Não faltam grandes humoristas judeus: Efraim Kishon, Sholem Aleichem, Woody Allen, Jerry Lewis e tantos outros. Mas Groucho Marx é, provavelmente, o melhor de todos. O sucesso que o humor judaico americano faz no mundo deve-se a ele.

Woody Allen diz que nunca existiu um humorista como Groucho. Mel Brooks só tem e logios para ele. Jerry Seinfeld o acha um gênio. Quem assistir seus filmes, todos lançados em DVD, assim como seu talk show “You bet your life” ou ler seus livros – os principais são “Groucho and Me”, “Groucho letters”, “Memories of a Mangy Lover”– ou ainda um dos mais de 200 livros sobre sua vida, concordará com os três grandes humoristas acima. Groucho foi o melhor de todos. Melhor que Efraim Kishon, S. J. Perelman, Sholem Aleichem ou qualquer outro.

Sobre seu talk show, “You bet your life”, vale lembrar que ele foi o primeiro a fazer esse tipo de programa de entrevistas, que inspiraria David Letterman e Jô Soares, apenas para citar dois entrevistadores famosos.

Outra invenção de Groucho Marx foi a famosa “Escolinha”, onde um grupo de alunos serviam de “escada”, ou seja, davam a “deixa” para suas maravilhosas piadas. A “Escolinha” do Groucho começou no “Vaudeville” e inspirou no Brasil diversos humoristas, entre eles Chico Anysio, Ronald Golias e Carlos Alberto de Nóbrega.

“Vaudeville” eram teatros de variedades que surgiram no final do século 19 nos Estados Unidos e Canadá. Artistas e humoristas se apresentavam, com shows de música e comédia. A mãe de Groucho, Minnie, tinha um irmão, Al Schoenberg, com o nome artístico de Al Shean, que trabalhava nesse ramo. Devido às dificuldades financeiras da família, Minnie achou que a saída para os filhos ganharem dinheiro era o mundo dos espetáculos. E como boa “iídiche mame”, tinha razão.

Mas vamos voltar um pouco no tempo para contar a história de Groucho. Seus pais, Sam e Minnie Marx, emigraram da região da Alsácia-Lorena para Nova Iorque no final do século 19. Julius Henri Marx, o nome verdadeiro de Groucho, nasceu em 1890 na Rua 78, em cima de um açougue. Mas passou pouco tempo nessa casa, pois, segundo ele, viviam mudando de endereço por causa da falta de habilidades de seu pai, que se julgava alfaiate. “Tirar medidas é para funerária, que tem que providenciar o caixão”, dizia Sam Marx. Um bom alfaiate sabe as medidas só de olhar para o cliente”. O resultado, segundo Groucho, é que “os fregueses podiam ser identificados na rua, pois tinham um braço do paletó mais curto que o outro e uma perna da calça mais comprida”. Com isso, a família tinha sempre que mudar de endereço, na esperança de conseguir novos e incautos clientes, até que descobrissem a inabilidade de seu pai na arte da alfaiataria.

Antes de Groucho nasceu Leonard, apelidado de Chico; depois de Groucho veio Adolpho, conhecido como Harpo; Milton, vulgo Gummo e, finalmente, Herbert, cujo apelido era Zeppo.

Com cinco filhos para criar, a vida da família Marx era extremamente difícil. Segundo Groucho, “Éramos tão pobres que um dia o caminhão do lixo chegou em casa e falei – Papai, o lixeiro está aí. – Fala para ele que não precisamos de nada, respondeu meu pai”.

Foi graças à obstinação da mamãe Minnie que os Irmãos Marx, como ficaram conhecidos, entraram no show business. Chico e Harpo não gostavam de ir à escola e isso a preocupava, pois sabia que sem estudos os filhos não teriam grandes oportunidades na vida. Groucho, ao contrário, adorava estudar, era excelente aluno e ficou muito triste quando teve que sair da escola para acompanhar seus irmãos no “Vaudeville”. Durante a vida toda ele se arrependeu de não ter estudado e concluído o curso. Autodidata, procurou aprender o máximo possível, tornando-se uma pessoa culta e bem informada. Lia tudo o que caía em suas mãos e os livros que escreveu são excelentes.

Minnie percebeu que Chico e Harpo tinham talentos musicais e enquanto Chico aprendia piano, Harpo pegou uma harpa abandonada por um familiar na casa deles e se tornou exímio harpista (daí seu apelido Harpo). Com os irmãos tocando tão bem, e auxiliados pelo tio Al Shean, foram ganhar a vida no “Vaudeville”. Groucho não tinha nenhuma habilidade musical e os acompanhava para contar piadas e fazer graça. Isso muito antes de estrearem no cinema. Os outros dois irmãos eram muito pequenos para a vida nos palcos.

Mais tarde, Milton, vulgo Gummo, por insistência de Minnie, também tentou a carreira artística, mas não tinha o menor talento. Chegou a participar de alguns filmes, mas acabou tornando-se o empresário dos Irmãos Marx, como ficaram conhecidos os três, Groucho, Harpo e Chico.

A vida no “Vaudeville” não era fácil. Os irmãos tinham que viajar de cidade em cidade para fazer apresentações e ganhar alguns trocados. O pior, segundo eles, era que a mamãe Minnie ia junto. Precisava tomar conta “das crianças”. Até o dia em que, segundo Groucho, por insistência das coristas e dançarinas que não viam com bons olhos a presença da “iídiche mame” junto do grupo, eles decidiram que já eram crescidos e queriam viajar sozinhos. Graças a seu talento, começaram a fazer sucesso no “Vaudeville” e no show business e foram convidados para fazer um teste de cinema, em Hollywood. Isso só foi possível depois que surgiu o cinema falado, pois se apresentavam tocando e contando piadas.

Nos primeiros filmes repetiam nas telas o que faziam nos palcos, mas, com o tempo, foram desenvolvendo histórias próprias para o cinema, com roteiristas e diretores do primeiro time de Hollywood.

O sucesso veio quando Irving Thalberg, o garoto prodígio da MGM, também judeu, começou a produzir seus filmes. Certa ocasião, Thalberg disse que “o mundo não estaria nesse estado se Marx tivesse sido Groucho, em vez de Karl (Marx)”. Ele foi um dos maiores produtores de cinema de todos os tempos, apesar de ter morrido prematuramente aos 37 anos.

Foi o principal responsável pelo sucesso dos Irmãos Marx. Escolhia grandes diretores, como Sam Wood e Norman McLeod, excelentes roteiristas como George Kaufman, Arthur Sheekman e Morrie Ryskind, e dava total liberdade para Groucho criar durante as filmagens. O que parecia improviso na verdade era um trabalho árduo de Groucho que tinha um humor sarcástico e extremamente judaico.

Usava muito da autocomiseração e suas piadas eram sempre muito inteligentes. O tipo de humor que os americanos chamam de wit. Além da equipe de roteiristas, cada irmão tinha um grupo de três ou quatro gag men – humoristas com a única função de criar sacadas e tiradas para acrescentar no filme. Com uma equipe 100% judaica, o tipo de humor só poderia mesmo ser judaico.

Harpo fazia o papel de mudo e toda a sua comicidade era baseada no visual. Foi o primeiro grande mímico do show biz, verdadeiro clown, muito antes do surgimento do famoso mímico francês Marcel Marceau, também judeu! O humor visual de Harpo permitiu que, anos mais tarde, ele fizesse uma turnê na Europa chegando a se apresentar até na Rússia comunista, com o maior sucesso.

Chico fazia o papel de italiano, jogador compulsivo e malandro – o que não era diferente da sua vida real. Era viciado no jogo, chegava a fugir entre uma gravação e outra para ir à casa de apostas. Apostava nos cavalos, nas cartas, nas corridas, perdia tudo o que ganhava e terminou sendo sustentado pelos irmãos.

Groucho fazia o papel do conquistador e tinha um humor completamente nonsense. Seu personagem tinha o andar de um vigarista gozador, imitando uma galinha, que se tornou sua marca registrada. Em inglês, quando se fala de um wise-cracking hustler, imediatamente sabe-se que se trata do velho Groucho... Também pintava as sobrancelhas e um bigode bem grosso, que ele adotou mais tarde deixando o verdadeiro crescer. Tinha sempre um charuto na mão ou na boca. Esse foi seu grande prazer na vida real. Jamais se separava desse vício.

Os irmãos Marx reinaram durante anos em Hollywood, deixando 13 filmes que são verdadeiras obras-primas. Groucho sozinho participou de outros 13 filmes, até que quase aos 60 anos achou que era hora de parar. Não tinha mais idade para o esforço físico requerido pelo personagem e pelo cinema, e estreou um programa de rádio que durou alguns anos. Finalmente foi atraído pela televisão, onde apresentava o “You bet your life”, um misto de programa de auditório de perguntas, respostas e entrevistas. Groucho aprendeu com sua mãe que “Quando tiver algo importante para falar, fale com o presidente”, e por isso durante sua vida escreveu cartas engraçadíssimas, até que um dia as publicou no livro “Groucho letters”.

Dessas, duas trocas de correspondências ficariam famosas. Uma delas aconteceu quando os Irmãos Marx, que trabalhavam na MGM, lançaram o filme “Uma noite em Casablanca”, logo em seguida ao lançamento do grande clássico “Casablanca”, da Warner Brothers, dirigido por Michael Curtiz, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Os advogados da Warner Brothers enviaram-lhe uma carta dizendo que o nome do filme era plágio e que deveria ser trocado. Primeiro Groucho respondeu que seria muito difícil alguém confundi-lo com a belíssima atriz sueca Ingrid Bergman. Os advogados da Warner Brothers, porém, não se deram por satisfeitos e a troca de correspondências continuou, sem que os advogados, o estúdio Warner e os irmãos Warner percebessem que Groucho estava apenas afiando seu humor cáustico. Até que, por fim, Groucho mandou uma carta dizendo que se eles achavam que tinham direitos sobre o nome “Casablanca”, eles, Julius, Leonard e Adolpho eram Marx Brothers muito antes do que Jack, Sam, Albert e Harry fossem Warners Brothers e iriam processá-los por plágio. Ou porque finalmente entenderam que tudo era uma brincadeira, ou por medo de um processo, a Warner decidiu encerrar o caso.

Outra troca de correspondência ajudou Groucho a criar uma das suas frases mais brilhantes e uma das mais famosas, de todos os tempos: “Não entro num clube que me aceita como sócio”. A história da origem desta frase é engraçadíssima.

Quando ele já fazia sucesso e era rico, sua filha Melinda quis frequentar o Beverly Hills Club, um clube elitista que não permitia a entrada de judeus e recusou aceitar a família Julius Marx. Ele então começou uma troca de correspondência com a diretoria, que não percebeu que ele estava usando todo seu humor cáustico e judaico para desmoralizar a recusa em ser aceito no clube. Uma das cartas dizia que o Beverly Hills Club não precisava se preocupar com o judaísmo da família Marx, pois “como minha filha é meio-judia, pois é filha de casamento misto, ela promete entrar na piscina só da cintura para baixo”. Depois de várias cartas de ambos os lados, percebendo que essa troca de correspondência seria prejudicial ao clube, pois Groucho as tornava públicas, decidiram aceitá-lo como sócio para encerrar o assunto. Então ele mandou a última carta que dizia exatamente isto “Por favor, aceitem minha renúncia. Não posso frequentar um clube que me aceita como sócio”. Assim surgiu uma das frases mais famosas e inteligentes da história.

Groucho era um frasista de mão cheia. Ao receber o livro de um autor pedante e prepotente, que se considerava humorista, comentou: “Desde o momento em que peguei seu livro, ri compulsivamente. Um dia pretendo lê-lo”.

Apesar de trabalhar na televisão, tinha um senso bastante crítico em relação a isso: “Acho a televisão muito educativa. Cada vez que a ligo, vou para o outro quarto e pego um livro”. Também tem uma frase excelente para pessoas antipáticas: “Eu nunca esqueço um rosto. Mas no seu caso, ficarei feliz em abrir uma exceção”. Seu humor sarcástico está presente neste texto: “Ela tem esse rosto por causa do pai. Ele é cirurgião plástico”.

O casamento também fazia parte do seu humor. Quando um amigo falou “Gostaria de me despedir de sua mulher”. Groucho respondeu, rápido: “Eu também”. Outra: “Casamento é a principal causa dos divórcios”. Mais uma: “Em Hollywood, a noiva guarda o buquê e joga fora o noivo”.

Para mim, um dos maiores exemplos da inteligência e do humor de Groucho é o seguinte diálogo: “Duas senhoras estão num restaurante e uma delas comenta: – A comida deste lugar é horrível! – E o pior é que as porções são pequenas – responde a outra. Assim é a vida. A gente acha ruim, mas reclama que é curta”.

Envelheceu sem perder o bom humor e a inteligência. Conforme o tempo passava, ele também começou a brincar com a velhice e disse: “Ter muita idade não é nada de especial, qualquer um pode envelhecer. Basta para isso viver o suficiente”.

Groucho trabalhou duro a vida toda, com medo dos tempos pobres da infância. Ficou rico para os padrões da época e também brincava com isso. Num jantar, recusou o pãozinho que o garçom oferecia, pois “era rico o bastante para não precisar comer mais pão”. Groucho viveu muito, mas não o suficiente para os seus fãs. Conta numa de suas autobiografias que, aos 80 anos, ouviu emocionado de uma fã, na rua, “Por favor, não morra nunca!”. Morreu aos 87 anos, apesar de fumar charutos desde jovem. Casou três vezes, a última com uma mulher que tinha 43 anos menos que ele, sendo que esse casamento durou apenas quinze anos e, segundo ele, do qual sobrou apenas uma frase: “A mulher ideal devia ser parecida com Marilyn Monroe (uma das mais lindas atrizes de Hollywood) e falar como George S. Kaufman (genial escritor, roteirista e humorista)”. Teve três filhos, Arthur, Miriam e Melinda, nenhum deles com talento para seguir a carreira do pai.

Groucho é, provavelmente, o responsável pelo tão conhecido humor judaico-americano, que tanto sucesso faz em todo o mundo. Ele trouxe o humor inteligente, cáustico e de autocomiseração dos sthtels para a América e Hollywood. Woody Allen, Mel Brooks, Jerry Seinfeld, Jerry Lewis, Adam Sandler, Jack Benny, Milton Berle, Sid Caesar, Goldie Hawn, Bette Midler, Billy Cristal e todos os humoristas judeus americanos devem a Groucho Marx a abertura das portas para o humor da iídiche kopf.

Marcio “Pit” Pitliuk é escritor, cineasta, publicitário,
autor do livro e do filme “Marcha da Vida”.