- É um pássaro? Não... É um avião? Não... É o Super-Homem. Este slogan faz parte da memória coletiva das várias gerações que cresceram lendo histórias em quadrinhos e se imaginando no mundo fantasioso dos super-heróis, que povoavam e coloriam as bancas de revistas, desde a década de 1930.

Em uma época em que o cinema e a televisão engatinhavam, os heróis dos quadrinhos exerciam tremendo fascínio nos jovens, principalmente nos Estados Unidos. Segundo alguns bem-humorados experts no assunto, os judeus desempenharam um papel tão fundamental no desenvolvimento da indústria de "comics" que a lista de seus autores, artistas e editores bem poderia ser comparada à lista dos membros de uma sinagoga. No universo dessa importante manifestação da cultura popular norte-americana, nomes como Schuster, Siegel, Gillman, Einser, Binder, Klein, Fine, Schonburg, Blum, Simon, Meskin, Sekowsky, Schwartz e muitos outros são verdadeiras lendas. "É quase genético, imbuído na mente e no espírito judaico, esse talento para contar histórias", costumava afirmar Will Eisner, o homem que revolucionou o conceito das histórias em quadrinhos; criador, entre outros, do personagem Spirit.

Os criadores dos primeiros super-heróis eram judeus jovens que viviam nas principais cidades norte-americanas, no período pós-depressão.Filhos de imigrantes vindos do Leste europeu, eles vivenciaram o difícil processo de adaptação de seus pais e sua luta para conseguir um padrão melhor de vida. Estas marcas, assim como sua herança judaica,são facilmente identificadas na personalidade aventureira e destemida dos heróis que criaram. O leit-motif sempre gira em torno de um incansável embate do bem contra o mal, para que, ao final,prevaleça o bem. A defesa dos fracos e oprimidos, a luta contra o crime e a prevalência da justiça são as principais atribuições de todo super-herói.

O arquétipo perfeito do super-herói é o Super-Homem. A criação deste primeiro e mais famoso personagem marca o início da chamada "Era de Ouro" das histórias em quadrinhos, as HQs. Invencível e invulnerável, este personagem voa e possuí inúmeros super-poderes, entre outros, um grau de visão e audição muito superior ao dos comuns mortais, habitantes deste nosso planeta.O Superman tornou-se modelo para uma série de personagens e, em seus quase 70 anos de existência, são incontáveis os estudos acadêmicos sobre o personagem.

Seus criadores foram dois jovens judeus de Cleveland -Jerry Siegel (1914-1996) e Joe Shuster (1914-1992). Mas, apesar do imenso sucesso, foram atribulados os passos iniciais do "Homem de Aço", como também é conhecido. A primeira vez que Spiegel usou o termo Super-Homem foi em 1933, em uma aventura de ficção científica ilustrada por Shuster e intitulada "O Reino do Super-Homem". Infelizmente, esse texto se perdeu. Nessa aventura, o super-herói possuía uma mente diabólica, com avançados poderes mentais. Depois que Hitler assumiu o poder na Alemanha, em 1933, Siegel e Shuster repensaram seu personagem, transformando-o em uma superpotência benigna, incansável em sua luta contra o mal. O grande problema, no entanto, foi encontrar um editor interessado em produzir uma HQ com o novo personagem. Os jovens enviaram o projeto para um editor especializado, que não se interessou pelo tema. O Super-Homem ficou esquecido por cinco anos, até o projeto chegar às mãos de Harry Donnenfeld e Jack Liebowitz - ambos judeus e proprietários da quase falida empresa nova-iorquina Detective Comics.

Siegel e Shuster, que então, já trabalhavam para a DC, receberam o sinal verde para desenvolver aquele que é considerado "o primeiro e maior super-herói de todos os tempos". Ainda em 1938, o Super-Homem apareceu na capa do primeiro número da revista Action Comics e, em menos de dois meses, as vendas de revistas com as histórias do herói atingem a marca de dois milhões de exemplares mensais. Com sua roupa azul e vermelha - e o inconfundível "S" estampando no peito - o personagem sobrevoava altos edifícios, levantava carros e arrombava portas de aço enquanto uma chuva de balas ricocheteava em seu corpo. Era o início da saga do herói-símbolo do bem, da justiça e do estilo norte-americano de vida. Foi o primeiro a ter uma revista "própria", com o título Superman estampado na capa. Depois do ataque a Pearl Harbor, em 1941, e a entrada dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial, o personagem tornou-se também um heróico combatente. Foi o primeiro a lutar contra os nazistas. Em uma aventura publicada em 1944, o Super-Homem agarrava pelo colarinho Hitler e Tojo, o primeiro-ministro japonês, e os atirava longe.

Ao contrário do que se possa imaginar, no entanto, o sucesso financeiro do Super-Homem não rendeu lucros exorbitantes para seus criadores, que haviam vendido os direitos autorais à Detective Comics por um valor muito baixo face aos resultados obtidos. Processaram a empresa, em vão, na tentativa de reaver seus direitos, mas acabaram aceitando os baixos royalties pagos.

Influências judaicas

Não há como negar a influência judaica no personagem criado por Siegel e Shuster. Sua personalidade foi inspirada no princípio judaico de praticar o bem para corrigir as injustiças, na tentativa de fazer do mundo um lugar melhor para todos. Invencível e invulnerável, seu papel é lutar e vencer as forças consideradas imbatíveis. A própria saga do Super-Homem tem raízes judaicas. Sua chegada à Terra lembra a história de Moisés. Em semelhança com o líder bíblico, que se salvou da morte porque seus pais o colocaram em um cesto nas águas do rio Nilo, o Super-Homem foi lançado no espaço por seus pais, Jor-El e Lara, a bordo de uma nave, para escapar de Krypton, seu planeta de origem, à beira da destruição. Ambos foram encontrados, adotados e criados por pessoas de "outra" origem. Além do mais, em hebraico, "El" é um dos nomes de D'us; assim sendo, o nome kryptoniano do Super-Homem, Kal-El, poderia ser, em tradução livre, "D'us é tudo".

A influência judaica no personagem não termina por aí. Apesar dos seus superpoderes, o Super-Homem compartilha algumas características com muitos judeus dos EUA, na década de 1940. Como eles, chegara à América vindo de um mundo distante, tendo que se adaptar a uma realidade totalmente diferente. Nosso super-herói também era obrigado a esconder sua verdadeira identidade. Mas, ai dele, se porventura um dia se esquecesse de sua origem e de quem realmente era: pagaria o alto preço da perda dos superpoderes... Toda a sua família, ou melhor, toda a sua raça tinha sido destruída por uma hecatombe em seu planeta natal. E, como os judeus que tudo faziam para tirar seus filhos da Europa nazista e, assim, salvá-los da morte certa, os pais do Superman o enviaram à Terra na esperança de que sobrevivesse. Os paralelos são muitos e fascinantes!

Efeito multiplicador

Pouco depois do lançamento e sucesso do Super-Homem, a Editora DC Comics trouxe ao mercado mais um personagem super poderoso, Batman, criação de outros dois contadores de histórias judeus, Bob Kane e Bill Finger. Na esteira do sucesso do Super-Homem e do Homem-Morcego (como também se tornou conhecido, no Brasil, o Batman) surgiram inúmeros outros. O que começara como uma iniciativa da DC Comics se transformava em cultura de massa. No período de 1940-1945 foram criados cerca de 400 super-heróis, embora apenas parte tenha sobrevivido. O alistamento nas Forças Armadas dos EUA, durante a 2ª Guerra Mundial, era um "comportamento padrão" dos personagens. Os quadrinhos passaram a ser usados para elevar o moral dos norte-americanos e alertá-los sobre o perigo do nazismo e o sofrimento de todo um continente, especialmente de seus cidadãos judeus.

Durante a guerra, abalados pelas notícias sobre a perseguição a seu povo, dois judeus norte-americanos, Jack Kirby (nascido Jacob Kurtzberg) e Joe Simon, criaram, em 1941, o maior ícone do período do conflito: Capitão América. Simon relembra como surgiu o novo personagem: "Olhei o que acontecia no mundo e não tive dúvida de que Adolf Hitler era o vilão ´por excelência´, a própria encarnação do mal. Definido o vilão, foi só uma questão de criar um herói para combatê-lo". Na capa de sua primeira revista, o Capitão América aparecia combatendo o próprio Adolf Hitler.

A segunda metade da década de 50 assistiu à decadência das HQs. Clichês em demasia, a obviedade das histórias e a falta de imaginação dos escritores foram as principais razões para o crescente desinteresse do público. É com a chegada ao mercado da Marvel Comics que começa o renascimento dos super-heróis, com a criação de um novo time de personagens pelas mãos de Jack Kirby e de outro contador de histórias, também judeu, Stan Lee, ou Stanley Martin Lieber. Este ajudou a transformar a pequena editora Marvel Comics em uma grande corporação multimídia. Entre as criações de Lee e Kirby estão "O Quarteto Fantástico", o "Incrível Hulk", o "Homem de Ferro", "Thor" e os "X-Men".

Nesta nova leva também são inúmeras as alusões à herança e literatura judaica. A série X-Men, por exemplo, mescla elementos típicos de histórias de heróis com outros, como o preconceito de pessoas comuns contra tudo o que é percebido como "diferente". Nas aventuras dos X-Men os protagonistas são mutantes, seres humanos que a partir de mutações genéticas adquirem habilidades extraordinárias. Stan Lee queria mostrar, por essa mídia direcionada aos jovens, os perigos que o mundo corre quando se aceitam preconceitos como a discriminação dentro da própria raça humana em "superior" e "inferior". Através do personagem Magneto, um mutante sobrevivente do Holocausto, são feitas alusões diretas a Shoá. Em um momento, durante um episódio da série de 1992, X-Men: The Animated Series, ele chega a usar as palavras: "Nunca mais". Nos quadrinhos, Magneto busca rotineiramente estabelecer uma nação mutante que seria um paralelo ao Estado de Israel, nos dias atuais. Em uma edição de 2005, a história de Wolverine, outro mutante da série, acontece no campo de concentração de Sobibor. Outro exemplo dessa postura, a HQ "Prisoner Number Zero" (Prisioneiro número zero), de autoria de Mark Millar e dedicada a Will Eisner, apresenta um mutante travestido de fantasma que acaba por enlouquecer o comandante do campo de morte.

Heróis humanizados

A partir da década de 1960, um novo personagem introduziu uma interessante "reinvenção" nos super-heróis, que, diferentemente de seus antecessores, passaram a ter sentimentos mais humanos, fraquezas mesmo. Isto permitia uma maior identificação com os leitores. Stan Lee foi o criador, desta vez em parceria com o desenhista Steve Ditko, do Homem-Aranha, identidade secreta do frágil e tímido adolescente Peter Parker.

O novo super-herói foi apresentado aos leitores em 1962, na série Amazing Fantasy. Ao contrário de outros que o antecederam, que viviam em cidades e mundos imaginários, Peter Parker era fotógrafo, vivia no bairro do Queens, em Nova York, cidade natal de Lee. Seus dilemas e problemas eram os mesmos que os de qualquer jovem de sua idade. Isto fazia dele uma "pessoa comum", que vivia no "mundo real".

O novo personagem da Marvel não nasceu com superpoderes, mas os adquire ao ser picado por uma aranha. O inseto fora submetido, acidentalmente, aos efeitos da radiação durante uma exposição de ciências.O rapaz começa a desenvolver habilidades extraordinárias, deslocando-se rapidamente com a ajuda de teias gigantescas produzidas por glândulas de seu corpo. Talvez o personagem jamais tivesse utilizado seus superpoderes na defesa dos fracos e injustiçados não fosse uma discussão entre ele e seu tio,o sempre presente Uncle Ben, em que este lhe diz a frase que passaria a pautar sua conduta: "With great power comes great responsibility" - isto é, o poder acarreta grandes responsabilidades. Esta máxima, que poderia fazer parte de um tratado rabínico sobre ética, lhe calou fundo após um incidente em que - por ele se ter isentado de prender um ladrão em fuga - justamente o seu Uncle Ben perde a vida. Esta dor e este remorso moldaram sua conduta.

Stan Lee sempre afirmou que seus pais lhe transmitiram princípios judaicos cuja essência, em seu entender, resume-se em "agir de forma justa e correta em relação aos outros". "Se os seres humanos vivessem de acordo com esta premissa, teríamos o paraíso na Terra. Um indivíduo tem o direito de não gostar de alguém, mas não pela cor de sua pele ou sua religião, mas sim por não gostar de suas características pessoais. A situação se complica quando o indivíduo passa a não gostar de determinados grupos".

Todo super-herói tem uma mensagem dirigida especialmente aos jovens: fazer o bem e lutar contra qualquer tipo de injustiça e preconceito, tornando, desta forma, o mundo um lugar melhor. São estas as qualidades que fazem de cada um de nós verdadeiros "super-heróis"!