Com suas formas expressivas e seus sofisticados simbolismos, Daniel Libeskind, arquiteto judeu-polonês, é responsável por um dos mais comoventes estilos arquitetônicos da atualidade. Nos Estados Unidos, seu nome é imediatamente associado à reconstrução das torres arrasadas do WTC.

Com suas formas expressivas e seus sofisticados simbolismos, Daniel Libeskind, arquiteto judeu-polonês, é responsável por um dos mais comoventes estilos arquitetônicos da atualidade. Nos Estados Unidos, seu nome é imediatamente associado à reconstrução das torres arrasadas do WTC.

Assim como os vidros que identificam, de maneira indubitável, a sua obra, os trabalhos que o consagraram - o Museu Judaico de Berlim e o projeto para o chamado "Marco Zero", o novo World Trade Center, em Nova York - são exemplos de como o arquiteto consegue transformar espaço em "textos que comuniquem algo perdido, aquilo que é vital no espírito humano". Para Libeskind, cada prédio, seja um arranha-céu ou um shopping center, tem sua história. Histórias sobre sua construção, seu custo e sobre o que o cliente desejava.

Os prédios grandiosos, entretanto, transmitem algo mais, estão relacionados ao tempo, à história, à memória e ao legado. Em seu entender, é esta a arte da arquitetura: contribuir para a narrativa cívica.

Afirma Libeskind que textos judaicos, como as descrições do Templo e do Tabernáculo, lhe servem de inspiração para compreender a importância na relação dos homens com o espaço sagrado. Até mesmo seus projetos não judaicos estão imbuídos de sua profunda sensibilidade judaica. "Não se trata de algo artificial, mas de como você vê a história e as possibilidades do futuro. É parte da educação que recebi".

Sua obra

Do 19º andar de seu escritório nova-iorquino, na região de Lower Manhattan, é possível ver a cratera inerte e assustadora que constitui o chamado "Marco Zero", de onde, até 11 de setembro de 2001, subiam imponentes os dois edifícios do World Trade Center - as torres gêmeas derrubadas pela rede terrorista Al-Qaeda. As maquetes de seus projetos contam histórias disparatadas: o Museu Imperial da Guerra, em Manchester, Inglaterra, inspirado em um globo despedaçado pelos conflitos; o edifício da Hyundai, em Seul, Coréia do Sul, assentado sobre um abrangente círculo cósmico; o Studio Weil, de um artista em Majorca, inspirado na obra de um teólogo medieval; e por aí vai.

Seus prédios se caracterizam por ângulos definidos, tetos envidraçados e paredes inclinadas, que o arquiteto descreve como sendo o resultado inevitável de seu otimismo. Em seu entender, os componentes éticos, culturais e poéticos da arquitetura se equiparam à forma e à praticidade. "Libeskind é um apaixonado pelo poder que as diferentes formas têm de provocar emoções", diz Paul Goldberger, crítico de arquitetura da revista New Yorker, decano da Parsons School of Design e autor do livro Up from Zero: Politics, Architecture, and the Rebuilding of New York, que está no prelo.

Considerado atualmente como um dos mais importantes arquitetos do mundo, sua arte consagrou-se internacionalmente após a inauguração do Museu Judaico de Berlim. Projetado em 1989, a obra levou 12 anos para ser concluída em função dos cortes nas verbas para projetos culturais, após a reunificação do país. Construído em titânio e revestido com zinco - metal que reflete a luz -, o Museu se ergue a partir de uma base cujas linhas simétricas são quebradas de maneira irregular. A planta do projeto segue um traçado similar ao de uma Estrela de David fraturada. O projeto lhe valeu o mais importante prêmio de arquitetura concedido pelo governo alemão, que recebeu em 1999, das mãos do então presidente Johannes Rau.

Entre a conclusão da obra e a inauguração do Museu, decorreram 18 meses, período durante o qual mais de 400 mil pessoas visitaram o prédio vazio. Por uma ironia do destino, o museu acabou sendo inaugurado justo no dia 11 de setembro de 2001, tendo que ser fechado duas horas mais tarde por motivos de segurança.

A principal característica do projeto do Museu Judaico de Berlim é o significado implícito no design - que Libeskind denomina de "a arquitetura do significado". Esta se manifesta no conceito da ausência que aponta para aquilo que desapareceu, que deixou de existir, mas que ainda precisa estar presente. Este sentido de ausência é expresso através de uma Estrela de David despedaçada e de suas janelas retalhadas, como que mutiladas, evocando, com eloqüência, a emoção da tragédia do Holocausto.

Um dos mais visitados da Alemanha, o Museu Judaico de Berlim é também um instrumento educacional, aproximando a geração mais jovem ao passado de sua pátria.

Libeskind já era aplaudido na Alemanha antes de inaugurado este Museu. Ele foi também responsável pelo Memorial Felix Nussbaum, em Osnabrück, no qual estão expostas várias obras desse pintor judeu-alemão. Deportado no último trem para Auschwitz, Nussbaum está entre os seis milhões de judeus que foram assassinados durante a Shoá (ver Morashá 44). Para que os visitantes possam ver as obras do pintor nas mesmas condições limitadas em que este as pintou, o genial arquiteto criou um espaço o mais estreito possível, semelhante àquele em que Nussbaum vivia física e psicologicamente. São também seus projetos o Museu Judaico da Dinamarca, um centro de convenções na Universidade de Bar-Ilan e o Museu Judaico de Arte Contemporânea, em São Francisco.

O "Marco Zero"

Nos Estados Unidos é o dia 11 de setembro - um dia de luto nacional - o que de imediato remete ao nome de Daniel Libeskind. Só que esta ligação se justifica por ser ele o responsável pela reconstrução das torres totalmente arrasadas do WTC. Sua concepção se baseia na intercalação de camadas de dor e perda com outras de esperanças para o porvir.

Os elementos que compõem seu projeto para o WTC - a Cunha de Luz, o Parque dos Heróis, a Parede de Lama, que estará em um espaço aberto, e a Torre da Liberdade -entrelaçam lembranças pessoais, valores norte-americanos e uma perspectiva global. Preparando-se para o projeto, Libeskind releu a Declaração de Independência e a Constituição dos EUA, bem como alguns escritores nitidamente americanos. O movimento em espiral da alta Torre da Liberdade reflete a Estátua da Liberdade -a primeira coisa que chamou a atenção do garoto Libeskind, de 13 anos, ao chegar como imigrante a Nova York - apontando para a grandiosidade e a vivacidade da democracia.

Enquanto visitava o "Marco Zero", o arquiteto desceu ao fundo do local. Acidentalmente raspou a mão contra uma parede enorme, que os engenheiros chamam de parede diafragma - ou seja, a própria fundação feita com lama, que continua fazendo a contenção das paredes do subsolo. "Se tivesse desabado, toda Nova York teria sido inundada pelas águas do Rio Hudson. Logo senti que havia algo de notável naquela parede, não era apenas uma ruína do passado, mas um alicerce vivo, funcional, trazido à tona em um momento de catástrofe".

"De todos os projetos concorrentes, o de Libeskind foi o que melhor conjugou o imponente com o cotidiano", segundo o crítico da revista New Yorker. "Ele entendeu que o povo ansiava por um símbolo que refletisse o luto mais passional, ao mesmo tempo em que reconhecia a urgência na reconstrução da cidade".

Entretanto, seu sucesso é também cercado de muita controvérsia.A magnitude do projeto, a expectativa geral e o verdadeiro escrutínio, pelas famílias das vítimas e pelo público, das plantas para o "Marco Zero", fizeram deste um projeto único. Teve que ser alterado para se adaptar às exigências políticas, mas, como diz Libeskind, "um projeto define o palco, mas a atuação não acaba aí, ela evolui numa parceria de cooperação com os demais participantes do processo. Apesar de a mesma ter atrapalhado, de certa forma, o andamento do projeto", ele explica, "a política é a essência de uma cidade. Politea quer dizer cidade, em grego.Portanto, é preciso ser capaz de negociar os vários obstáculos e reconhecer a legitimidade e os limites desses interesses". E segue explicando "que o projeto de uma obra é um processo orgânico, que, quando é bom, pode evoluir, absorver diferentes pontos-de-vista e envolver o público, de maneira profunda."

Sua vida

Daniel Libeskind viveu em sete países e fala cinco idiomas. Nascido em Lodz, Polônia, em 1946, cresceu em uma família que falava iídiche e se viu presa sob a então "Cortina de Ferro". Em 1957, foi com a família para Israel, mudando-se dois anos mais tarde para os EUA, por causa das dificuldades enfrentadas por seu pai para encontrar trabalho.

No Bronx, a família Libeskind integrou-se à culta vizinhança social e política, que abarcava o amplo espectro da cultura judaica. No entender do crítico Goldberger, por ter imigrado várias vezes, Libeskind carrega certa combatividade dentro de si: "Ele é uma estranha combinação de acomodação com obstinação... determinação com ambição".

Os heróis de Libeskind incluem Helen Keller, Janusz Korczak - o educador polonês que se recusou a abandonar as 200 crianças sob seus cuidados e, por isso, morreu com elas em Treblinka; e Heinrich Schliemann, rico comerciante alemão (1820-1890), que, apaixonado pela arqueologia, dedicou toda a sua fortuna a comprovar a veracidade da Guerra de Tróia, narrada na obra de Homero. No campo da arquitetura, é admirador de Giovanni Lorenzo Bernini e de outros arquitetos anônimos que deixaram belas construções típicas da cultura local, na Índia.

A música foi sua primeira paixão. Em Lodz, começou estudando acordeão. Isaac Stern, então jurado em um concurso vencido por Libeskind, em Israel, aconselhou-o a mudar de carreira para a de pianista. Mas Libeskind acredita que a arquitetura seja uma extensão de seu talento. Para ele, o Museu de Berlim representa a sua tentativa de, através da arquitetura, completar o terceiro ato - jamais composto -da ópera de Arnold Schoenberg, "Moisés e Aarão".

Libeskind se formou em 1970 pela Cooper Union for the Advancement of Science and Art, talvez a mais conceituada e seletiva faculdade de arquitetura dos Estados Unidos. Obteve título de mestrado em História e Teoria da Arquitetura pela School of Comparative Studies, de Essex, na Inglaterra.

Naquela época, toda a sua energia e criatividade estavam direcionadas a lecionar e escrever. Aos 32 anos, dirigiu a Faculdade de Arquitetura da Universidade de Michigan e a Cranbrook Academy of Art. Logo depois, transferiu-se para Milão, onde fundou uma escola alternativa de arquitetura. Em 1989, quando estava prestes a se mudar novamente para dirigir o Getty Center, em Los Angeles, mudou de idéia ao saber que seu projeto para o Museu Judaico de Berlim fora selecionado. A capital alemã se tornou sua residência por 14 anos.

O casal Libeskind se conheceu no Camp Hemshech (Campo da Continuidade), um acampamento de verão criado pelos sobreviventes do Holocausto, casando-se em 1969. Sua esposa, Nina, organizou seu escritório e tem um papel fundamental em sua carreira. "Quero apenas ser sua força criadora. Assumo a parte financeira, as negociações e as estratégias. Mas minha tarefa mais agradável é fazê-lo rir. Com isso, desanuviamos o ambiente, que, às vezes, pode estar muito tenso", confidenciou, em certa ocasião.

Seus prêmios incluem o "Hiroshima Award", concedido a arquitetos cuja obra promova a compreensão e a paz. Libeskind dedica-se a causas judaicas, especialmente à cultura iídiche e à divulgação do Holocausto. Foi homenageado por várias instituições, entre as quais o Museu dos Amigos Americanos dos Combatentes do Gueto, com o qual tem uma ligação muito pessoal.

Segundo o presidente da Sociedade dos Amigos Americanos dos Combatentes do Gueto, a crença do arquiteto na responsabilidade individual de ajudar, continuadamente, a reconstruir este mundo ferido e assustado, consegue influenciar a sociedade sobre o significado da transmissão da memória, como um legado de geração em geração. "Ele tem a incrível capacidade de fundir história, memória e estrutura. Cria símbolos corajosos, espaços que gritam contra o mal e endossam a liberdade mundo afora".

Libeskind também ocupa o espaço literário, tendo publicado um livro de poesias, Fishing from the Pavement. Ele criou cenários e guarda-roupas para óperas e desenha por prazer. Seus objetivos agora estão concentrados na praticidade: "Manter-me dentro da rota; entregar o prometido; não me desviar, nem me deixar desviar por pressões externas". Seus três filhos - Lev, 27, escritor; Noam, 25, cientista; e Raquel,15 - ajudam-no a manter uma vida equilibrada.

"A meditação me ajuda quando estou na esteira, enquanto caminho ou quando estou viajando. Sou da opinião que todos os dias devemos nos perguntar: 'Será que, hoje, estou um pouco melhor espiritualmente do que ontem?' Se a resposta for negativa, algo está errado. Temos, então, que admitir que, hoje, não fizemos o suficiente, mas amanhã será um dia melhor".

Bibliografia

"Daniel Libeskind", artigo de Rahel Musleah publicado na Revista Hadassah, outubro de 2004, vol. 86, nº 2

Rincon Del Vago (cultura clássica)

www.rincondelvago.com

Daniel Libeskind. www.daniel-libeskind.com

Newsday, Inc. (março de 2003)