primeira reviravolta aconteceu em 1960, quando os únicos sobreviventes da família de Nussbaum - duas primas maternas - souberam que mais de cem telas estavam apodrecendo no porão de Josef Grosfils, dentista belga a quem o artista fizera aquele pedido.

Auguste Moses Nussbaum e Shulamit Jaari Nussbaum imediatamente iniciaram o longo caminho que as levaria a redimir a obra do primo. Pediram ao dentista que lhes entregasse os quadros, já que eram as únicas herdeiras do pintor. Diante de sua recusa, apelaram à justiça belga. Nove anos depois, uma Corte belga proferiu uma sentença a favor delas.

Os 177 trabalhos estavam em condições lamentáveis, danificados pela umidade e sujeira e até rasgados, em alguns casos. Aconselhadas por curadores do Museu de Jerusalém, as herdeiras de Nussbaum levaram as telas para Osnabrück, cidade natal do pintor, onde o diretor do museu da cidade - que felizmente conhecia o trabalho de Nussbaum - concordou em restaurar e guardar os quadros. A primeira retrospectiva de sua obra foi realizada nessa cidade, em 1971. Osnabrück, assim como o restante da Alemanha, mudara, o Holocausto deixara de ser um tema tabu e seus habitantes julgavam haver chegado o momento de redimir, de alguma forma, os erros cometidos durante o nazismo. E, como afirmara o diretor do Museu, era "necessário devolver a Nussbaum o lugar que merecia na história da arte e da pintura alemã".

A partir de 1970, o museu passa a pesquisar a vida do artista, encarregando especialistas de encontrar seus quadros e de comprá-los a preço de mercado. Em 1975, um antiquário belga vende para o museu oito quadros pintados entre 1942-1944, o período mais expressivo do artista. Tudo leva a crer que estas e outras obras estavam guardadas no ateliê do artista, em Bruxelas, e teriam desaparecido imediatamente após sua prisão e deportação para Auschwitz.Osnabrück inaugurou, em 1998, o "Complexo Felix Nussbaum", uma ala nova e independente do Museu de História Cultural. A ala, com uma arquitetura arrojada e moderna, foi idealizada por Daniel Libeskind e abriga quadros e trabalhos gráficos do artista. O brilhante arquiteto judeu é responsável, entre outros, pelo projeto do Museu Judaico de Berlim e do Museu Judaico de São Francisco, além de ter sido escolhido para projetar o novo World Trade Center.

Atualmente, Nussbaum é reconhecido internacionalmente como um dos grandes artistas de seu tempo e seus quadros têm sido apreciados tanto por seu valor artístico como histórico. Exposições realizadas em todo o mundo têm atraído centenas de milhares de visitantes. Em 2001, em um leilão da Sotheby's, a obra "Auto-retrato no campo" atingiu o valor de US$ 1,68 milhão. Seu desejo foi realizado. Sua arte não foi esquecida.

Para entender e apreciar a obra de Nussbaum é inevitável relacioná-la às terríveis circunstâncias em que o artista viveu, pintou e morreu. Além de grande pintor, ele foi, também, testemunha e vítima da barbárie nazista e seus trabalhos são vitais quando colocados no contexto artístico do período do Holocausto. São testemunhos vivos do sofrimento de todo um povo, da exclusão, do ódio racial e do extermínio. Enquanto vivia acuado e perseguido, retratou em suas obras a tragédia e a destruição que se abateram sobre os judeus da Europa. Os temas dramáticos e a atmosfera apocalíptica de suas telas são a pura expressão da angústia e da dor. Irit Salomon, curadora do Museu de Israel, afirmou durante uma exposição lá realizada, em 1997, que "o surrealismo que influencia e permeia a obra de Felix Nussbaum tornara-se, para o pintor, uma metáfora de sua vida, também surreal".

Mas, ao se traçar a carreira do artista, ao longo dos acontecimentos de sua vida, se estaria sugerindo que Nussbaum destacou-se mais como vítima da fúria nazista do que como pintor brilhante? Não! - respondem críticos de arte e historiadores. Ele tanto foi vítima quanto grande pintor. E sua arte é um reflexo de seu destino.

Juventude

Felix Nussbaum nasceu em 11 de dezembro de 1904, em Osnabrück, no noroeste da Alemanha, no seio de abastada família judia. Seus pais, Philip e Rachelle, eram judeus tradicionais que consideravam a Alemanha como pátria. De certa maneira, pode-se dizer que sua trajetória familiar carrega a mesma ironia atualmente tão conhecida de todos os estudiosos do período. Seu pai era fervoroso patriota alemão, tendo sido oficial da Cavalaria durante a Primeira Guerra Mundial. Contudo, ele, a esposa, os filhos e a nora morreram por serem judeus.

Desde pequeno, Nussbaum queria ser artista e seu pai, próspero comerciante, encorajara-o a seguir sua vocação. Queria ver o filho "pintar como Van Gogh". Aos 18 anos, Felix deixa sua cidade natal e parte para Hamburgo, onde passa a estudar arte. No ano seguinte se muda para Berlim, onde continua os estudos e monta um ateliê. É em Berlim que, em 1924, Nussbaum conhece Felka Platek, sua futura esposa. Judia polonesa e também pintora, ela se torna uma companheira inseparável e o acompanha até a morte nas câmaras de Auschwitz. Naquele período, o artista, assim como milhares de outros judeus, sentia-se dividido entre sua identidade judaica e a possibilidade de se assimilar no seio da sociedade alemã. Mesmo assim, aos 21 anos, sentado na sinagoga de Osnabrück, ele pintou "Os dois judeus". O quadro sobreviveu ao incêndio que destruiu a sinagoga durante a Kristallnacht. Nussbaum acaba abandonando os temas judaicos do início da carreira, retomando-os apenas em 1941.

Apesar de, no final da década de 1920 e início dos anos 1930, não conseguir vender muitos trabalhos, suas exposições em Berlim obtêm relativo sucesso. Em 1932, como reconhecimento por seu trabalho, o jovem recebe uma bolsa de estudos para a Villa Massima, prestigiosa academia de arte alemã, em Roma. Em outubro do mesmo ano, deixa a Alemanha e vai para a Itália com Felka, país onde conhece o pintor surrealista italiano Giorgio de Chirico, cuja obra o influenciará profundamente.

Alemanha, não

A ascensão do nazismo na Alemanha torna cada vez mais difícil a vida dos judeus e, apesar de viver longe, Nussbaum logo sofre as conseqüências dessa realidade. Em dezembro daquele mesmo ano um incêndio destrói seu estúdio, em Berlim, e mais de 150 de suas telas acabam consumidas pelo fogo. Apesar dos indícios de que o fogo tinha sido iniciado por artistas que viviam no ateliê, Nussbaum nunca descartou a idéia de que tivesse sido provocado por membros da Juventude Hitlerista.

Em 1933, Hitler toma o poder na Alemanha e o pintor muda seus planos de retornar à terra natal. Sua determinação de não voltar se torna definitiva, em maio desse mesmo ano, após ouvir Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, discursar perante os estudantes da Vila Massima sobre as "doutrinas artísticas do Führer". Compreende que na Alemanha não havia mais lugar para ele como artista e muito menos como judeu. Deixa Roma com a futura esposa, seguindo viagem pela Itália, Suíça, França. Logo após deixar a cidade, recebe a notícia de que fora expulso da academia.

No verão de 1934, o artista encontra-se com seus pais na Riviera italiana. Seria o último encontro familiar. Philippe e Rachelle Nussbaum - assim como mais da metade dos 500 judeus que viviam em Osnabrück - tinham abandonado a Alemanha. Desde 1926, a cidade tornara-se o celeiro perfeito para o nazismo e para o anti-semitismo. O arcebispo católico local, Wilhelm Berning, era conhecido como o "bispo nazista".

Segundo um historiador encarregado de pesquisar a vida de Nussbaum, "em Osnabrück, durante a guerra, ninguém escondeu um único judeu". Mas os pais de Felix amavam sua terra natal e, apesar dos perigos e dos protestos do filho, decidem no ano seguinte voltar à Alemanha, enquanto Nussbaum e Felka vão para a cidade de Oostende, na Bélgica, com visto de turista.

Na Bélgica, a vida de Nussbaum torna-se difícil e insegura. As autoridades negam ao casal documentos de identidade e ele se sente acuado. É em Oostende que conhece o pintor James Ensor, de quem se torna amigo. O estilo deste e suas máscaras amargas e cínicas ajudam-no a delinear sua própria alienação.

Em 1937, Nussbaum e Felka se mudam para Bruxelas e se casam. No mesmo ano, seu irmão Justin foge com a esposa e filha da Alemanha, estabelecendo-se em Amsterdã. Seus pais ainda lá permanecem por mais dois anos, indo para Amsterdã apenas em 1939.

Em setembro de 1889, seu sonho tornou-se realidade, quando a nova faculdade abriu suas portas para que as mulheres pudessem começar o seu primeiro semestre de aulas. Estava criada a Universidade Barnard, bem ao lado da Universidade de Colúmbia. Annie tinha 32 anos e atuou na instituição como curadora durante toda a sua vida.

Envolveu-se também com outras atividades. Escritora, escreveu 26 peças teatrais, além de livros e artigos. Contra o voto feminino, escreveu uma série de matérias em que afirmava discordar da idéia por acreditar que as mulheres “não iriam purificar a política”, como afirmavam as sufragistas. Na época, muitos acreditavam que Annie adotou tal posição para contradizer sua irmã Maud. Sempre houve certa competição entre as duas. Decidida e inteligente como Annie, Maud Nathan Fredericks estava engajada na luta pelos direitos femininos e não se conformava por não contar com o apoio da irmã.

Annie escreveu também três romances, uma autobiografia e vários livros de não-ficção. A maioria de seus trabalhos abordava os conflitos das mulheres casadas que em paralelo ao casamento desenvolviam uma carreira.

Consciente de sua herança judaica e americana, Annie atuou no movimento “Filhas da Revolução Americana”. Nessa qualidade, participou de varias campanhas de arrecadação de fundos entre outros para compra de um retrato de Isaac Moses para o Museu da Cidade de Nova York, em 1933, e para uma apresentação da obra Música Sacra, de Ernst Bloch. Grande critica do nazismo alemão e do fascismo desde seus primórdios, Annie foi também um fervorosa sionista.

Annie Nathan Meyer, um espírito independente e grande ativista, continuou surpreendendo seus contemporâneos até o fim da sua vida. Em 1951, um pouco antes de morrer, ela publicou a sua autobiografia, intitulada Foi Divertido. Morreu em 23 de setembro de 1951, em Nova York, vítima de um ataque cardíaco. Além de ser a responsável pela criação da primeira universidade voltada ao público feminino, Annie sempre lutou pelo desenvolvimento pleno do talento das mulheres.