Em Tisha B’Av, nono dia do mês hebraico de Menachem Av, jejuamos e choramos a destruição do Templo Sagrado de Jerusalém. O Segundo Templo foi destruído 490 anos após o primeiro, que também caiu por terra nessa mesma data sinistra.

A destruição do Segundo Templo foi obra do Império Romano, que primeiro ocupou a Terra de Israel no ano 63 a. E.C. Desde praticamente início da Era Comum, a Judéia foi governada por procuradores romanos que cobravam um imposto anual em nome do Império. O montante que excedia a cota estipulada, ficava em poder deles. Não era, portanto, de surpreender que eles sempre impusessem impostos adicionais para seu próprio enriquecimento ilícito. Mas o que enfurecia os judeus ainda mais era o fato de que Roma impunha a indicação do Cohen Gadol o Sumo Sacerdote, que devia ser o homem mais puro entre os judeus. Indignava-os o fato de que o Sumo Sacerdote, que representava os judeus perante D’us em seus dias mais sagrados, especialmente em Yom Kipur, tivesse que ser indicado pelo imperador romano, que favorecia apenas quem colaborasse com Roma. 

No início da Era Comum, um grupo de rebeldes judeus decidiu enfrentar Roma. Ficaram conhecidos como os zelotas, os Canaim. Os zelotas acreditavam que todos os seus meios, inclusive a violência, se justificavam por terem como objetivo primordial a expulsão dos romanos de Israel.

Os sentimentos judaicos contra Roma foram exacerbados durante o reinado de Calígula, o psicótico imperador romano. No ano de 39, Calígula se auto-investiu de divindade, promulgando um decreto de que sua estátua fosse erigida em todos os templos do Império Romano. Em todas as terras ocupada pelos romanos, os judeus eram o único povo que se recusou a cumprir as leis do imperador. Nenhum judeu profanaria o Templo Sagrado com a estátua de um homem que se auto-proclamava a mais recente divindade de Roma.

Furioso com a recusa dos judeus em obedecer sua ordem, Calígula ameaçou destruir o Templo Sagrado. Uma delegação de judeus foi até ele, na tentativa de apaziguá-lo, o que não conseguiram. Calígula ameaçou os judeus de exterminá-los, acusando-os, com razão, de serem inimigos dos deuses, o único povo que se recusou a reconhecer sua condição de divindade. Felizmente, o imperador Calígula faleceu, subitamente, salvando os judeus de uma provável maciça confrontação militar com o Império Romano.

No entanto, apesar de morto, os atos de Calígula exacerbaram os ânimos até mesmo dos moderados, entre os judeus. Estavam preocupados de que pudesse surgir um imperador que, como seu antecessor, tentasse profanar o Templo Sagrado ou massacrar o povo judeu. Além disso, a morte súbita de Calígula parecia confirmar a crença dos zelotas de que D’us lutaria ao lado dos judeus, caso tivessem a coragem de ousar desafiar Roma.

Mesmo com Calígula fora de cena, os romanos continuaram os abusos contra os judeus. Agiam sem nenhum respeito dentro do Templo, a ponto de queimar os rolos da Torá. Os romanos também desprezavam o judaísmo, favorecendo os não judeus que viviam na Terra de Israel. Finalmente, no ano de 66 desta era, um procurador romano de nome Florus roubou uma grande quantidade de objetos de prata do Templo Sagrado. Grandes contingentes de judeus, enfurecidos e revoltados, destruíram uma pequena praça militar localizada em Jerusalém. O governante romano na vizinha Síria enviou um batalhão com maior número de soldados para conter a insurreição judaica, mas estes, também, foram derrotados pelos insurgentes judeus. Essa vitória convenceu os judeus de que poderiam derrotar Roma. Muitos se uniram aos zelotas, porém essa grande rebelião levou a uma das maiores catástrofes da história de nosso povo.

Nossos sábios nos dizem que não foi a superioridade militar dos romanos que fez com que o povo judeu fosse vencido. Pelo contrário, o Templo Sagrado foi destruído e os judeus exilados da Terra de Israel em virtude de terem praticado entre si próprios o ódio gratuito sinat chinam (Tratado Yomá, 9b). No tratado Gittin, o Talmud narra uma história que simboliza o ódio existente entre os judeus da época e que levou à destruição de Jerusalém e do seu Segundo Templo. 

A história de Kamtza e Bar Kamtza

Um homem tinha um amigo chamado Kamtza e um inimigo de nome Bar Kamtza. Certa vez, organizou um banquete e pediu a seu ajudante que encontrasse Kamtza e o convidasse para o banquete. Mas o ajudante trouxe, por engano, Bar Kamtza. Quando o anfitrião chegou e viu o inimigo lá sentado, enfureceu-se, gritando: Você é meu inimigo, o que está fazendo aqui? Levante-se e vá embora!. Bar Kamtza, que se sentiu humilhado com a possibilidade de ser expulso na presença de outros, implorou para ficar. Já que estou aqui deixe-me ficar, e pagarei por tudo que eu consumir, bebidas e comidas. O anfitrião não concordou. Bar Kamtza disse então: Deixe-me ficar e pagarei a metade de seu banquete. Novamente, o anfitrião negou o pedido. Bar Kamtza tentou uma última cartada: Pagarei pelo banquete inteiro. Mas o anfitrião nem se comoveu. Na frente de todos os convidados, pegou Bar Kamtza pela mão, expulsando-o do recinto.

Bar Kamtza saiu, constrangido e com muita raiva – não apenas do anfitrião. Como os rabinos estavam no banquete e não repreenderam o anfitrião pela forma como me tratou, ficou evidente que aceitaram o que ele fez raciocinou. Por isso, tramou sua vingança. Decidiu difamar os rabinos perante o imperador romano. Foi até César e disse: Os judeus se rebelaram contra Vossa Majestade! Quando César pediu algumas provas, ele fez a seguinte sugestão: Mande-lhes um animal para ser sacrificado e veja se o oferecem no Templo! César, então, enviou um bezerro perfeito com Bar Kamtza. Quando este se dirigia a Jerusalém, fez uma marca no bezerro tornando-o impróprio para o sacrifício no Templo. Interessados em manter a paz com o governo de Roma, os rabinos aceitaram a oferta do sacrifício, apesar da imperfeição. Todavia, Rabi Zechariah ben Avkulus opôs-se ao ato: Dirão que animais impróprios podem ser oferecidos no altar do Templo! Os rabinos, então, pensaram em matar Bar Kamtza para que ele não fosse até César delatar que sua oferenda havia sido recusada. Mas Rabi Zechariah disse: Dirão que aquele que macula animais é morto!

O bezerro marcado não foi ofertado nem tampouco Bar Kamtza foi impedido de ir ao encontro do imperador. Os romanos consideraram tal atitude um ato de revolta e César enviou o general romano Vespasiano contra os judeus. Enquanto estavam fora de Jerusalém, as tropas romanas se prepararam para sitiar a cidade, mas na cidade os judeus travavam uma guerra civil suicida. Os líderes judeus mais moderados, à frente do governo no início da revolta, foram mortos por seus compatriotas. Na expectativa de um cerco romano, os judeus de Jerusalém haviam estocado uma grande quantidade de alimentos, que poderia sustentar a cidade sitiada por muitos anos. Mas uma das facções dos zelotas ateou fogo nos mantimentos e suprimentos. Esses zelotas tinham esperança de que destruindo os víveres, os judeus não conseguiriam resistir ao cerco e se sublevariam contra os romanos. Mas a fome que resultou da destruição dos alimentos causou um tremendo sofrimento e morte entre os judeus.

No ano 70 de nossa era, os romanos finalmente romperam as muralhas de Jerusalém. Em Tisha B’Av daquele ano, o Segundo Templo Sagrado foi destruído. Calcula-se que mais de um milhão de judeus morreram na Grande Revolta contra Roma. O povo judeu foi exilado de sua terra natal.

Aprendendo com a destruição

O Talmud nos ensina que o primeiro Templo Sagrado de Jerusalém foi destruído por causa dos atos de idolatria, homicídios e imoralidade, comuns entre os judeus. Durante a época do Segundo Templo, os judeus estudavam a Torá e respeitavam suas leis, além de praticar atos de caridade. Todavia, eles se odiavam. Nossos sábios equiparam o ódio infundado com os pecados capitais da idolatria, imoralidade e homi-cídio.

Um midrash lança mão da linguagem figurativa para relatar o seguinte conto e a lição óbvia a ser tirada: na noite de Tisha B’Av (a data que marca a destruição dos dois Templos Sagrados), a alma de nosso patriarca Avraham adentrou o “Santíssimo” – o lugar mais sagrado do Templo em que apenas o Sumo Sacerdote, o Cohen Gadol, podia entrar em Yom Kipur. O Todo-Poderoso, Bendito Seja, segurou a mão de Avraham e o fez caminhar com Ele. D´s perguntou, O que te traz, filho amado, à Minha Casa?” (Jeremias 11:15). Avraham respondeu: Meu D´us, onde estão meus filhos? D´us disse, Eles pecaram, portanto os exilei entre as nações. Avraham argumentou, Mas não havia nenhum virtuoso entre eles?
D’us explicou, …Cada um se regozijou com a ruína do outro (Midrash Eicha Rabba 1:21).

A história de Kamtza e Bar Kamtza é simbólica desse ódio infundado e de como as pessoas respeitavam “a letra” da Lei, mas desonravam seu “espírito”. A lei judaica permite violar até mesmo uma proibição da Torá por meio da oferenda de um animal maculado no Templo em prol da manutenção de boas relações com um governo não-judaico, evitando, dessa forma, o risco de perder vidas. Todas as proibições, com exceção da idolatria, assassinato e atos imorais como adultério e incesto, são permitidos quando o objetivo é o de sal- var vidas. O Talmud também ensina que a tolerância e a compaixão quando mal orientadas, como no caso demonstrado pelo Rabi Zechariah ben Avkulus, levaram à destruição do Templo. Qualquer pessoa que esteja, de forma justificada, incitando o governo contra seus irmãos judeus, pode ser condenada à morte. Por outro lado, o sábio que não permitiu o sacrifício de um animal maculado no Templo também recusou sentenciar Bar Kamtza à morte, apesar de sua trama diabólica. 

Há muitas lições a serem tiradas do incidente entre Kamtza e Bar Kamtza e da guerra civil insensata que resultou na Diáspora de quase 2.000 anos. Mas, acima de tudo, há a lição do Talmud na conclusão dessa trágica história: Rabi Elazar disse: ‘Venham ver como é grande o poder da vergonha! Pois o Todo-Poderoso, Bendito Seja, permitiu que Bar Kamtza se vingasse da vergonha pela qual passou e Ele destruiu Seu Templo’” (Gittin 57a). 

Nossos sábios ensinam que, como os judeus foram exilados de sua Terra natal por causa do ódio infundado, a Diáspora se encerrará quando eles praticarem o amor com desprendimento. O Primeiro Templo foi destruído porque o povo menosprezou a Torá. O Segundo Templo foi destruído porque os judeus se desprezaram. O Terceiro Templo será erigido quando os judeus aprenderem a seguir a Torá, realizando atos de caridade e bondade entre si. Há uma tradição segundo a qual o Messias, que será o construtor do Terceiro Templo, nascerá em Tisha B’Av. Este dia de luto e jejum, em que comemoramos a destruição de ambos os templos, será então revertido e o celebraremos com grande júbilo. 

A prece para a reconstrução do Templo e o fim da Diáspora judaica é dita todos os dias pelos judeus do mundo inteiro. Três vezes ao dia rezamos o Shemone Esré (Amidá) com a seguinte meditação: “Que seja Tua Vontade, Senhor nosso D’us e D’us de nossos antepassados, que o Templo Sagrado seja reconstruído, rapidamente, em nossos dias. Outorga-nos nosso quinhão na tua Torá, e que possamos servir a Ti com reverência, como nos dias de outrora e nos anos passados.

Bibliografia:

• Jewish Literacy - Rabbi Joseph Telushkin; William Morrow and Company, Inc.;
• Tisha B’Av - Texts, Readings and Insights; Artscroll Mesorah, Inc.;
• Talmud Bavli - Gittin 55b-56a.