David Marcus, assessor de Ben-Gurion, foi um dos militares judeus americanos que participou da luta pela formação do Estado de Israel, morrendo antes de ver florescer a nova nação.

Não há longos capítulos dedicados a Marcus nos livros da História de Israel. As gerações mais jovens sequer são capazes de dizer com exatidão quem foi ou o que fez pela criação do Estado. No entanto, na memória dos mais velhos, o nome de David Daniel Marcus, ou Mickey Marcus, como se tornou mais conhecido, traz à lembrança a figura de um militar cuja atuação foi fundamental para a sobrevivência da comunidade judaica de Jerusalém, em 1948, durante a Guerra da Independência. Sob seu comando, foi aberta a estrada de Burma, com certeza uma das batalhas mais importantes e sangrentas de todas as guerras que Israel enfrentou, acabando com o cerco da Cidade Santa e permitindo a passagem de suprimentos à área sitiada. Hoje, passando pela estrada para Jerusalém, podemos ver os restos de veículos militares abatidos na época.

Marcus foi, também, o primeiro aluf – major-general – de um exército judaico, nomeado por David Ben-Gurion, após dois mil anos de dispersão. Primeiro filho de uma família romena de imigrantes a já nascer nos Estados Unidos, em 1902, formou-se na Academia Militar de West Point, fato não muito comum entre os rapazes judeus da época. Vencedor de inúmeros campeonatos de boxe enquanto estudante, com certeza, muitas das lições aprendidas no ringue lhe foram úteis durante a Guerra da Independência.

Segundo uma reportagem publicada no The Jerusalem Post, em junho de 1998, apesar de não ser um sionista atuante, a efervescência no Oriente Médio, em meados de 1947, a iminência da Partilha da Palestina e de um conflito na região entre judeus e árabes foram atrativos muito fortes para sua personalidade irrequieta. Sua própria expe-riência na Europa, em 1944, também influenciou muito a decisão que o levou a se envolver na luta pela criação de um Lar Nacional. 

Nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial foi encarregado de planejar ações para evitar a morte por inanição de milhões de pessoas nas regiões libertadas pelos aliados do jugo nazista. Grande parte de suas atividades envolvia os campos de extermínio alemães. Foi nesse período que ele pôde ver de perto as pilhas de corpos de judeus amontoados nos campos de morte, da Europa. Em seguida, foi nomeado chefe da Divisão de Crimes de Guerra trabalhando, então, no planejamento dos procedimentos legais para a realização dos julgamentos de Nuremberg contra os líderes nazistas responsáveis pela Shoá. Estas experiências afetaram Marcus, que passou a compreender a verdadeira extensão do anti-semitismo europeu, convencendo-se de que a única esperança para os sobreviventes do Holocausto era a criação de um Estado Judaico na então Palestina.

Militar com méritos reconhecidos por sua atuação na Segunda Guerra Mundial, resolveu atender um pedido de Ben-Gurion, que procurava militares americanos dispostos a ajudar a Haganá. Marcus obteve permissão do Ministério da Guerra dos Estados Unidos para se engajar na luta pela independência de Israel, desde que não utilizasse seu nome verdadeiro nem sua patente do exército americano. Assim, em janeiro de 1948, chegava a Tel Aviv sob a identidade de “Michel Stone”. 

Shlomo Shamir, então chefe militar da Haganá, foi o encarregado da missão que visava o recrutamento de Marcus. Os detalhes do encontro dos dois estão em Cartas de Jerusalém, 1947-1948, da jornalista Zipporah Porath. Em um depoi-mento concedido a Porath, Yigal Yadin, então oficial da Haganá, afirmou: “Quando Marcus veio pela primeira vez à então Palestina, chegou primeiro como soldado e depois como judeu. Mas quando retornou, era um de nós. Um sionista, verdadeiro amante de Sion”. Em um outro depoimento, Shamir teria dito: “Eu tinha a sensação de que o que começara para Marcus, apenas como uma missão militar, acabou transformando-se em uma missão de amor”.

Marcus, no entanto, não conseguiu assistir o desenvolvimento do país que viu nascer. No dia 11 de junho de 1948, poucas horas antes que a Organização das Nações Unidas decretasse um cessar-fogo na região, Marcus morreu com um tiro disparado por um sentinela. Sediado com suas tropas em um mosteiro francês, em Abu Ghosh, levantou-se às 3h50, algumas horas antes do início da trégua, e foi caminhar, enrolado em um lençol. Ao voltar, foi interceptado por um vigia, que lhe pediu a senha para passar. Como não sabia falar hebraico, respondeu em inglês e tentou pular o muro do mosteiro. O sentinela deu um único tiro, atingindo Marcus no coração.

Marcus foi enterrado nos Estados Unidos, com honras militares. Em Israel, tornou-se nome de algumas ruas, da biblioteca na Escola de Comando das Forças de Defesa de Israel, além de ter um monumento construído no local onde morreu, no qual está localizada atualmente a comunidade de Telshe Stone. O pequeno kibutz Mishmar David, próximo ao local onde começa a estrada de Burma, também recebeu o seu nome.

Um herói americano

No entanto, ainda que desconhecido por grande parte da população israelense, Marcus é familiar aos judeus norte-americanos. “Ele foi um norte-americano que deu sua vida para ajudar a treinar o Exército de Israel. Portanto, nada mais justo do que ser homenageado por nós”, disse Dan Nadel, ex-comandante da Associação Americana dos Veteranos de Guerra Judeus. 

Marcus passou sua vida alternando períodos de carreira militar com outros de atuação civil. Ao deixar West Point, estudou Direito, exercendo a profissão de advogado no gabinete do Procurador-Geral dos Estados Unidos e, em seguida, no Departamento de Penitenciárias. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, retornou à vida militar, alistando-se com patente de tenente-coronel. Atuou inicialmente em uma vara de justiça, foi posteriormente transferido para o Departamento de Assuntos Civis do Ministério da Guerra, servindo, também, como assessor do Presidente Franklin Roosevelt, na Conferência de Yalta, e do Presidente Truman, na de Potsdam.

Como pára-quedista, Marcus participou do Dia D, na Normandia, apesar de sua falta de treinamento. Após a guerra, foi nomeado para o governo militar americano na Alemanha. Participou ativamente do fornecimento de suprimentos para os sobreviventes do Holocausto e, com base em sua formação em Direito, ajudou a esboçar os termos da rendição dos alemães. Foi diretor da Divisão de Crimes de Guerra na seção americana, afastando-se do exército em 1947.

Uma figura polêmica

“ Eu não sou o melhor homem que poderia ter vindo, mas sou o único que veio”, disse, certa vez, Marcus a um dos membros da Haganá. Esta era sua opinião sobre si mesmo, que não correspondia ao que pensavam os outros. Shamir costumava dizer que, ao conhecê-lo, teve imediatamente a certeza de que era a pessoa que estava procurando. Acima de tudo, Marcus estava disposto a ir ao Oriente Médio, pois se sentia solidário e identificado com a Nação Judaica, seu povo. Na ocasião, teria dito a Shamir: “Você vê este braço? O sangue de Abraham corre em suas veias”.

Poucos meses após o primeiro contato, já em janeiro de 1948, partiu para a então Palestina, disfarçado de negociante de vinhos. Seu verdadeiro objetivo era analisar a estrutura e o desempenho do exército judaico. Desde os seus primeiros momentos na região, Marcus entrou em conflito com a liderança militar judaica, que não acreditava que sua experiência militar pudesse realmente ajudá-los. Esta impressão, no entanto, logo se modificou.

Marcus visitava as tropas, conversava com os soldados, surpreendendo-os, muitas vezes, com sua capacidade de adaptação às situações mais adversas. Incentivava-os a não esmorecer, apesar das dificuldades. “Ele conseguia transmitir força a cada homem, ressaltando suas habilidades. Ensinou-nos a usar o nosso espírito de luta como se fosse uma arma, principalmente diante da escassez de arsenais”, conta o primeiro chefe das FDI, Ya’akov Dori. 

Mesmo elogiando os combatentes, Marcus não deixava de apontar as falhas que constatava no Pal-mach e na Haganá. Sugeriu maior mobilidade às unidades, a utilização dos homens mais motivados e salientou as vantagens de um ataque surpresa sobre seus inimigos, ao invés de uma postura defensiva. Sobre esse assunto, costumava mencionar sua experiência nos ringues: “No boxe, os ataques são súbitos e poderosos, atingindo-se o oponente por todos os lados. Atacando, recuando e confundindo-o. Na guerra, deve-se fazer o mesmo”.

Segundo o historiador militar Uri Milstein, apesar da aparente cordialidade, as lideranças do Palmach e da Haganá não aceitaram muito bem as críticas, principalmente as feitas após a derrota na Batalha de Latrun. Talvez seja uma das razões pelas quais Marcus não é muito lembrado em Israel. Esta não é, no entanto, a opinião de Meir Pa’il, outro historiador. Para ele, Marcus foi muito bem recebido na época, justificando a falta de prestígio póstumo da seguinte maneira: “A maioria dos israelenses sequer sabe que houve uma Guerra de Independência. Alguns conhecem Ben-Gurion. É assim que as coisas acontecem. Pessoas como Marcus desaparecem no turbilhão da História...”

Segundo outros, Marcus nunca foi valorizado, pois, sendo americano, jamais conseguiu deixar de ser visto como estrangeiro – e também porque os israelenses não admitem o fato de que necessitavam de ajuda externa para vencer a ‘sua’ guerra. 

Hollywood, no entanto, interessou-se pela epopéia de Marcus e, em 1965, lançou o filme À Sombra de um gigante, narrando sua trajetória.