Judeu polonês naturalizado americano, Ilya Schor foi um artista de várias facetas. Pintor, escultor, ourives, ilustrador, era conhecido por seu trabalho em peças de arte judaica, entre as quais, coroas de Torá (Keter Torá), candelabros, mezuzot e joias, e por suas ilustrações de valiosos textos de filosofia judaica religiosa e literatura folclórica. Suas obras estão expostas em museus do mundo todo, além de constarem em coleções particulares.

Ilya, filho de Naftali e Kradja Schor, nasceu em 16 de abril de 1904 em Zolochiv, um dos tantos shtetls na Galícia, à época parte do Império Austro-húngaro. Seu pai, Naftali, era um pintor dedicado à arte popular, que ganhava a vida pintando cartazes ilustrados em muitas cores para os comerciantes locais. Ilya deu seus primeiros passos no mundo da arte com apenas 16 anos aprendendo a fazer gravura em metal.

Seus pais, assim como a maioria dos judeus de Zolochiv, seguiam o movimento Chassídico e a infância e juventude de Ilya foram profundamente embebidas no mundo religioso dos judeus da Europa Oriental, sendo que esse tipo de vida teve uma grande influência em seu trabalho. Ao descrever sua forma de expressar a arte, sua filha Mira escreveu: “Cada uma de suas pinceladas carrega um DNA artístico pertencente ao passado, e em cada um de seus traços vê-se a influência da leveza da cor fugidia em Pierre Bonnard1, mas, em seu trabalho, a humildade da vida tradicional Chassídica é refletida com vigor”.

Depois do Tratado de Paz de Riga, de 1921, Zolochiv, tornou-se parte da recém-criada República da Polônia. Em 1928 Ilya vai para Varsóvia estudar pintura na Academia de Belas Artes. Lá, dois anos mais tarde, ele conhece Resia, uma jovem judia originária de Lublin que tinha-se matriculado para estudar pintura na mesma instituição. Em 1936 ele se forma e, no ano seguinte, ganha uma bolsa do governo polonês para continuar seus estudos em Paris e na Itália.

Chega em Paris em abril de 1937. Logo começa a trabalhar com um de seus professores na criação de um grande mural para o Pavilhão Polonês na Feira Mundial de Paris, a se realizar naquele ano. Terminado o mural, o professor o aconselha a permanecer em Paris, pois eram escassas as oportunidades para um artista judeu, na Polônia.

Resia também se mudara para Paris, a Cidade-Luz. Os dois jovens artistas usufruíam juntos da efervescência criativa de sua geração de judeus, que tinham atingido a maioridade no entre-guerras e entraram, de cabeça, no mundo artístico da Paris do final da década de 1930.

Em 1938, Ilya participa do Salão de Outono de Paris e, embora ainda desconhecido, seu trabalho é muito elogiado pelos críticos. Apaixonados, Ilya e Resia queriam muito se casar, mas por serem estrangeiros não podiam ter um casamento civil, apenas uma cerimônia religiosa que não era reconhecida pela lei francesa. Eles viviam em um sótão no último andar de um edifício na Rua Charlot, no bairro judeu de Paris – o Marais. Após a Polônia ser invadida pela Alemanha, em setembro de 1939, conseguem obter o status de residentes e se casam em uma cerimônia civil, em Paris.

Com o avanço das tropas alemãs na Europa Ocidental e com medo de que os nazistas tomassem Paris, Resia insiste com o marido para deixarem a cidade. Conseguem sair pouco antes da chegada das tropas nazistas. De um grupo de cerca de 11 judeus poloneses que conseguiram fugir, juntos, de Paris, Ilya e Resia foram os únicos a sobreviver à Shoá.

O destino do casal foi Bordeaux, onde se reuniram com amigos que trabalhavam no Joint Distribution Committee. Em seguida, vão até Marselha para tentar conseguir vistos de emigração para os Estados Unidos. Em Marselha se encontram com outros jovens artistas judeus: pintores, músicos e outros membros da chamada intelligentsia da Europa. Todos lutavam para deixar a Europa e conseguir vistos para os Estados Unidos ou outros países das Américas.

Terminada a 2ª Guerra, já em 1955, ao preencher o formulário para a compensação por bens perdidos durante o período nazista (Conference for Jewish Material Claims against Germany), Ilya descreve o período que passou em Marselha: “Sou um artista judeu originário da Polônia. Perdi todas as minhas obras e meu material artístico ao fugir, em 1941, da França ocupada pelos nazistas e ir para Marselha e de lá para os EUA. Fui duas vezes detido pelas forças policiais francesas de Vichy e levado a um campo de concentração próximo a Marselha. Só fui libertado quando recebi meu visto americano”.

Muitos dos membros da família de Resia e de Ilya não conseguiram fugir e pereceram durante a Shoá.

O mundo artístico de New York

O casal Schor deixou a Europa no final de 1941 e só retornaria à França em 1958, acompanhado pelas filhas Mira e Naomi. Eles chegam a Nova York via Lisboa em 3 de dezembro. Iniciava-se uma nova fase de sua vida pessoal e artística.

Estabelecem-se em Manhattan, no chamado Upper West Side. Resia passa a trabalhar com outros intelectuais e artistas refugiados recém-chegados, em uma pequena fábrica de tijolos pintados à mão.

Ilya, por sua vez, volta a pintar. Em seus trabalhos, ele reproduz as suas memórias da vida dos judeus na Europa Oriental. Nas palavras da segunda filha do casal, Mira, “ele adorava desenhar e pintar e todos ficavam encantados com a delicadeza e perfeição de suas linhas, com qualquer meio que fosse… seus movimentos, rápidos e precisos, seu toque, extremamente hábil”.

Nova York descobre a arte de Ilya quando, em 1944, o artista monta sua “Exposição de Guaches de Ilya Schor: Composições, Flores, Paisagens, Estilo de Vida”, na Biblioteca Pública da cidade, na Rua 58. E, no mesmo ano, ele participa de uma mostra coletiva no Museu de Arte Contemporânea de Boston.

Em 10 de outubro de 1944 nasce, em Nova York, a primeira filha do casal, Naomi. Acadêmica em Teoria Literária, Naomi faleceu em 2001, aos 57 anos.

Em 1947, mais uma exposição, dessa vez na Galeria de Arte Judaica, também em Nova York, intitulada Pinturas sobre temas iídiches. Seus trabalhos The Giving of the Law e Ten Commandments foram incluídos na exposição inaugural do Museu Judaico, na antiga mansão Warburg, na Quinta Avenida. Em 29 de dezembro daquele ano Ilya e Resia tornam-se cidadãos americanos.

Em 1949, obras de Ilya passam a integrar a The One Hundred and Forty-Fourth Annual Exhibition of Painting and Sculpture, da Academia de Belas Artes da Pensilvânia, na Filadélfia. E é incumbido de ilustrar duas importantes obras do renomado filósofo e teólogo, Rabi Abraham Joshua Heschel: The Earth is The Lord’s: The Inner World of the Jew in Eastern Europe”, publicada em1950, e The Sabbath. O rabino Heschel assim se referiria às obras de Schor: “Na quietude das preciosas imagens, Ilya Schor trouxe à vida o espírito eterno de Israel, e as gerações futuras ouvirão a voz e a espiritualidade de nosso povo na Europa Oriental”. Ele também ilustrou o livro Adventures of Mottel, the Cantor’s Son, de Sholem Aleichem. As três obras ilustradas por Ilya continuaram sendo impressas, há mais de 60 anos. Em junho de 1950 nasce a segunda filha do casal, Mira, que se tornaria uma artista, escritora e feminista renomada.

Resia Schor também continuou sua vida artística, participando de exposições em Nova York na década de 1950, sob o nome de Resia Ain.

A fama de Ilya consolida-se cada vez mais e ele passa a realizar anualmente mostras individuais e coletivas em várias galerias de Nova York, Boston e Chicago. Entre suas obras está uma rara coleção de objetos de Judaica em ouro e prata. Em seus últimos anos, dedica-se à escultura, produzindo obras abstratas em bronze e cobre. Entre seus principais trabalhos destacam-se as portas do Aron HaCodesh do Templo Beth-El, em Great Neck, estado de Nova York.

Ilya Schor morre em Nova York, em 1961. Sua filha Mira escreve, na ocasião: “Meu pai desenhou, pintou e fez gravura, e muito, muito mais, com a mesma facilidade com que respirava. E, na verdade, considerando-se sua morte prematura, com muito menos esforço do que respirava...”.

Após a morte do marido, Resia passa a trabalhar exclusivamente com metal, criando peças únicas de joalheria e arte judaica, bem como esculturas em multimídia – tudo em seu ousado estilo abstrato-modernista, com um grande senso pictórico de cor e textura. Ela só veio a falecer em 2006

Uma exposição retrospectiva da obra de Ilya foi realizada em 1965 no Museu Judaico de Nova York. Dez anos depois, é realizada a mostra Life of the Old Jewish Shtetl: Paintings and Silver by Ilya Schor, no Museu da Yeshiva University. Em 2000, é a vez da mostra Ilya Schor and His Great Neck Patrons, no Museu de Arte Judaica Elsie K. Rudin, Great Neck, Nova York.

Suas obras fazem parte do acervo do Museu Metropolitan de Arte, do Museu Judaico, da Grande Sinagoga de Nova York, da Coleção de Mezuzot Jacob e Belle Rosenbaum, do Museu de Arte da Carolina do Norte e do Museu de Arte Judaica de Sidney, na Austrália, entre outros.

1        Pierre Bonnard (1867-1947) pintor de peso para o nascimento da Arte Moderna. Fundador do grupo simbolista dos “nabis“, sua contribuição é fundamental para se entender a passagem entre o pós-impressionismo e o simbolismo.

A Caixa de Casamento

A Caixa de Casamento é um dos trabalhos mais representativos de Ilya Schor. Feita em relevo em ouro e prata, reproduz na tampa a noiva, o noivo e o rabino sob a chupá erguida por crianças e músicos klezmer. Na parte da frente, um homem e uma mulher carregam bandejas também ladeados por crianças. Em três círculos há inscrições em iídiche: “Que assim seja, com boa sorte”.

Do lado direito, há um painel com inscrições em hebraico: “Alegria e alegria, noivo e noiva”, ladeadas com imagens do casal de noivos; o lado esquerdo com a inscrição hebraica: “Seu pai e sua mãe devem se alegrar e aquela que a carregou deve estar feliz”, ladeada pelas imagens dos pais da noiva. Na base da caixa, desenhos simétricos de um vaso com motivos florais ladeados por cercas e pássaros, e ao centro uma placa circular com marcas do artista. No lado interno está a inscrição Mazaltov, em hebraico.

Ilya Schor fez esta caixa para o pintor Mane Katz, em 1958, em Nova York. O estilo desse trabalho lembra os recortes de papéis que enfeitavam as janelas das casas nos shtetls da Europa Oriental durante a comemoração de Shavuot.