Centenas de arquitetos judeus viviam e trabalhavam em Berlim, na década de 1930, Atuando tanto em obras públicas quanto em instituições privadas. faziam parte dos 4,3 milhões de habitantes da capital alemã, cuja população judaica somava, então, 160 mil pessoas.

Ao lado de médicos, filósofos, professores, músicos, escritores e artistas, em geral, os arquitetos faziam parte de uma geração que nasceu e cresceu em um clima de liberdade política, social e cultural, totalmente integrada na sociedade alemã, até a chegada de Adolf Hitler ao poder, em 1933. No total, havia 450 arquitetos atuantes na Alemanha, dos quais 300 em Berlim. Entre eles se destacaram Paul Salinger, Alexander Beer, Oskar Kaufmann e Bruno Ahrens. Em 1945, quando a Alemanha se rendeu aos aliados, poucos haviam sobrevivido.

Sua trajetória e, principalmente, a marca de sua presença na arquitetura berlinense vem sendo tema de estudo da arquiteta Myra Warhaftig, tendo ela própria estudado em Israel com outros colegas que se abrigaram na então Palestina, para fugir das perseguições nazistas. Como parte de seus estudos sobre o impacto da arquitetura criada pelos judeus em Berlim, Myra Warhaftig visitou a capital alemã, há dez anos, fundando em seguida uma associação para preservação desse legado - a Associação para Pesquisa sobre a Vida e a Obra dos Judeus Alemães. A princípio, sua iniciativa não foi recebida com muito entusiasmo pelas autoridades alemãs, mas esta postura mudou com o passar dos anos. A entidade mantém atualmente um site na Internet, com informações sobre as obras arquitetônicas e seus autores (www.juedische-architekten.de), além de organizar visitas pela cidade e exposições. Em um artigo intitulado "The Jewish Architects of Berlin", publicado na revista israelense Eretz, na edição abril/maio de 2003, Myra Warhaftig faz um resumo da trajetória desses profissionais.

As conseqüências da formação do novo governo alemão, encabeçado pelo chamado Führer, em 1933, foram imediatamente sentidas pela população judaica da Alemanha. Medidas implantadas por Hitler, no mesmo ano em que assumiu o poder, tinham como objetivo exercer um controle total sobre a população, restringindo cada vez mais as liberdades dos judeus. Manter a rotina tornou-se praticamente impossível, a partir do momento em que o exercício da profissão - fosse qual fosse - passou a ser totalmente submetido aos mecanismos do Estado.

Os arquitetos, que então pertenciam a associações profissionais, como a União dos Engenheiros e Arquitetos, União dos Arquitetos Alemães, Academia de Arte de Berlim, entre outras, viram suas entidades de classe dissolvidas e substituídas pela Câmara do Reich para as Artes (Reichskulturkammer), presidida pelo ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. O novo órgão foi dividido em sete departamentos - Música, Teatro, Literatura, Cinema, Jornalismo, Rádio e Artes Visuais, sendo que este último incluía escultores, pintores, marchands e arquitetos. Segundo o estatuto da Câmara, de 1933, todo cidadão alemão precisava de uma autorização do órgão para atuar em qualquer uma das profissões mencionadas.

Cada departamento tinha autonomia e direito para recusar a autorização a indivíduos que considerasse "irresponsáveis" para o exercício da profissão. Com a vigência dessa política, os judeus não tinham chance de continuar a trabalhar, pois seus pedidos eram sistematicamente rejeitados. Esta foi a fórmula ideal encontrada pela Alemanha de Hitler para afastar aqueles a quem consideravam "indesejáveis", destruindo sua dignidade e inviabilizando sua subsistência. Perseguidos pelo regime, enfrentando inúmeros obstáculos em seu dia-a-dia e sem conseguir mais trabalhar, a fuga do país era a única opção que lhes restava. Apesar das dificuldades, no entanto, alguns arquitetos ainda acreditavam que a situação poderia ser revertida e que poderiam reconstruir sua vida em sua pátria.

O tempo se encarregou de mostrar o quanto estavam enganados e muitos terminaram seus dias nos campos de concentração e de morte nazistas, espalhados pela Europa. Encontrar abrigo fora das fronteiras alemãs também não era muito fácil, pois os países vizinhos se recusavam a receber aqueles que fugiam da ira de Hitler. Outras vezes, faltavam recursos para deixar o país. Erich Mendelsohn, arquiteto então mundialmente conhecido, foi um dos poucos que foi recebido de braços abertos no exterior. Viveu algum tempo na Inglaterra, em seguida na então Palestina, instalando-se mais tarde, definitivamente, nos Estados Unidos.

A máquina nazista, no entanto, espalhava-se cada vez mais, incluindo novos segmentos em sua perseguição.

A legislação da Câmara que, inicialmente, limitava-se a negar licença de trabalho aos arquitetos judeus, posteriormente incluiu nessa restrição também quem tinha cônjuge judeu. Em junho de 1938, a entidade publicou a relação de todos os profissionais das artes cujos pedidos de trabalho tinham sido negados. Como sinal da eficiência da máquina administrativa germânica, a lista foi elaborada em ordem alfabética; incluía 1.600 nomes e catalogava dados como profissão, endereço e grau de judaísmo, assim diferenciados - "totalmente judeu", "meio judeu", "25% judeu", "75% judeu", "casado com judeu" e outras especificações. Dos 1.600 nomes, 321 eram de arquitetos.

Segundo Myra Warhaftig, este número chega a 450 se considerarmos os profissionais que sequer tentaram obter tais licenças e deixaram o país antes da publicação da lista. Sua pesquisa indica que 65 profissionais foram para a então Palestina, entre 1933 e 1935; cinco fugiram para a Inglaterra; 35 emigraram para os EUA, enquanto outros encontraram abrigo, legal ou ilegalmente, na Argentina, Brasil, Chile, Cuba, Nova Zelândia, Portugal, Suécia, Dinamarca, África do Sul, Turquia e Suíça. Setenta arquitetos judeus, entre os quais 59 berlinenses, foram enviados para campos de concentração.

Nomes de destaque

Alexander Beer nasceu em 1873, em Hammerstein, na então Prússia e atual Polônia, tendo estudado na Technischen Hochschule Charlottenburg. Foi diretor da Bauamt da comunidade judaica de Berlim. Em 1943 foi deportado para Theresienstadt, onde morreu, em 1944. Seus projetos incluem algumas sinagogas, orfanatos e uma escola para meninas. Seu estilo pode ser definido como clássico, com exceção do asilo que criou em 1930, em estilo moderno clássico.

Oskar Kaufmann nasceu em 1873, na Hungria, e estudou arquitetura no Ginásio Técnico de Karlsruhe, formando-se em 1901, quando abriu um escritório em Berlim. Em 1933, consagrou-se como o arquiteto dos teatros da capital alemã, seguindo sempre um estilo monumental, classificado pelos críticos como dramático. Três dos sete teatros que projetou ainda estão em funcionamento. Kaufmann dedicou-se também ao planejamento de palacetes luxuosos, utilizando materiais caros na obra e na decoração interior. Os móveis que projetava seguiam a tendência barroca, inspirada nos séculos XVII e XVIII. Quando os nazistas assumiram o poder, ele fugiu para a então Palestina. Assim que chegou, foi convidado para planejar o Habima - sede do Teatro Nacional Judaico. Projetou também algumas casas em Tel Aviv, casarões no Monte Carmel e em Haifa, além de um cinema nesta última cidade. Em 1939, por falta de trabalho, foi para a Romênia e, posteriormente, para a Hungria, onde foi perseguido pelos nazistas. Apesar de ter sobrevivido à Segunda Guerra Mundial e ao Holocausto, morreu solitário em Budapeste, em 1956.

Michael Rachlis nasceu em Moscou (Rússia), em 1884, e viveu em Berlim a partir de 1917. Trabalhando como arquiteto independente, dedicou-se principalmente à decoração de interiores. Publicou, em 1930, um livro sobre o design de móveis. Seus projetos incluem, também, vilas em estilo moderno clássico, das quais duas ainda podem ser vistas, em Berlim. Em 1935, fugiu para Londres (Inglaterra), onde continuou a criar móveis até a sua morte, em 1953.

Harry Rosenthal nasceu em Posnan, então Prússia e atual Polônia, em 1892. Estudou no Ginásio Técnico de Munique. Sua obra inclui projetos de edifícios e móveis em estilo moderno. A maior parte de suas obras foi destruída durante a Segunda Guerra Mundial e as que sobraram foram reformadas, sem deixar nenhum vestígio do estilo original. Consagrado na Alemanha, Holanda e Espanha, fugiu para a então Palestina, em 1933, onde não conseguiu repetir o sucesso que obtivera em outros lugares. Antes da eclosão da Segunda Guerra partiu para Londres, onde se dedicou à pintura e à criação de cadeiras e sofá-camas, além de desenhar brinquedos de madeira com temas bíblicos. Morreu em 1966, em Londres, sem jamais realizar o seu sonho de voltar a projetar residências.

Adolf Wollenberg nasceu em Breslau, então Alemanha e atual Polônia, em 1874. Não há muitas informações sobre a sua vida, mas muitas de suas obras ainda podem ser vistas em Berlim, inclusive dez casarões, em estilo neo-clássico, construídas até 1930. Ele atuou também nas áreas de paisagismo e decoração de interiores. Nada se sabe sobre o seu paradeiro após a ascensão de Hitler, mas presume-se que se tenha refugiado na Inglaterra. A data de sua morte também não é conhecida.

Bruno (Arons) Ahrends nasceu em 1878, em Berlim, no seio de uma família judaica de banqueiros. Seu tio foi o conhecido filantropo James Simon, um dos fundadores do Instituto Tecnológico Technion, em Haifa. Ahrends desejava estudar engenharia naval na Escola Marítima de Kiel, mas teve sua inscrição rejeitada por ser judeu. Assim, decidiu estudar arquitetura no Ginásio Técnico de Berlim. Depois da formatura, converteu-se ao cristianismo, mudando o seu nome para Ahrends. Abriu seu escritório na capital alemã, em 1910, construindo várias residências por toda a cidade. Seguiu o estilo conservador até a Primeira Guerra Mundial e, a partir de 1920, passou a ser considerado um dos principais arquitetos de vanguarda da Alemanha. Por ser judeu, foi obrigado a sair do país, instalando-se inicialmente na Itália e, em seguida, na Inglaterra. Diante das dificuldades em conseguir trabalho, acabou emigrando para a África do Sul, em 1948, morrendo no mesmo ano. Teve dois filhos.

Albert Gottheiner nasceu em Berlim, em 1878. Até 1933 trabalhou como arquiteto residente da Organização Geral de Seguros de Saúde, da cidade. Seu trabalho consistia em planejar casas para convalescença e hospitais. Sua principal obra foi o projeto para o escritório central da instituição, que ocupava três quarteirões e se tornou tema de reportagens em jornais da categoria, na época. Presume-se que tenha fugido para a Dinamarca ou para a Suécia em 1934, mas não há evidências que o comprovem.

Alexander Klein nasceu em Odessa, em 1879, e estudou engenharia e arquitetura em São Petersburgo. Diante das perseguições aos judeus, na Rússia, após a Revolução de 1917, mudou-se para Berlim em 1920. Tornou-se rapidamente conhecido como o "Pai do Funcionalismo", tendo projetado dezenas de prédios que ainda podem ser vistos pelas ruas berlinenses. Em 1918 foi convidado, com mais 17 arquitetos famosos, para fazer o projeto de um bairro residencial na região sul de Berlim. Foi responsável pela fundação de um instituto cujo objetivo era estudar a criação e o desenvolvimento de diferentes tipos de moradias para as classes trabalhadoras.

Em 1934, foi convidado pelo Fundo Nacional Judaico a visitar a então Palestina para participar como consultor do planejamento de assentamentos na região. Foi o responsável pelo projeto das áreas residenciais de Kyriat Bialik, próximo a Haifa; Kiryat Amal-Tivon, no Vale de Jezreel; e do complexo que compõe o Instituto Tecnológico Technion, em Haifa. Posteriormente tornou-se professor do Technion e diretor da Faculdade de Planejamento Urbano, por ele fundada. Morreu em Nova York, em 1961.

Willi Eisenberg e Richard Scheibner tornaram-se conhecidos trabalhando juntos na construção do Teatro da Casa de Mármore, o primeiro cinema de Berlim, em 1912. Eiseinberg nasceu em Tztzin, Polônia, em 1883, e Scheibner em Rotgen, Alemanha, em 1880. Não há muitas informações sobre os dois profissionais. Sabe-se, no entanto, que Eisenberg morreu no campo de concentração de Maidanek, em 1944. O destino de Scheibner, porém, é desconhecido.

Alfred Breslauer nasceu em 1866 e Paul Salinger em 1865, ambos em Berlim. Estudaram arquitetura no Ginásio Técnico de Berlim e trabalharam juntos de 1901 a 1933, quando Breslauer fugiu para a Suíça. Morreu em Zurique, em 1954. Salinger, perseguido pelos nazistas desde 1933, acabou sendo levado para o campo de concentração de Theresienstadt, onde morreu, em 1942. Juntos, construíram grandes palacetes em estilo neo-clássico, principalmente no sul de Berlim, nas regiões próximas aos lagos e florestas. Muitos de seus projetos ainda podem ser vistos na capital alemã.