A extrema direita na Europa, quem diria, vive momentos de euforia. Quando imaginávamos que a aproximação do novo milênio coincidiria com a consolidação da rejeição a valores como racismo e xenofobia, vemos partidos com plataformas nacionalistas colhendo resultados eleitorais expressivos.

O caso austríaco é o mais alarmante. O Partido da Liberdade colheu 27% dos votos, ganhou a condição de segundo partido mais votado do país (atrás apenas dos social-democratas) e cravou o melhor resultado da extrema direita na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Liderado pelo telegênico e jovem Joerg Haider, 49, o PL arrancou uma vitória que despertou o alarme e foi seguido por outro avanço eleitoral da direita. A Suíça testemunhou o SVP conseguir cerca de 20% dos votos, cinco pontos percentuais acima do patamar alcançado em 95.

A lista de sucessos da extrema direita não pára por aí. No começo do ano passado, a DVU (União do Povo Alemão) recebeu 13% da votação em pleito regional no estado de Saxônia-Anhalt, que fica em solo da ex-Alemanha Oriental. O placar corresponde ao melhor resultado eleitoral da extrema direita alemã desde a Segunda Guerra Mundial. Também na França, Bélgica e Itália, as forças nacionalistas e xenófobas se fortalecem.

É importante, no entanto, recorrer à sintonia fina para se desenhar a real dimensão do fenômeno. Não podemos falar ainda de uma vaga que signifique a iminente chegada de ditadores fascistas às avançadas e consolidadas democracias européias. Mas os resultados recentes sinalizam uma inequívoca mensagem de algo está errado no Velho Continente.

O primeiro aspecto a ser levado em consideração é o desemprego, provocado por motivos estruturais, como o inevitável avanço tecnológico que diminui a necessidade de mão-de-obra, ou por razões circunstanciais. Estas últimas podem variar, mas trazem em geral os aspectos negativos da globalização, que, no caso europeu, desemboca num concentração de renda e atividade econômica nos países mais ricos do continente, atraindo imigrantes, legais ou ilegais, em busca de dias melhores.

A Áustria é um caso emblemático. Cerca de 8% da sua população é formada por estrangeiros, numa onda que se reforçou recentemente com a crise econômica em países do Leste europeu, especialmente nos Bálcãs, região afetada por conflitos armados e crises econômicas. Joerg Haider, um populista que se notabilizou por elogiar Adolf Hitler, buscou - e conseguiu - sensibilizar mais de um quarto do eleitorado austríaco ao destilar uma plataforma antiimi-grantes e também a atacar a União Européia. Para ele, o avanço da integração regional, outro traço da globalização, "destrói características nacionais austríacas e tira soberania do país, deixando-o nas mãos dos burocratas de Bruxelas", onde fica o centro nervoso da UE.

Para seu sucesso, Haider teria contado ainda com mais um fator: o cansaço do eleitorado austríaco em relação aos partidos tradicionais. Os liberais e os social-democratas, monopolistas do poder político nos últimos anos, vêem seu apoio popular se erodir e o Partido da Liberdade soube, também, aproveitar-se desse importante patrimônio político, apresentando-se como uma alternativa para mudanças num país incomodado pelo aumento do desemprego e da criminalidade.

No caso da Áustria, vale ainda lembrar que o país não fez uma autocrítica em relação a seu envolvimento com o nazismo tão severa como fez a Alemanha. País de mentalidade notoriamente conservadora, a Áustria foi anexada por Hitler em 1938 e, no pós-guerra, chegou a conviver com escândalos como a comprovada participação de seu então presidente, Kurt Waldheim, em forças especiais nazistas na Segunda Guerra Mundial.

O discurso eleitoral de Haider não trouxe de volta suas intempéries anti-semitas, munição que o candidato parece ter deixado no porão em busca de reconhecimento e respeitabilidade internacional. Ele até chegou a se oferecer para visitar Israel, num esforço para esclarecer um suposto mal-entendido quanto a suas posições.

No caso recente do avanço eleitoral dos xenófobos na Suíça, as explicações guardam evidente parentesco com o caso austríaco: reação a ondas de imigrantes e manifestação conservadora contra "o cosmopolitismo da globalização". No entanto, um fator adicional teria de ser levado em conta: uma eventual reação negativa de fatia do eleitorado suíço à questão de indenização envolvendo sobreviventes do Holocausto e o papel dos bancos do país durante a Segunda Guerra Mundial, quando estocaram ouro nazista e realizaram operações eticamente condenáveis. Nacionalistas alpinos vêem, nesse caso, um "complô judaico destinado a manchar a imagem da Suíça".

No último vértice do triângulo, desponta o sucesso, em 98, da extrema direita alemã. Ela colhe sobretudo na antiga Alemanha Oriental votos de protesto contra a crise econômica local, provocada pela transição ao capitalismo, e manifestações de xenofobia em áreas onde as taxas de desemprego podem beirar os 20%. Eleições mais recentes, no entanto, demonstram sucesso dos ex-comunistas do PDS na hora de capitalizar o voto de protesto contra os grandes partidos, o SPD do premiê social-democrata Gerhard Schroeder, e a democrata-cristã CDU, do ex-primeiro-ministro Helmut Kohl.

Deter o avanço da extrema direita na Europa não será possível apenas por meio da guerra ideológica e eleitoral nos países onde haja eleição. Será preciso enfrentar também estancar a ferida aberta no continente, que alimenta o fluxo de imigrantes rumo aos pólos mais ricos da região, e isso significa o espinhoso desafio de buscar a estabilidade no Leste europeu e minorar os efeitos negativos da inevitável globalização. Afinal, os extremistas, de qualquer tipo, costumam beber da fonte dos medos e das incertezas vividas pelo eleitor comum.