Em meados deste ano, praticamente no segundo ano consecutivo da intifada, começou a circular nos meios acadêmicos de uma das mais famosas universidades do mundo um apelo para que os investimentos financeiros de suas reservas (algo em torno de U$ 20 bilhões) não fossem aplicados em Israel, por este país não respeitar as leis internacionais dos direitos humanos.

Infelizmente, Harvard não está só neste assunto, pois movimentos parecidos têm surgido em outros centros universitários americanos e, de certa forma, trazem à memória meus próprios tempos de vida universitária em Boston (alguns deles no hospital universitário de Harvard), quando pedidos semelhantes eram feitos contra a África do Sul por causa de sua política de segregação racial.

Lawrence Summers, atual presidente de Harvard, merece nossos aplausos, pois em discurso proferido algumas semanas atrás e disponível no web site da Universidade, apenas não se posicionou contra a petição, como a classificou de anti-semita. Ou, em suas palavras traduzidas, "anti-semita em seu efeito, senão em sua intenção." O atual presidente de Harvard fez um discurso praticamente não acadêmico, dizendo o que acha, o que pensa e qual será sua maneira de agir... Rejeitou o manifesto de 69 professores pedindo que Harvard não investisse dinheiro de suas reservas em Israel, fato muito importante já que diretores de outras faculdades de menor expressão fizeram "vista grossa" para fatos semelhantes em seus respectivos campus.

No cenário acadêmico americano manifestações anti-semitas têm sido freqüentes em comunidades de cultura limitada ou populistas, de ultra-direita, e não em centros de cultura progressista e de acentuada intelectualidade. Alguns daqueles que assinaram a petição argumentam que o presidente de Harvard confunde anti-semitismo com posturas anti-Israel quando, na realidade, alguns destes professores estão presentes em listas de solicitação de fundos para apoio a terroristas. Sou da opinião que o anti-semitismo tem muitas faces; criticar Israel não é ser anti-semita, mas mencionar Israel e não, por exemplo China, Ruanda e quase todos os países árabes é, a meu ver, uma posição anti-semita.

Algumas palavras sobre Harvard e sobre Lawrence Summers. No início do século passado, o acesso de judeus a Harvard era dificultado e limitado. Abbott Lawrence Lowell, presidente em 1922, havia proposto cota para judeus, uma vez que comparando-se com 1900, o número de judeus era crescente, chegando a aproximadamente um quarto dos recém-ingressados. Segundo Lowell, isto era justificado visto que o grau de anti-semitismo era proporcional ao número maior de judeus. Já o Dr. Summers, é um judeu que chamaríamos de secular, criado e educado nos Estados Unidos, onde sua opção religiosa foi ignorada ao longo de sua vida acadêmica e suas palavras me parecem muito mais as de um cidadão do que as de presidente da Universidade.

Finalmente, gostaria de ressaltar o fato de que o discurso de Summers foi feito no serviço religioso tradicional e dominical da Memorial Church de Harvard, uma congregação de protestantes que mantém este serviço desde a fundação da Universidade, em 1636. O serviço conta com a participação de professores e estudantes, sendo aberto com a palavra de um membro ou amigo da Universidade. Parabéns ao professor Summers pela coragem e desprendimento.

Talvez como alívio parcial, logo após a petição com 69 assinaturas de professores, circulou uma outra contendo mais de cinco mil assinaturas. Pedia que os investimentos em Israel continuassem e seus signatá-rios eram em grande maioria professores da Universidade e, em número menor, funcionários de outras atividades. O jornal "Boston Globe", equivalente a "O Estado de São Paulo"e "Folha de São Paulo", contém uma série de artigos publicados durante os últimos 60 dias sobre o assunto, inclusive um do famoso advogado e professor de Harvard, Alan Deshorwitz, que poderão ser acessados através do site www.boston.com, procurando-se por matérias sobre este nefasto assunto.n

Morton Scheinberg
Médico clínico e pesquisador em Reumatologia e Imunologia, com aperfeiçoamento em Boston no período de 1970 a 1976, quando também obteve o título de PhD pela Boston University.